O príncipe que assumiu em 2017 o comando da segunda maior potência petrolífera mundial aos 32 anos quer criar 1,3 milhão de empregos, construir uma cidade futurista de US$ 500 bilhões e quase duplicar o Produto Interno Bruto de seu país ao longo da próxima década. A ideia passa por diversificar a economia do país, abrindo mão de parte do controle sobre o seu principal patrimônio: o petróleo.
O “paradoxo” do príncipe Mohammed bin Salman é chave para entender o futuro da Arábia Saudita, potência financeira do Oriente Médio. MBS, ou “Mr. Everything” (Senhor Tudo), como é tratado no Ocidente, tem planos de futuro que vão de investimentos em empresas de tecnologia do Vale do Silício, como o Uber, ao agronegócio do Brasil. E é aí que a história dele cruza com o presidente Jair Bolsonaro.
Nesta semana, Salman tem dedicado atenção especial ao brasileiro, com quem teve dois encontros em dois dias. “Quem não gostaria de passar uma tarde com o príncipe? Principalmente vocês, mulheres”, disse Bolsonaro antes da reunião desta terça-feira (29).
Além disso, MBS projetou Bolsonaro como estrela internacional do evento conhecido como “Davos do Deserto”, o Iniciativa para Investimentos Futuro (Future Investment Initiative, em inglês).
O fórum econômico reúne 10 mil inscritos de 30 países na capital saudita, Riad. No ano passado, mobilizou US$ 80 bilhões em negócios, segundo estimativas da organização. Nesta quarta (30) pela manhã, Bolsonaro ocupará o palco principal do painel que discutirá o futuro da economia brasileira.
Tanta atenção já rende frutos. Comunicado conjunto dos dois países nesta terça informou sobre a intenção da Arábia Saudita de investir até US$ 10 bilhões do seu Fundo Soberano no Brasil. O prazo e as áreas de investimentos ainda serão definidos, de acordo com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
“Fala-se muito da parceria entre os dois países em alimentos, carne, frango, minério de ferro… Mas será que não podemos entrar numa cadeia produtiva mais elaborada?”, questiona o brasileiro Adalberto Netto. Ele trabalha para o Ministério da Indústria da Arábia Saudita como chefe de estratégia de atração de investimentos do programa de desenvolvimento industrial. Pela avaliação de Adalberto passam decisões para o desenvolvimento do país em 10 áreas industriais – como automotiva, farmacêutica e aeroespacial.
“A Arábia tem 80% da economia voltada para petróleo e petroquímica. A idade média da população está abaixo dos 30 anos. Criar empregos industriais ou de atividades de suporte à indústria é fundamental para dar emprego aos jovens, cada vez mais qualificados”, complementa.
A diretriz citada pelo brasileiro segue a cartilha de MBS, que assumiu como meta a criação de 1,3 milhão de novos empregos de um incremento de US$ 500 bilhões do PIB saudita até 2030. “Há uma urgência de mudança no país. E há uma conexão da população jovem com a imagem do príncipe”, cita Adalberto.
Em um paralelo com a troca de governo no Brasil, o presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, Rubens Hannun, diz que a “liberalidade” de Salman – em especial, no comércio – gera um sinal de oportunidade aos empresários brasileiros. “Os brasileiros passam a olhar para Arábia Saudita de forma menos complexa”, diz Hannun. Ele ressalta que não apenas Salman é jovem, mas quase todos os seus ministros mais próximos.
Assassinato brutal arranha imagem liberal do príncipe saudita
Até que ponto MBS está realmente disposto a mudar comportamentos que vão além dos negócios e reduzir diferenças sociais, como entre homens e mulheres? Sob sua gestão, as mulheres ganharam pela primeira vez o direito de trabalhar. Também foram alvo de políticas para ingressar no mercado de trabalho. Outra “liberalidade” foi permitir a reinauguração de cinemas após 35 anos de proibição.
Salman vende uma imagem reformista, baseada no projeto Visão 2030, que inclui uma nova visão sobre os recursos do petróleo e a futurista Neon, uma cidade com 33 vezes o tamanho de Nova York.
Internacionalmente, porém, há outro paradoxo: o do reformista liberal que convive com casos de perseguição e crimes. O ponto alto dessa segunda versão de MBS foi o assassinato do jornalista saudita Jamal Kashoggi, torturado e morto em outubro de 2018 na embaixada saudita na Turquia por membros do governo da Arábia. Kashoggi era opositor às políticas da família de Salman.
O pai de MBS é o rei Salman bin Abdulaziz al Saud, que assumiu o trono em 2015 e repassou os poderes ao filho dois anos depois. O apelido de “Senhor Tudo” vem do comportamento voltado ao acúmulo de poder. Segundo na linha sucessória, mesmo antes de assumir o poder, mantinha o controle dos recursos para defesa, controlava setores da economia e, em especial, o Fundo Soberano saudita de US$ 300 bilhões.
Segundo perfil publicado pela Bloomberg Businessweek em 2017, desde os tempos anteriores ao comando do país, MBS trabalhava 16 horas por dia e tirava inspiração em obras de Winston Churchill e na Arte da Guerra, de Sun Tzu. “Existe um lado muito positivo [na centralização do poder em Salman]: o processo de tomada de decisão é muito mais rápido”, diz Adalberto Netto.
* O jornalista viajou a convite do governo da Arábia Saudita
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