O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resistiu o que pode a interromper os seus ataques ao Banco Central (BC), na figura de seu presidente Roberto Campos Neto, e ao mercado financeiro, que cobrava medidas claras para conter os rombos fiscais. Mas a postura do petista impulsionou o dólar para o maior patamar em dois anos e meio (R$ 5,70) na tarde de terça-feira (2) e o chefe do Executivo acabou, enfim, sendo levado a ceder.
Nesta quarta-feira (3), Lula moderou as suas falas e acenou para o inevitável controle de gastos diante da pressão de indicadores que já projetavam aumentos nos custos de itens da cesta básica, nos transportes e na inflação em geral.
Por semanas seguidas, Lula acelerou o discurso eleitoral, até duas vezes no mesmo dia, para atacar a independência do BC, endereçando a ela a culpa por todas as mazelas econômicas do seu governo. Ele também se pôs como um adversário do mercado e dos “mais ricos”, alimentando incertezas sobre se faria mesmo alguma contenção de despesas.
A disparada do dólar foi o sintoma mais evidente desse comportamento do presidente, mas que foi desdenhada por ele como mera especulação. Sobre críticas que recebeu de analistas e da imprensa, as chamou de “cretinice”. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), por sua vez, minimizou tudo como “falha na comunicação”.
Mas o que levou Lula a dar uma trégua a Campos Neto, prometer controlar os gastos públicos e autorizar Haddad a cortar R$ 26 bilhões do orçamento federal?
Nos bastidores, circularam informações de que o presidente foi aconselhado por economistas de dentro e fora do governo a evitar que os estragos produzidos contra si e seu governo ganhassem ainda mais força, a ponto de se tornarem irreversíveis e contaminarem sua aprovação pessoal.
Além de evitar um aprofundamento do descrédito da equipe econômica, ele também acabou levando em conta os efeitos negativos sobre a campanha eleitoral deste ano, com potenciais reflexos sobre 2026.
Recuo de Lula produz rápido efeito positivo, mas não garante estabilidade
No mesmo dia que Lula cedeu aos apelos de aliados e do mercado, Roberto Campos Neto entrou de férias e passou interinamente o comando do BC ao diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, indicado do presidente da República.
Principal cotado para assumir, em dezembro, o posto de Campos Neto, Galípolo tenta garantir a credibilidade do mercado em meio à cautela dos investidores com as recentes e sistemáticas críticas de Lula à autoridade monetária.
Apesar da interrupção dos ataques verbais ao BC e aos “especuladores” ter produzido efeito positivo imediato sobre o câmbio, ainda persistem dúvidas entre políticos e analistas sobre o real compromisso de Lula com o equilíbrio fiscal, o que pode gerar novas turbulências, sobretudo se ele reagir mal às pesquisas de satisfação do governo.
Prova disso é que, nos bastidores, a reunião de Lula com Haddad na quarta-feira para tratar de controle de gastos e do dólar deixou o mercado apreensivo com a possibilidade de intervenção no câmbio por Galípolo.
O crescimento das incertezas quanto aos juros americanos e à política fiscal do governo fizeram com que o dólar ainda acumulasse na quarta-feira (3) uma alta de 14,75% no ano, colocando o real entre as moedas que mais se desvalorizaram.
Diante desse cenário, não restou alternativa ao chefe do Executivo senão ceder. No fim da cerimônia de lançamento do Plano Safra Agricultura Familiar, Lula afirmou que “responsabilidade fiscal é compromisso” e que o seu governo “não joga dinheiro fora”.
Dessa vez, o presidente não mencionou o BC, a alta do dólar ou as altas taxas de juros. Contrariado, ele continua reticente a ceder a sugestões como desvincular os pisos de saúde e educação do salário-mínimo, o que contraria o discurso do PT. Mas é provável que a realidade imponha uma medida nessa direção, mesmo que seja contida ou camuflada. Uma pista disso é que Lula decidiu, apesar de toda contrariedade, manter a meta de déficit fiscal zero em 2024 e de inflação em 3% neste ano e nos próximos.
Inconformidade com política monetária também tem conotação eleitoral
A cruzada de Lula contra o BC e seus reflexos sobre o dólar vinha sendo sustentada pela sua insatisfação com a perda de controle sobre a política monetária, graças à convivência com um presidente do banco diverso ao seu desejo, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mas o petista não estava calculando o impacto de suas falas na cotação do dólar, apenas buscando externar as suas convicções pessoais em tom de palanque.
Ele ainda vê um movimento do mercado para forçá-lo a adotar uma agenda ambiciosa de cortes, o que não se alinha com seus planos e concepções. Além disso, ciente da insatisfação nacional com os juros altos, Lula busca agregar essa marca eleitoral e populista a sua figura, como inimigo do arrocho monetário.
Embora estivesse animado com a boa receptividade do público ao seu discurso contra as altas taxas de juros, a persistência da escalada do dólar passou a preocupar também o presidente. Ele então se consultou com economistas de fora do governo para avaliar cenários e tomar uma decisão. Lula não queria ceder às pressões do mercado, inclusive sobre o perfil de quem deveria indicar para a próxima vaga no BC.
A percepção de esgotamento da agenda de ajuste das contas públicas pelo lado das receitas, tanto no mercado financeiro quanto em Brasília, aumentou a pressão sobre o governo para que fossem tomadas medidas de corte de despesas em busca do cumprimento das metas fiscais. Por isso a equipe econômica recebeu com alívio os gestos de recuo do presidente.
Governo finalmente determina ajuste nos gastos, embora sem detalhes
Haddad afirmou na quarta-feira (3) que Lula determinou o cumprimento do arcabouço fiscal “a todo custo” e autorizou a equipe econômica a cortar R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias identificadas em algumas pastas, movimento chamado de “pente-fino” sobre distorções em benefícios sociais.
Haddad disse que “não há discussão” a respeito do cumprimento do novo marco fiscal e enfatizou que a norma aprovada pelo Congresso partiu de iniciativa do governo, com a participação dos titulares de pastas.
Haddad também mencionou que as pastas afetadas pelos cortes de R$ 25,9 bilhões autorizados por Lula serão comunicadas, mirando limites que devem constar para a elaboração do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025, que o Palácio do Planalto precisa encaminhar ao Congresso até agosto.
“É um número levantado, linha a linha do Orçamento, daquilo que não se coaduna com o espírito dos programas sociais criados”, disse.
Em manifestações públicas recentes, Lula até questionou a necessidade do ajuste fiscal e sugeriu que o equilíbrio poderia vir inteiramente de aumento de arrecadação, declarações que se somaram a um contexto de hostilidade com o atual comando do Banco Central e o próprio mercado financeiro, gerando maior percepção de risco entre agentes econômicos.
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