Presidente diz que europeus não podem colocar uma “espada na cabeça” para impor condições ao acordo com o Mercosul.| Foto: Ricardo Stuckert/Secom
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Ocupando atualmente a presidência rotativa do Mercosul, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem autonomia ao decidir as pautas a serem discutidas pelo grupo de países. As prioridades de caráter ideológico do petista, no entanto, podem deixar a organização ainda mais fragilizada do que ela se encontra neste momento. Atualmente formada por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, o desejo de Lula em reintegrar a Venezuela, que está suspensa do bloco desde 2017 por ser uma ditadura, tem gerado um clima de tensão entre os países-membros.

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A maior contribuição do petista ao Mercosul poderia ser destravar o acordo de livre comércio com a União Europeia. Há mais de 20 anos em negociação, a ratificação do acordo pode abrir para o brasil um mercado de 450 milhões de pessoas e chegar a movimentar mais de R$ 500 bilhões em comércio.

As negociações, no entanto, estão travadas devido a novas exigências feitas pelo bloco europeu. Mas em vez de tentar superar as barreiras que impedem a conclusão do acordo, Lula tenta forçar a reintegração da Venezuela ao Mercosul. A volta da ditadura de Nicolás Maduro ao bloco pode dificultar ainda mais a conclusão do acordo com os europeus.

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Venezuela é "calcanhar de Aquiles" de Lula e do Mercosul

Formado inicialmente por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, o Mercosul foi criado com o intuito de fomentar a troca econômica entre os países-membros. Em 2013, os presidentes do Brasil (Dilma Rousseff), da Argentina (Cristina Kirchner) e do Uruguai (José Mujica), todos membros da organização esquerdista Foro de São Paulo, deram um "golpe" para incluir a Venezuela no bloco.

Eles suspenderam o Paraguai (que havia acabado de fazer o impeachment do esquerdista Fernando Lugo) e assim conseguiram unanimidade para incluir Maduro no grupo de países.

Em 2017, a Venezuela acabou sendo suspensa do Mercosul com base em um tratado chamado de Protocolo de Ushuaia. Em linha gerais, ele estabelece o comprometimento dos países-membros do Mercosul, do Chile e da Bolívia com a democracia. A Venezuela foi suspensa por ser uma ditadura.

Em 2019, o Brasil presidido pelo líder de direita Jair Bolsonaro (PL) rompeu relações com a Venezuela. Mas com a atual ascensão de Lula ao poder renasce o debate sobre a reintegração de Caracas ao Mercosul.

A ditadura de Maduro na Venezuela já dura 10 anos. O regime é responsável por prender e torturar opositores, manipular as eleições e privar a população de itens básicos de sobrevivência.

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O desmando mais recente do governo da Venezuela foi tornar inelegível a principal oponente de Maduro, a ex-deputada Corina Machado. Ela pretendia concorrer às eleições venezuelanas de 2024.

Interesse de Lula em reintegrar Venezuela ao bloco enfraquece união entre países-membros

O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional (de direita), tem sido um dos mais críticos aos esforços de Lula em reintegrar a Venezuela ao cenário geopolítico. Em sua manifestação mais recente, o uruguaio cobrou uma postura mais "enérgica" do Mercosul contra Maduro.

"Está claro que a Venezuela não vai se tornar uma democracia saudável. Creio que o Mercosul tenha que dar um sinal claro para que o povo venezuelano possa encaminhar-se a uma democracia plena, que, claramente, hoje não existe", disse o uruguaio.

As afirmações de Lacalle Pou aconteceram durante a Cúpula do Mercosul, encontro entre os países-membros do bloco que aconteceu neste mês em Porto Iguazu, na Argentina. Na ocasião, Lula recebeu a presidência rotativa da organização e, no primeiro dia à frente do bloco, se deparou com seu primeiro dilema.

Como de praxe nesses encontros, os presidentes assinam uma declaração conjunta com o intuito de reafirmar a integração e colaboração entre si. Pou, no entanto, se recusou a assinar a declaração.

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O presidente do Uruguai ainda encerrou a cúpula deixando um ar de incerteza para os demais membros do bloco. Enquanto o Mercosul tenta fechar um acordo com União Europeia, Lacalle Pou revelou que há interesse do seu governo em fechar uma parceria comercial bilateral com a China. Porém, caso isso aconteça, o acordo Mercosul-União Europeia pode ser engavetado de vez.

Além do presidente do Uruguai, o mandatário paraguaio também fez críticas ao regime autoritário da Venezuela. Ainda na Cúpula do Mercosul, Mario Abdo Benítez disse que estava acompanhando "com muita preocupação os últimos eventos na Venezuela" – o paraguaio fazia referência à inelegibilidade de Corina Machado no país.

"O único limite razoável [para a integração dos países] deve ser o respeito à democracia e aos direitos humanos [...] Este problema não é pela visão ou obsessão do presidente do Paraguai, é um feito que choca de frente e escandalosamente com os direitos humanos", disse Benítez.

Nesta semana, Lula recebe Benítez, que está deixando o cargo, para um encontro bilateral em Brasília. O acordo comercial do Mercosul com a União Europeia deve estar na pauta. Os presidentes devem discutir uma contraproposta a uma nova rodada de exigências feita pelos europeus neste ano.

Pauta ideológica favorece o enfraquecimento do bloco

Especialistas defendem que as tratativas do bloco devem superar as diferenças de cada país, mas o tom adotado pelo presidente brasileiro ameaça mudar essa postura.

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O presidente Lacalle Pou, um dos poucos presidentes de direita da América do Sul, é um dos líderes que defende que a agenda ideológica atrapalha o verdadeiro intuito do Mercosul.

Além das críticas feitas à Venezuela, o uruguaio já se opôs à criação de "instituições" ideológicas, fazendo uma referência à Unasul, um bloco com todos os países da América do Sul que nunca emplacou devido ao viés de esquerda com que foi criado. Ele é outro dos mecanismos internacionais que Lula tenta ressuscitar.

O tom ideológico que o presidente brasileiro vem empregando nas relações internacionais pode ainda dificultar as negociações com a União Europeia.

Os europeus dificilmente farão vistas grossas à participação de uma ditadura como a Venezuela no bloco formado por países com querem abolir barreiras comerciais e aumentar a integração.

Além disso, o viés ideológico de Lula pode criar atritos com o Conselho da União Europeia. O órgão coordena a política externa dos europeus em conjunto com a Comissão Europeia. O conselho é atualmente presidido pela Espanha, país cujo premiê socialista Pedro Sanchéz tem certo alinhamento com Lula.

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Mas a Espanha passa por um conturbado processo eleitoral que pode colocar em breve um primeiro-ministro de direita no cargo. Ele pode não compartilhar com a mesma visão de mundo enviesada do petista, o que tende a dificultar as negociações.