A Câmara dos Deputados promete votar em agosto a proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece a prisão de condenados após julgamento em segunda instância judicial. A discussão representa a retomada de um assunto que figurou entre os mais debatidos pelo Congresso no fim de 2019 e no começo de 2020, mas que acabou excluído das prioridades com a deflagração da pandemia de coronavírus. Apesar do otimismo em relação à aprovação, defensores da emenda reconhecem haver articulações para enfraquecer a proposta.
O presidente da comissão que avalia a PEC, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), disse à Gazeta do Povo que quer concluir os trabalhos do colegiado no início do próximo mês. "Chamarei reunião da comissão para fazermos os debates e a votação", afirmou Ramos. Autor da proposta, o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) reforça o otimismo: "sim, o projeto vai ser votado. A comissão vai retomar os seus trabalhos e vamos levar a PEC ao plenário".
A confiança dos deputados é estimulada por declarações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em entrevistas recentes, Maia disse que quer conduzir as discussões sobre o tema em agosto. O presidente disse que a proposta representa uma "demanda da sociedade" e que espera que o assunto seja solucionado pelo próprio Congresso – ou seja, que não acabe definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como ocorreu em outras ocasiões.
A prisão dos condenados em segunda instância havia entrado na agenda política principalmente por causa do posicionamento que o STF emitiu em novembro do ano passado, quando entendeu que o encarceramento após condenação em segunda instância é inconstitucional. A decisão do STF permitiu a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que deixou a cadeia em Curitiba um dia após o Supremo concluir o julgamento.
A partir dali, uma série de projetos sobre o assunto foi apresentado no Parlamento. Antes da pandemia, a expectativa era de que o Congresso concluiria a análise sobre o tema ainda no primeiro semestre.
O que diz o texto em debate
A PEC apresentada pelo deputado Alex Manente possibilita a prisão dos condenados após o julgamento em segunda instância por alterar, na Constituição, o momento do chamado "trânsito em julgado".
Atualmente, considera-se que uma ação transitou em julgado (ou seja, não tem mais possibilidade de recurso) após ser avaliada pelo STF ou pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – no caso do Supremo, se o recurso argumenta que o julgamento desrespeitou a Constituição; no caso do STJ, se houve infração a alguma lei.
Com a proposta em tramitação na Câmara, o trânsito em julgado ocorreria após a decisão dos juízes de segunda instância – uma abaixo do STJ. Os recursos às instâncias superiores (STJ e STF) seriam considerados um novo processo. Isso faria com que uma pessoa que receba uma condenação emitida pela segunda instância deixe de ser inocente; e possa, portanto, ser presa.
O texto de Manente ganhou força no Congresso e superou outras propostas, como uma elaborada pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS), que não modifica a Constituição, e sim o Código de Processo Penal. "A emenda à Constituição é a medida mais segura. Um projeto de lei pode ser positivo, mas tenderia a ser contestado. Com a emenda, garantimos a ideia no texto da Constituição", declarou Manente.
Apesar de ter ficado conhecida como a proposta da "prisão em segunda instância", a PEC não em efeitos apenas no campo penal. Como determina restrições a recursos a STF e STJ, também fará com que decisões sejam cumpridas com mais velocidades em outras esferas, como trabalhista e penal. "Não estamos falando apenas de prisão em segunda instância, mas de condenação em segunda instância. Porque os efeitos da PEC não estão restritos ao âmbito penal. A proposta é importante para evitar também a protelação e os intermináveis recursos em outras áreas", diz o deputado Aliel Machado (PSB-PR), vice-presidente da comissão da Câmara que debate a PEC.
PEC da segunda instância enfrenta articulação para enfraquecê-la
Segundo defensores da PEC, existem em curso movimentações para diminuir a efetividade da proposta. A acusação foi feita pelo relator da PEC, o deputado Fábio Trad (PSD-MS).
Em entrevistas à Folha de S. Paulo e à TV Globo, o parlamentar disse que deputados buscam modificar a proposta para fazer com que seus efeitos valham apenas para delitos cometidos após a promulgação da PEC. Ou seja, mesmo com a modificação na Constituição, condenados apenas na segunda instância poderiam continuar em liberdade. Trad disse que a PEC está sob ameaças e que a iniciativa precisa de "apoio da sociedade" para prosperar no Legislativo.
Embora considere "natural" a busca pela atenuação dos efeitos da proposta, Manente critica a articulação para enfraquecer a PEC e também reforça a necessidade do apoio da sociedade. O deputado disse que pressões pelo enfraquecimento da medida existiram desde os primeiros passos de sua tramitação.
Já o presidente da comissão que avalia a PEC, Marcelo Ramos, acredita que a manobra não prosperará. "Isso não tem nenhuma chance de passar. Não concordamos com a ideia de aplicar os efeitos da PEC aos processos já em curso, porque isso seria mudar as regras com o jogo em andamento. Mas também não podemos aceitar a ideia de aplicá-la apenas aos fatos ocorridos após a aprovação da PEC, porque isso seria perpetuar a impunidade", destacou Ramos.
Discussão será polarizada?
Os debates travados no Congresso em 2019 sobre a prisão em segunda instância foram marcados também por uma polarização clara entre forças de direita e de esquerda, ou entre defensores e adversários do governo de Jair Bolsonaro.
Dois fatores impulsionavam a polarização: a libertação do ex-presidente Lula e o fato de a reclusão dos condenados em segunda instância figurar entre as propostas do pacote anticrime proposto por Sergio Moro, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
Com Lula solto há cerca de oito meses e Moro rompido com o bolsonarismo, o debate prosseguirá polarizado? Os deputados que conversaram com a Gazeta do Povo sobre o tema acreditam que não.
"Ao menos não deveria ser assim. A questão do Lula influenciou parte da mídia, mas o debate da segunda instância tem que ser feito independentemente de quem quer que seja. É uma discussão que precisa estar acima disso de esquerda ou direita", declarou Alex Manente. O deputado disse que parte da esquerda tem manifestado apoio à iniciativa. Em entrevista à Globo News, o deputado José Guimarães (PT-CE) disse que seu partido busca um "entendimento" em torno do assunto.
Já Aliel Machado opina que, hoje, os principais opositores da iniciativa seriam governistas. "A maior força contrária ao projeto é o Bolsonaro, por causa do filho", afirmou o deputado do PSB, em referência ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que enfrenta acusações de corrupção. Líder do governo na Câmara, o deputado Vitor Hugo (PSL-GO) declarou, também em entrevista à Globo News, ser favorável à proposição.
"Um bom caminho para uma lei ser ruim é fazê-la pensando em prender ou soltar alguém. A PEC não pensa nem em Lula nem em Flávio Bolsonaro. O que se pensa é em entregar ao Brasil um Poder Judiciário mais célere", afirmou Marcelo Ramos.
Para ser aprovada pela Câmara, a proposta precisa passar por duas votações e ter o "sim" de no mínimo dois terços dos deputados. Se ratificada pelos deputados, vai para o Senado, onde terá que ser submetida a votação semelhante.
-
Eleições no CFM: movimento tenta emplacar médicos com pautas ideológicas
-
Le Pen vê derrota de partido de direita na França como “vitória adiada”
-
No CPAC, Milei fala em perseguição a Bolsonaro e critica socialistas da América do Sul
-
“Maior inimigo de Evo Morales”, conservador lança candidatura à presidência da Bolívia durante CPAC
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF