Presidente Jair Bolsonaro ainda avalia se emite ou não posicionamento sobre a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ)| Foto: Evaristo Sá/AFP
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O presidente Jair Bolsonaro foi provocado por alguns apoiadores a se manifestar sobre a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), mas preferiu permanecer em silêncio. Interlocutores do Palácio do Planalto ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que a discrição é estratégica, alinhada com alguns de seus principais conselheiros, dos quais se incluem alguns ministros palacianos. O principal objetivo, naturalmente, é evitar um novo tensionamento com o Supremo Tribunal Federal (STF) e, de bandeja, com o Congresso Nacional.

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Uma manifestação do presidente ainda é, contudo, uma possibilidade. Interlocutores discordam das palavras empregadas por Silveira e do tom agressivo publicado em ambos os vídeos pelo parlamentar, antes e após a prisão. Mas é unânime a discordância em relação à prisão no Planalto. Afinal, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, decorre no âmbito do inquérito que apura “fake news”, do qual ele é relator.

O  inquérito é classificado como “imoral” e “ilegal” por diferentes interlocutores ouvidos. “Um inquérito que não houve denúncia da PGR [Procuradoria-Geral da República] e foi feito por canetadada do [ministro] Dias Toffoli é completamente inconstitucional”, dispara um assessor. O alegado flagrante citado por Moraes para embasar o pedido de prisão também é questionado pelo governo. Por isso, alguns auxiliares de Bolsonaro entendem que, cedo ou tarde, ele deve emitir um posicionamento.

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Pressão da base conservadora pode levar Bolsonaro a se manifestar

O deputado Daniel Silveira é da base mais fiel e menos fisiológica do governo na Câmara, tendo sido eleito pelo mesmo eleitorado conservador que apoiou Bolsonaro nas eleições de 2018. “E a pressão das bases está enorme”, sustenta um interlocutor do Planalto. Em 2020, muitos “bolsonaristas” foram presos sob ordens do STF. A exemplo do jornalista Oswaldo Eustáquio e da ativista Sara Giromini, a Sara Winter.

Para evitar o desconforto com os demais poderes, Bolsonaro se calou, mas a cobrança da base para que ele se posicione contra prisões de apoiadores do governo nunca cessou. “Existe um mal estar em relação a esses assuntos. O desconforto na base conservadora do presidente é muito grande. Os ministros [palacianos] são cobrados, ele é cobrado”, afirma um assessor palaciano.

Quando Bolsonaro vetou a compra de 46 milhões de vacinas da Coronavac, em outubro do ano passado, a Gazeta do Povo mostrou que ele se sentiu muito pressionado pelas “vozes” nas redes sociais. Milhares de bolsonaristas o cobraram não apenas em seus perfis nas mídias, mas, também, inundaram de críticas os mais diferentes endereços de e-mail da Presidência da República.

Agora, com a prisão de Silveira, a pressão sobre Bolsonaro não é diferente. “O presidente se posicionar vai ter um custo. Mas ele não se manifestar também vai ter um custo. Tudo isso tem que ser avaliado, mas ele vai fazer esse cálculo político”, afirma uma das fontes palacianas. Entretanto, qualquer manifestação do presidente ocorrerá, a princípio, após a Câmara deliberar sobre a soltura ou manutenção da prisão do deputado.

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Posicionamento sobre prisão de Daniel Silveira pode ficar para depois da decisão da Câmara

Desde que Bolsonaro soube da prisão de Silveira, o aconselhamento no Planalto é de que ele não deveria se posicionar antes da decisão da Câmara. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que foi apoiado pelo governo, transferiu a decisão para o colégio de líderes. A decisão foi classificada como inteligente no governo e ajudou a embasar a tomada de decisão do presidente, de modo a evitar uma opinião não antes de o Legislativo se posicionar.

“É importante deixar primeiro a Câmara se posicionar primeiro para, depois, o presidente avaliar se manifesta ou não e o que falar”, explica um interlocutor do Planalto. Havendo o posicionamento, a defesa de alguns no Planalto é de que seja uma manifestação política não muito diferente da feita pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, em maio de 2020.

Em 22 de maio, o ministro Celso de Mello, do STF, pediu que a PGR avaliasse a solicitação para apreensão e perícia nos celulares de Bolsonaro e do vereador fluminense Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). O ministro-chefe do GSI, Augusto Heleno, classificou o pedido como “inconcebível” e “inacreditável”. Destacou, ainda, que apontava "interferência inadmissível de outro poder” e que a “evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes” poderia “ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.

O posicionamento de Heleno à época foi firme, mas criticado por membros dos demais poderes. A Presidência da República interpretou, contudo, que a nota foi um alerta cirúrgico para um risco institucional mais à frente. Algo com um tom semelhante é encorajado por alguns interlocutores, embora outros façam ressalvas. “Naquela época, o assunto dizia respeito ao presidente da República. Agora, não, é uma questão da Câmara”, adverte um assessor palaciano.

Dos civis aos militares: desconforto com o STF alimenta posicionamento

Uma possível posição de Bolsonaro será meticulosamente estudada, sobretudo se a Câmara decidir pela soltura de Daniel Silveira. As “vozes” das redes sociais e o conselho de alguns auxiliares podem pender mais favoravelmente para que essa manifestação se materialize, de uma forma ou outra. O sentimento de muitos no Planalto, dos mais diferentes postos, é de contrariedade com o ministro Alexandre de Moraes, que expediu a prisão. “O pessoal não engole o Alexandre de Moraes. Muitos acham que alguma reação tem que ter”, afirma um técnico palaciano.

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A animosidade com Moraes no Planalto vai de assessores civis aos militares. Entre os militares, a leitura política sobre toda a repercussão da prisão de Silveira é mais aprofundada. Afinal, foi por conta de um tuite do general Eduardo Villas Bôas, em 2018, que o ministro Edson Fachin, do STF, na última segunda-feira (15), repudiou e foi criticado por Daniel Silveira — o que embasou a prisão do parlamentar.

Para militares, que também discordam da prisão, considerando-a “arbitrária” e “inconstitucional”, a decisão de Moraes — respaldada nesta quarta pelo plenário da Corte — só amplia o desconforto existente entre o STF e militares — em posições no governo ou não. Um assessor militar do Planalto cita um trecho em que Villas Bôas disse que o Exército julgava “compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia” e vai além.

“Esse desconforto que tinha em 2018 não diminuiu, pelo contrário, permanece e só aumentou. E o Exército é sensível a isso, porque é isso que escuta nas bases. O Exército está espalhado no país, recebe pessoas da sociedade”, critica o assessor. Outro interlocutor militar reconhece que, ao Villas Bôas admitir em livro ter consultado o Alto Comando do Exército naquele ano, o ex-comandante possa ter deixado de emitir posição como indivíduo e passado a falar pelo próprio Exército. Mas sustenta que o comentário difere de quaisquer manobras de pressão. “Foi apenas um alerta para o risco de conflitos na sociedade”, justifica.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

General citado em inquérito das "fake news" acha que STF extrapola

O general reformado Paulo Chagas, candidato ao governo do Distrito Federal em 2018, concorda que o tuíte de Villas Bôas à época em nada pode ser interpretado como uma tentativa de pressão ao Supremo. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele considera que o comentário do ex-comandante do Exército foi uma forma inteligente de acalmar a sociedade. “O que ele quis dizer foi: se a situação da ordem se transformasse em grande tumulto, quem teria que colocar a ‘casa em ordem’ seria, em última análise, as Forças Armadas”, pondera.

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Chagas deixa claro que não fala pelo Exército nem pelos militares, mas expressou opiniões sobre o STF, Fachin e a prisão de Daniel Silveira. E concorda com o sentimento dos assessores militares do Planalto de que a Suprema Corte esteja extrapolando seus limites. “Isso não tenho nenhuma dúvida. Extrapola com relação ao Executivo e ao Legislativo com objetivos políticos e ideológicos”, avalia.

Para ele, o STF se aproveita do que considera ser uma “politização do Judiciário e judicialização da política” para cometer excessos. “Os políticos, principalmente da oposição, se aproveitam dessa disposição da Suprema Corte de interferir nesses processos. Entram com moções, pedidos, denúncias, e os ministros passam a mandar investigar e tomar atitudes em relação a isso. Estão sendo utilizados como instrumento de oposição ao governo”, analisa.

Citado no inquérito das “fake news”, Paulo Chagas evita tecer comentários sobre a constitucionalidade do inquérito. Ele cita o jurista Ives Gandra Martins, contrário ao inquérito, mas opina sobre a prisão de Daniel Silveira. Para ele, é equivocado embasar como flagrante as palavras ditas pelo deputado. “Não endosso o que disse o deputado, porque acho que o respeito se deve à instituição, que é muito maior e mais importante do que os ministros que lá estão. Mas dizer que o vídeo caracteriza o flagrante é alguma coisa nova, eu discordo”, comenta.

Sobre a reação de Fachin ao tuite de Villas Bôas, Paulo Chagas considera que ele admite ter sido intimidado. “Ele não pensou duas vezes. Se tivesse pensado duas vezes ou uma e meia, ele não teria falado nada. Se ele for ver que a Suprema Corte não pode ser intimidada, ele passa o recibo que foi intimidado. Isso foi totalmente ao arrepio da lógica, que seria ficar calado. Afinal de contas, já aconteceu faz três anos, é um relato histórico, não tinha nada para falar”, opina.

O que é o inquérito das "fake news"

O inquérito das fake news foi aberto em 2019, sem alvo determinado, e por iniciativa do próprio STF. Usualmente, o Supremo age quando é provocado, seja a pedido do Ministério Público ou de autoridade policial. A investigação também é amparada pela Lei de Segurança Nacional (LSN) - dispositivo herdado do regime militar que foi constantemente criticado por vários juristas por poder abrir precedentes perigosos de perseguição política.
Em relação à punição de parlamentares, o artigo 53 da Constituição determina que deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

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O texto constitucional também estabelece que eles não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. "Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão", diz a Constituição.

São inafiançáveis os crimes considerados hediondos, os de racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, a participação de ações em grupos armados – civis ou militares – contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (conforme previsão da LSN). Moraes cita em sua decisão cinco artigos da LSN para justificar a prisão, assim como os artigos 5º, 34 e 60 da Constituição, que falam sobre propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e o ao Estado Democrático e a separação de Poderes.

Silveira declarou após a prisão que a decisão que fundamenta sua prisão é "louca" e que não existe "flagrante de crime" ou "crime algum". A defesa do parlamentar diz que a prisão é um “violento ataque” à liberdade de expressão, com teor político.