A crise de queimadas no Brasil não deve impedir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de falar sobre questões ambientais em seu discurso na 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Lula estará em Nova York, nos Estados Unidos, nos próximos dias 22 a 25 de setembro e deve ser o primeiro a discursar durante a abertura do evento, na terça-feira (24).
O cenário do meio ambiente brasileiro levado por Lula para a ONU neste ano, no entanto, será diferente do que o mandatário tinha para apresentar em 2023. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que em 2023, 114.171 km² do território brasileiro haviam sido destruídos pelas queimadas de janeiro a agosto. Neste ano, 224.381 km² foram queimados no período. A área queimada em 2024 só não é maior do que a registrada em 2010, quando 234.859 km² do território brasileiro foram queimados nesses mesmos oito meses do ano.
Embora a mídia internacional esteja noticiando as queimadas que ocorrem no Brasil, a situação não vem sendo ligada à imagem de Lula ou ao seu governo. Ao contrário do que ocorria durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a atual gestão não vem sendo criticada nas matérias das impresa estrangeira pela quantidade de focos de queimadas.
Em coletiva de imprensa, o secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Carlos Márcio Bicalho Cozendey, indicou que Lula deve "devolver" as possíveis cobranças sobre as queimadas no Brasil para os países desenvolvidos. O embaixador disse que o governo brasileiro deve levar para o cenário internacional a narrativa de que é preciso agir rapidamente. “O que vemos no Brasil tem uma relação muito grande com os eventos climáticos extremos, seja uma seca excepcional que está, de certa maneira, relacionada às transformações que têm acontecido [em outros países]”, afirmou Cozendey.
Diferente do discurso que vem adotando no Brasil, que inclui as suspeitas de interesse político bem como a responsabilização de agricultores pelos incêndios, o presidente petista deve se defender e dizer que tem empenhado esforços no combate ao fogo.
Embora a situação das queimadas traga críticas a Lula, analistas apontam que a imagem do presidente ainda não foi abalada internacionalmente. Para o consultor de comércio internacional da BMJ Consultoria, Vito Villar, a imagem que Lula deve transmitir é de que existe responsabilidade global em relação às mudanças climáticas. Villar aponta que o evento na ONU permite traçar paralelos globais, e, nesse ponto, outros países como Portugal, EUA e Canadá, que também sofrem com queimadas, podem ser mencionados.
O discurso de preservação ambiental junto com o do combate à pobreza são as únicas saídas políticas viáveis para Lula tentar se destacar na Assembleia da ONU, segundo analistas. O presidente brasileiro se propôs no início do mandato a mediar a guerra na Ucrânia, mas fracassou ao apoiar abertamente a Rússia e fechar as portas para a Ucrânia - abandonando tradição de décadas do Brasil de não tomar partido em conflitos. Além disso, Lula passou a atacar a hegemonia do dólar no sistema financeiro internacional e comparou os israelenses aos nazistas - ações que, somadas, vêm distanciando o Brasil das democracias liberais do Ocidente.
Cenário de queimadas traz críticas, mas imagem internacional de Lula ainda não foi abalada na área ambiental
Desde que assumiu o seu terceiro mandato, Lula tem buscado protagonismo internacional e a questão ambiental é tida como um carro-chefe, já que a gestão de seu antecessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi muito criticada pela condução na área. A crise das queimadas deste ano já afetou muitos estados brasileiros, seja diretamente pelas queimadas ou pela fumaça que formou um corredor e encobriu o céu de mais de 10 estados.
Diante disso, o governo brasileiro pode ser cobrado pelos demais países. “Particularmente, a questão ambiental assume destacada relevância, pois mesmo os países com os quais o Brasil não tem um nível muito profundo de contato político e econômico são sensíveis às demandas de respeito aos regimes internacionais de preservação do meio ambiente”, pontuou o cientista político e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI) Elton Gomes à Gazeta do Povo.
Ao ser questionado se as queimadas devem trazer deméritos à imagem de Lula, o cientista político afirmou que isso pode ocorrer. “Eu diria que sim, [a situação das queimadas] traz um demérito, um desprestígio à imagem internacional do presidente e de seu grupo político, que historicamente sempre foi muito identificado com a retórica de defesa do meio ambiente”, disse Gomes.
No entanto, na mesma linha do que disse Cozendey à imprensa, Gomes aponta que Lula deve fazer um apelo no sentido de que “a comunidade internacional promova esforços para poder garantir a defesa dos ecossistemas contra as queimadas”.
Na avaliação do consultor de comércio internacional da BMJ Consultoria, Vito Villar, embora Lula não chegue em um cenário ideal devido às queimadas, “essas crises climáticas não foram, até o momento, vistas pela comunidade internacional como uma falha de gestão do Brasil”. Para Villar, apesar de calamitosas, essas queimadas ainda não impactaram negativamente a imagem internacional do governo brasileiro. “Muito graças ao sucesso discursivo de Lula em 2023, com anúncio de recordes na prevenção do desmatamento e metas ambiciosas para eliminar o desmatamento ilegal até 2030”, disse o consultor.
Lula deve usar o espaço para defender a sua administração, já que isso tem sido recorrente nos discursos de presidentes brasileiros nos discursos na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas e em outros eventos da ONU. “É bem provável que ele use essa linha para se defender e de certa forma dividir o ônus dessa responsabilidade com o sistema internacional”, avalia Gomes.
Janja recorre à sensibilização e cita "terrorismo climático"
O tom de sensibilização dos países que estão em Nova York para a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) já foi adotado nesta quinta-feira (19). O argumento foi utilizado pela primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, que embarcou para os Estados Unidos na quarta-feira, durante o discurso em evento do Pacto Global da ONU. Ela cobrou que empresas e fundos privados invistam na mitigação dos efeitos da crise climática, em especial por meio do Fundo Amazônia.
A primeira-dama afirmou que “as enchentes, as secas prolongadas e os incêndios estão cada vez mais frequentes e intensos em todas as regiões do mundo”. Segundo ela, “a resposta global às mudanças climáticas não tem sido rápida o suficiente para diminuir seu impacto”.
Sem citar as queimadas, Janja também recorreu ao discurso da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sobre o suposto "terrorismo climático" para reforçar a necessidade de apoio internacional. “Como se não bastasse o desafio premente de nos prepararmos e nos adaptarmos para esses eventos extremos enquanto eles se aceleram, ainda precisamos lidar com ações e interesses criminosos de terroristas climáticos, como bem disse a nossa querida ministra e minha amiga Marina Silva”, disse a primeira-dama.
Culpar o agro pelas queimadas pode ter reação negativa e afetar a economia
Em meio às queimadas, o governo Lula tem empenhado esforços em achar culpados e responsabilizar os criminosos. Dentre as ações, o governo federal tem buscado enfatizar as investigações da Polícia Federal e a aplicação de multas pelos órgãos ambientais. Em alguns discursos, Lula e demais integrantes do governo sugeriram que opositores e até agricultores fossem os responsáveis pelo fogo descontrolado que afeta, em especial o setor agropecuário.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR) criticou a postura do governo. “Enquanto tudo isso acontece [invasões de terra, conflitos no campo e queimadas], o governo federal insiste em achar culpados depois de assumir que o país não estava preparado. Os produtores rurais seguem apagando os incêndios que já causam prejuízos de mais de R$ 2 bilhões ao setor” afirmou Lupion em um vídeo enviado à imprensa.
Para o cientista político Fabio Ostermann, mestre em Administração Pública pela Harvard Kennedy School, se optar por acusar o agro pelas queimadas, Lula estará reforçando o discurso de grupos protecionistas na União Europeia e nos Estados Unidos.
“[União Europeia e Estados Unidos] vendem o discurso mentiroso de que os produtores brasileiros só conseguem ser competitivos na exportação de bens agropecuários porque estão degradando o ambiente, em especial a Amazônia. Essa mentira prejudica e é utilizada politicamente para se manter barreiras protecionistas e impedir a concretização de acordos comerciais, como o Acordo de Associação Mercosul-União Europeia, barrado em especial pelo lobby dos produtores rurais franceses, temerosos da competição com o agro brasileiro e argentino”, disse Ostermann. As negociações para um acordo comercial com a União Europeia se arrastam há décadas.
Apesar do clima de tensão com o agro, essas acusações não devem fazer parte do repertório de Lula na ONU. “Quanto à retórica de culpar o agronegócio, é preciso cautela. Embora existam áreas no setor agro que contribuem para o desmatamento e as queimadas, é também um setor vital para a economia do país. Generalizações ou acusações diretas podem alienar uma parte importante da base econômica e política do governo”, afirma o cientista político e CEO do Ranking dos Políticos, Juan Carlos Gonçalves.
Queda no desmatamento é menor, mas ainda pode contar pontos para Lula
As queimadas de janeiro a agosto de 2024 já consumiram 224.381 km² do território brasileiro. É o maior número em 14 anos e o segundo maior já registrado na série histórica iniciada em 2003. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que foram registrados mais de 127 mil focos de queimada neste período.
Como foi mencionado anteriormente, a área queimada em 2024 só não é maior do que a registrada em 2010, quando 234.859 km² do território brasileiro foram queimados nos oito primeiros meses do ano.
Apesar da crise de queimadas, Lula ainda pode retomar o discurso sobre a redução do desmatamento na Amazônia, enfatizado no discurso feito na ONU em 2023. No ano passado, Lula destacou a retomada “robusta e renovada” da agenda amazônica, “com ações de fiscalização e combate a crimes ambientais”. Naquele discurso, Lula apontou que o desmatamento na Amazônia brasileira já tinha sido reduzido.
A queda no desmatamento, no entanto, desacelerou. Em agosto de 2022, dados do sistema de monitoramento Deter-B, do Inpe, registraram alertas de desmatamento em 1.661,02 km² na Amazônia. Em agosto de 2023, os registros apontaram que 563,09 km² estavam sob alertas de desmatamento, uma queda de mais de mil km² na comparação com o mesmo mês do ano anterior.
Já em 2024, no mesmo período, foram 503,5 km², totalizando uma redução de quase 60 km² em relação ao ano anterior.
“Viagem de Marina em meio à crise é inadmissível”, aponta parlamentar de oposição
A ministra Marina Silva já foi autorizada a se ausentar do país entre os dias 21 e 27 de setembro para participar dos eventos oficiais nos Estados Unidos, bem como de reuniões e de encontros paralelos. A decisão de Lula gerou críticas de parlamentares da oposição.
Para o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), o momento exige que as autoridades estejam integralmente dedicadas a enfrentar essa emergência ambiental. “É inadmissível que, em meio a uma crise sem precedentes, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tenha sido autorizada a se ausentar do país para participar de eventos internacionais. O Brasil precisa de liderança presente e ativa para coordenar as ações de combate aos incêndios”, declarou o parlamentar.
Agenda de Lula em Nova York
Lula chegará aos Estados Unidos neste sábado (21) e tem previsão de retorno ao Brasil na quarta-feira (25). Além da Assembleia Geral da ONU, o presidente brasileiro participará de encontros com chefes de Estado e grupos de interesse do Brasil.
Na manhã de domingo (22), Lula participará da abertura da Cúpula do Futuro. Ele será o segundo a discursar no encontro de dois dias, que reunirá líderes mundiais para debater formas de enfrentar as crises de segurança emergentes, acelerar o cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), e abordar as ameaças e oportunidades das tecnologias digitais.
Na segunda-feira (23), à margem do debate-geral da ONU, o presidente do Brasil deve se dedicar a participar de encontros bilaterais com países membros das Nações Unidas.
Na terça-feira (24), além do discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, Lula deve presidir uma mesa redonda sobre democracia e extremismos. Ao lado do presidente do governo da Espanha, Pedro Sánchez, Lula e os demais participantes devem discutir questões como os impactos que a desinformação tem gerado nos processos democráticos.
O petista também fará o discurso de abertura da segunda reunião ministerial de chanceleres do G20, que ocorrerá na quarta-feira (25).
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