O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad chegam a um acordo para fazer corte no orçamento.| Foto: André Borges/EFE
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resistiu o que pode a interromper os seus ataques ao Banco Central (BC), na figura de seu presidente Roberto Campos Neto, e ao mercado financeiro, que cobrava medidas claras para conter os rombos fiscais. Mas a postura do petista impulsionou o dólar para o maior patamar em dois anos e meio (R$ 5,70) na tarde de terça-feira (2) e o chefe do Executivo acabou, enfim, sendo levado a ceder.

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Nesta quarta-feira (3), Lula moderou as suas falas e acenou para o inevitável controle de gastos diante da pressão de indicadores que já projetavam aumentos nos custos de itens da cesta básica, nos transportes e na inflação em geral.

Por semanas seguidas, Lula acelerou o discurso eleitoral, até duas vezes no mesmo dia, para atacar a independência do BC, endereçando a ela a culpa por todas as mazelas econômicas do seu governo. Ele também se pôs como um adversário do mercado e dos “mais ricos”, alimentando incertezas sobre se faria mesmo alguma contenção de despesas.

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A disparada do dólar foi o sintoma mais evidente desse comportamento do presidente, mas que foi desdenhada por ele como mera especulação. Sobre críticas que recebeu de analistas e da imprensa, as chamou de “cretinice”. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), por sua vez, minimizou tudo como “falha na comunicação”.

Mas o que levou Lula a dar uma trégua a Campos Neto, prometer controlar os gastos públicos e autorizar Haddad a cortar R$ 26 bilhões do orçamento federal?

Nos bastidores, circularam informações de que o presidente foi aconselhado por economistas de dentro e fora do governo a evitar que os estragos produzidos contra si e seu governo ganhassem ainda mais força, a ponto de se tornarem irreversíveis e contaminarem sua aprovação pessoal.

Além de evitar um aprofundamento do descrédito da equipe econômica, ele também acabou levando em conta os efeitos negativos sobre a campanha eleitoral deste ano, com potenciais reflexos sobre 2026.

Recuo de Lula produz rápido efeito positivo, mas não garante estabilidade

Como resultado da mudança de discurso, o dólar encerrou a sessão desta quarta-feira em queda de 1,71%, despencando de volta aos R$ 5,56.

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No mesmo dia que Lula cedeu aos apelos de aliados e do mercado, Roberto Campos Neto entrou de férias e passou interinamente o comando do BC ao diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, indicado do presidente da República.

Principal cotado para assumir, em dezembro, o posto de Campos Neto, Galípolo tenta garantir a credibilidade do mercado em meio à cautela dos investidores com as recentes e sistemáticas críticas de Lula à autoridade monetária.

Apesar da interrupção dos ataques verbais ao BC e aos “especuladores” ter produzido efeito positivo imediato sobre o câmbio, ainda persistem dúvidas entre políticos e analistas sobre o real compromisso de Lula com o equilíbrio fiscal, o que pode gerar novas turbulências, sobretudo se ele reagir mal às pesquisas de satisfação do governo.

Prova disso é que, nos bastidores, a reunião de Lula com Haddad na quarta-feira para tratar de controle de gastos e do dólar deixou o mercado apreensivo com a possibilidade de intervenção no câmbio por Galípolo.

O crescimento das incertezas quanto aos juros americanos e à política fiscal do governo fizeram com que o dólar ainda acumulasse na quarta-feira (3) uma alta de 14,75% no ano, colocando o real entre as moedas que mais se desvalorizaram.

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Diante desse cenário, não restou alternativa ao chefe do Executivo senão ceder. No fim da cerimônia de lançamento do Plano Safra Agricultura Familiar, Lula afirmou que “responsabilidade fiscal é compromisso” e que o seu governo “não joga dinheiro fora”.

Dessa vez, o presidente não mencionou o BC, a alta do dólar ou as altas taxas de juros. Contrariado, ele continua reticente a ceder a sugestões como desvincular os pisos de saúde e educação do salário-mínimo, o que contraria o discurso do PT. Mas é provável que a realidade imponha uma medida nessa direção, mesmo que seja contida ou camuflada. Uma pista disso é que Lula decidiu, apesar de toda contrariedade, manter a meta de déficit fiscal zero em 2024 e de inflação em 3% neste ano e nos próximos.

Inconformidade com política monetária também tem conotação eleitoral

A cruzada de Lula contra o BC e seus reflexos sobre o dólar vinha sendo sustentada pela sua insatisfação com a perda de controle sobre a política monetária, graças à convivência com um presidente do banco diverso ao seu desejo, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Mas o petista não estava calculando o impacto de suas falas na cotação do dólar, apenas buscando externar as suas convicções pessoais em tom de palanque.

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Ele ainda vê um movimento do mercado para forçá-lo a adotar uma agenda ambiciosa de cortes, o que não se alinha com seus planos e concepções. Além disso, ciente da insatisfação nacional com os juros altos, Lula busca agregar essa marca eleitoral e populista a sua figura, como inimigo do arrocho monetário.

Embora estivesse animado com a boa receptividade do público ao seu discurso contra as altas taxas de juros, a persistência da escalada do dólar passou a preocupar também o presidente. Ele então se consultou com economistas de fora do governo para avaliar cenários e tomar uma decisão. Lula não queria ceder às pressões do mercado, inclusive sobre o perfil de quem deveria indicar para a próxima vaga no BC.

A percepção de esgotamento da agenda de ajuste das contas públicas pelo lado das receitas, tanto no mercado financeiro quanto em Brasília, aumentou a pressão sobre o governo para que fossem tomadas medidas de corte de despesas em busca do cumprimento das metas fiscais. Por isso a equipe econômica recebeu com alívio os gestos de recuo do presidente.

Governo finalmente determina ajuste nos gastos, embora sem detalhes

Haddad afirmou na quarta-feira (3) que Lula determinou o cumprimento do arcabouço fiscal “a todo custo” e autorizou a equipe econômica a cortar R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias identificadas em algumas pastas, movimento chamado de “pente-fino” sobre distorções em benefícios sociais.

Haddad disse que “não há discussão” a respeito do cumprimento do novo marco fiscal e enfatizou que a norma aprovada pelo Congresso partiu de iniciativa do governo, com a participação dos titulares de pastas.

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Haddad também mencionou que as pastas afetadas pelos cortes de R$ 25,9 bilhões autorizados por Lula serão comunicadas, mirando limites que devem constar para a elaboração do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025, que o Palácio do Planalto precisa encaminhar ao Congresso até agosto.

“É um número levantado, linha a linha do Orçamento, daquilo que não se coaduna com o espírito dos programas sociais criados”, disse.

Em manifestações públicas recentes, Lula até questionou a necessidade do ajuste fiscal e sugeriu que o equilíbrio poderia vir inteiramente de aumento de arrecadação, declarações que se somaram a um contexto de hostilidade com o atual comando do Banco Central e o próprio mercado financeiro, gerando maior percepção de risco entre agentes econômicos.