O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira (13) os quatro primeiros réus que teriam participado da invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro. A expectativa da Procuradoria-Geral da República (PGR) é de que os ministros fixem teses que facilitem o julgamento de outras 228 pessoas que foram presas no local, acusadas de crimes como golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa, dano e depredação do patrimônio público, cujas penas podem alcançar 30 anos de prisão.
A presidente da Corte, Rosa Weber, reservou quatro sessões para os julgamentos individuais do técnico de saneamento Aécio Lúcio Costa Pereira, que tem 51 anos e mora em Diadema (SP), preso dentro do Senado; de Thiago de Assis Mathar, 43 anos, de São José do Rio Preto (SP); do advogado Moacir José dos Santos, 52 anos, de Foz do Iguaçu (PR), preso no Palácio do Planalto; e de Matheus Lima de Carvalho Lázaro, 24 anos, de Apucarana (PR), preso na Praça do Buriti, parte mais afastada da Esplanada dos Ministérios, onde estão prédios públicos do Distrito Federal. Dos quatro, apenas Santos está solto.
Nas alegações finais, as defesas de todos apontaram problemas na denúncia, pelo fato de serem genéricas e pouco descritivas da conduta individual de cada um. Além disso, disseram que as imagens de câmeras de segurança e celulares não demonstram uma organização dos manifestantes capaz de destituir o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem mesmo detalhes que pudessem comprovar que danos cada um deles teria causado no interior dos edifícios – quase todos disseram que entraram nos locais para se proteger da violência.
A PGR, por sua vez, aposta na tese do crime multitudinário, e buscará convencer os ministros que todos faziam parte de um grupo coeso que buscava instalar no país um regime autoritário, a partir de uma intervenção das Forças Armadas que anulasse a eleição de Lula no ano passado. Para comprovar, anexou nas denúncias faixas instaladas no acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército, as quais traziam reivindicações de revisão do resultado eleitoral.
“O objetivo declarado dos criminosos (especial fim de agir) era a abolição do Estado Democrático de Direito e a deposição do governo legitimamente constituído. O propósito era anunciado nas emulações promovidas pela massa golpista, seja em momentos anteriores, notadamente quando amotinados no acampamento erguido em frente ao Quartel Geral do Exército, seja durante a execução dos crimes”, afirmou o órgão nas alegações finais.
Em entrevista à CNN, o subprocurador Carlos Frederico, designado para atuar no caso, afirmou que espera que os ministros fixem “teses jurídicas que facilitem o trabalho posterior do Supremo, tendo em vista a grande quantidade de réus que devem ser julgados”. “Não importa a prática em si do que cada um fez, mas sim da turba, do grupo, daqueles que invadiram o Congresso. O resultado final é que importa, imputar àquele grupo, àquela multidão, que praticou o crime”, disse. Acrescentou, porém, que no julgamento vai abordar a situação de cada réu e rebater as defesas de cada um no processo.
A Defensoria Pública da União, por sua vez, que faz a defesa de vários réus, inclusive de um que será julgado nesta quarta, contesta a tese de havia um objetivo comum – dar um golpe – na participação dos manifestantes. Para provar isso, juntou relatos de policiais que testemunharam no processo dando conta de que havia diferenças no comportamento das pessoas presentes. O tenente da Polícia Militar Ricardo Ziegler Paes Leme, por exemplo, disse que no ônibus em que foram levados os presos, alguns “categoricamente assumiam que ingressaram no prédio com o intuito de quebrar, e outras apenas para rezar, ou ainda para acompanhar uma manada, ou simplesmente para ver o que ocorreu, ou seja, que as motivações eram as mais diversas.”
O assistente do Gabinete de Segurança Institucional José Eduardo Natale de Paula Pereira, que também falou como testemunha, relatou no processo que não parecia haver uma organização ou liderança e que alguns manifestantes o ajudaram a apagar alguns focos de incêndio. Destacou que as pessoas presas “perfaziam um grupo bem heterogêneo em relação à idade, comportamento e forma de vestir”. “A maior parte dos manifestantes apenas entrou no prédio, mas não faziam nada a não ser tirar fotos ou orar, e uma pequena parte depredava, e outra pequeno grupo tentava impedir a depredação”, contou, segundo a DPU.
O que disseram cada um dos réus
No momento em que foi preso, dentro do Senado, Aécio Pereira afirmou aos policiais que havia chegado em Brasília pela manhã, vindo de São Paulo junto com amigos do grupo “Patriotas” – existem dezenas do tipo espalhados pelo país, que se caracterizam pela simpatia aos militares e apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
No interrogatório, ele afirmou que seu objetivo era “lutar pela liberdade”, mas que não sabia dizer se o procedimento para alcançar isso seria depondo Lula. Ele disse que não danificou nada no Congresso e que, ao tentar sair das galerias, havia várias pessoas quebrando vidros. Teria decidido, então, retornar e permanecer no local, sendo depois preso pela Polícia Legislativa.
Seus advogados disseram que, ante de se dirigir para o Congresso, Aécio Pereira foi revistado perto da Catedral de Brasília, quando teria sido comprovado que ele não portava qualquer objeto que oferecesse risco à integridade física de outras pessoas ou aos prédios públicos. “Sua entrada no plenário foi em busca de segurança”, disse a defesa, acrescentando que ele “se preocupou pedindo que as pessoas descessem dali”.
Thiago de Assis Mathar, por sua vez, disse em depoimento que saiu de Penápolis (SP) e passou no QG do Exército em São José do Rio Preto, onde outros manifestantes lhe disseram que o objetivo em Brasília seria “participar da manifestação de apoio a intervenção das Forças Armadas”. Depois, no processo, disse que seu intuito era pacífico e que entrou no Palácio do Planalto “para se abrigar, tendo em vista o conflito violento que ocorria na área externa”.
“No interior do Palácio do Planalto, onde ficou aproximadamente das 15h às 17h, circulou no andar superior ao que é acessado pela rampa, andou pelos corredores, usou o banheiro e desceu para a laje. Ajudou a enrolar cortinas que estavam arrancadas, jogadas no chão, e estendeu algumas cortinas para que as pessoas que estavam passando mal pudessem deitar”, diz o termo do depoimento, que registra suas respostas às perguntas do juiz auxiliar.
Ele ainda disse que “não havia nenhuma barreira impedindo o ingresso de pessoas no edifício” e que “não tinha intenção de dar golpe ou depor o governo eleito, mas apenas de manifestar seu descontentamento”.
Moacir José dos Santos disse em depoimento que “se considera uma vítima do Estado”. Relatou que viajou do Paraná a Brasília com mais 60 pessoas e que a marcha do QG do Exército para a Praça dos Três Poderes era pacífica. Relatou que entrou no Palácio do Planalto depois de perceber que as portas já estavam abertas e que muitas pessoas já estavam lá dentro. Negou ter praticado violência contra policiais e disse que não danificou nenhum bem. Ao ser questionado sobre os objetivos da manifestação, afirmou que buscava um “Brasil melhor”, que defendia “os ideais das escrituras sagradas e da moral”.
“Estamos diante de cidadãos que confiam na polícia, que as consideram autoridade protetora, e que com certeza sentiram segurança em adentrar a convite destes”, disseram seus advogados no processo. “Estar no local não comprova que o denunciado concorreu para cometer crimes. Não há imagens das câmeras de segurança mostrando o senhor Moacir José dos Santos depredando prédios públicos, agredindo autoridades ou bradando por destituição do governo”, afirmaram ainda. “A defesa ressalta que o único vídeo criado por ele não mostra ele destruindo o prédio, mostra o prédio já destruído”, acrescentaram os defensores de Santos.
“Os manifestantes não atuavam de forma conjunta, uma parcela manifestava por uma coisa, enquanto outra parcela requeria outra coisa. As testemunhas asseguram que ninguém sabia exatamente o que pedir, e que tudo era muito desorganizado, não havendo um objetivo comum, nem imitação ou sugestão”, diz outra parte das alegações finais da defesa.
Matheus Lima de Carvalho Lázaro foi preso na Praça do Buriti, longe da Praça dos Três Poderes. Em sua defesa, a Defensoria Pública da União afirmou que as mensagens e vídeos encontrados em seu celular demonstrariam que ele não tinha “intenção de divulgar ou fomentar qualquer ação contra o Estado”.
“O texto era apenas uma manifestação de cunho privado em seu círculo mais íntimo da vida privada. E os comentários apenas refletiam a percepção do acusado perante a situação, e não a atitude que ele tenha tomado”, argumentou a Defensoria.
“Destaca-se que o acusado a todo tempo fala ‘Eles estão quebrando...’, ‘Eles estão quebrando para invadir ...’, ‘É que eles não quebraram ainda o que eles querem...’. Ele está narrando uma ação de terceiros, mas não a própria conduta”, acrescentou.
Como serão os julgamentos
Os julgamentos serão realizados ao longo de quatro sessões, na manhã e tarde de quarta (13) e quinta-feira (14). Cada ação penal será julgada individualmente. Em cada uma, o ministro Alexandre de Moraes lerá o relatório, com o resumo do processo, e depois o revisor, Kassio Nunes Marques, poderá fazer complementos. Depois falará Carlos Frederico, em nome da acusação, pela PGR, e em seguida os advogados dos réus, que terão uma hora cada um.
Depois, Moraes votará pela culpa ou inocência dos réus. O segundo a votar será Nunes Marques. Em seguida, votarão Cristiano Zanin, André Mendonça, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
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