A soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que deixou a prisão em Curitiba, nesta sexta-feira (8), como consequência da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que barrou a prisão em 2ª instância, pode dificultar o andamento do pacote de reformas econômicas do governo Jair Bolsonaro no Congresso. Para parlamentares de diferentes partidos, a prioridade agora é mudar a lei a fim de obrigar que réus como Lula comecem a cumprir a pena após a condenação no segundo grau da Justiça.
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Felipe Francischini (PSL-PR), disse que o colegiado terá a segunda instância como “prioridade máxima” nos próximos dias. Ele afirmou que uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que autoriza a prisão em segunda instância, elaborada por Alex Manente (Cidadania-SP) e relatada por Caroline de Toni (PSL-SC), será o único item da pauta na segunda (11) e na terça-feira (12). A comandante da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), deu declaração semelhante.
Outros parlamentares anunciaram que vão buscar a inserção na legislação da prisão dos condenados em segunda instância não via mudança na Constituição – o que é mais difícil – e sim pela aprovação de projetos de lei que mudam o Código de Processo Penal, conforme sugestão feita pelo próprio presidente do STF, Dias Toffoli, no julgamento da última quinta-feira (7). O deputado Gilson Marques (Novo-SC) e o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) já protocolaram propostas neste sentido. E o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) disse que apresentará proposição com o mesmo intuito.
Partidos ameaçam obstrução para forçar análise da 2ª instância
O deputado do DEM é um dos líderes de outra ação que também deve colaborar para que a segunda instância domine, efetivamente, os debates no Legislativo nas próximas semanas: a decisão de obstruir pautas da Câmara até que projetos que possam levar Lula e outros condenados em segundo grau da Justiça de volta para cadeia entrem formalmente na lista de votações.
A obstrução é uma manobra prevista nos regimentos de Câmara e Senado e se dá quando uma bancada se recusa a ter seus membros registrados para efeito de quórum – isto é, os parlamentares estão presentes, mas seus nomes não podem ser contabilizados, o que dificulta a realização de votações. Integrantes de DEM, Cidadania, Novo, Podemos e PSL manifestaram o plano de executar a obstrução.
“Não há clima para votar mais nada enquanto não se delibere, pelo voto em plenário, a questão da prisão em segunda instância. O Congresso não pode se acovardar nas suas prerrogativas constitucionais”, escreveu nas redes sociais o líder do Cidadania na Câmara, deputado Daniel Coelho (PE)
O interesse do Congresso em priorizar o assunto ganha mais relevo porque há poucos dias o Legislativo recebeu um conjunto de PECs apresentadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) que visam reformar sensivelmente diversos mecanismos do Estado, como a desvinculação de recursos e a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e pouca capacidade de arrecadação.
Prioridades em mudança
Líder do Novo, um dos partidos mais alinhados com as diretrizes para a economia do governo Bolsonaro, o deputado Marcel van Hattem (RS) é da opinião de que o quadro que levou à soltura de Lula justifica a alteração de prioridades por parte dos congressistas.
“Outros temas vão continuar em pauta, mas a prioridade agora é garantir a prisão dos condenados em segunda instância. Nada é mais urgente do que colocar bandidos na cadeia”, disse à Gazeta do Povo.
Já o deputado Fausto Pinato (PP-SP), também apoiador da gestão Bolsonaro, avalia que a colocação excessiva do foco no debate sobre a prisão em 2ª instância não é positiva. “A concentração de atenção é até normal, mas veio em um momento ruim. Estamos num momento de pautas importantes. Não podemos perder o foco”, declarou. Pinato é presidente da Comissão de Agricultura da Câmara e disse temer que pautas importantes do colegiado fiquem sem discussão nos próximos dias. Segundo ele, “oportunistas de um lado e de outro” vão tentar enfraquecer a discussão de outros temas, e “os mais experientes precisam evitar isso”.
Uma avaliação diferente vem de um dos vice-líderes do governo na Câmara, José Medeiros (Podemos-MT). O deputado acredita que a capacidade de mobilização de Lula não é das maiores e isso tende a impactar pouco o Parlamento. “Creio que não é algo que vai afetar tanto a nossa vida. O Lula está saindo e vai cuidar da defesa dele, não pode ser candidato. É um preso que tem mais problemas para resolver do que para causar”, disse.
Pacificação inusitada
A liberação de Lula e a discussão sobre a prisão em 2ª instância levou até a uma breve calmaria no PSL, o partido do presidente Bolsonaro, que vive em pé de guerra desde que o chefe do Executivo decidiu romper com o comandante da legenda, o deputado Luciano Bivar (PE).
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-líder do governo no Congresso e que atualmente está em rota de colisão com o bolsonarismo, postou em suas redes sociais que vai também se juntar ao movimento de obstrução proposto por outros parlamentares. Na causa, terá a parceria de deputados com quem tem trocado farpas em tempos recentes.
A pacificação em torno da segunda instância é o exemplo de um dos efeitos citados por cientistas políticos que a libertação de Lula poderia causar – a união da direita no combate ao PT. “Isso tudo acaba tendo um lado bom, porque fica bem explícito quem são as duas forças. Ficaremos de um lado com os bolsonaristas e de outro, os petistas”, avaliou Pinato.