A aprovação de uma lei que permita a prisão após condenação em segunda instância está cada vez mais distante. Em um Congresso com muitos parlamentares eleitos pelo discurso anticorrupção, o atual cenário é desanimador. Na Câmara, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 199/2019 perdeu fôlego e não saiu nem da comissão especial criada para tratar do assunto. No Senado, o projeto de lei (PLS) 166/2018 está engavetado à espera de ser pautado para votação no plenário.
Em ambas as Casas, falta vontade política dos congressistas – sobretudo dos líderes partidários, que têm mais poder para pressionar para que o assunto seja colocado em votação. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ainda não liberou a reinstalação do colegiado que iria tratar do assunto – a comissão especial não está oficialmente funcionando por causa da pandemia de coronavírus e precisa ser reinstalada. Já o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), travou a pauta.
O presidente Jair Bolsonaro, que também se elegeu com a agenda do combate à corrupção, não mobiliza esforços de sua base no Congresso para fazer a prisão em segunda instância avançar. Desde a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Executivo federal não tem um defensor claro desta pauta. Nesta quinta-feira (1º), por sinal, Moro voltou a defender a prisão em segunda instância em um seminário realizado na Câmara.
A retórica de Bolsonaro, Maia e Alcolumbre é de que o Brasil enfrenta a pandemia de coronavírus e que o foco têm de ser as medidas para enfrentar o problema – tanto do ponto de vista da saúde pública como da economia.
Senador diz que cúpula do Congresso e Planalto não querem a prisão em segunda instância
O senador Alvaro Dias (Podemos-PR) afirma que esse argumento é justo, mas frágil, para dizer o mínimo. “Usaram a Covid-19 como argumento de que só se votaria matéria com relação ao coronavírus. Mas isso caiu por terra quando se passaram a pautar outros projetos de interesse deles, como o novo Código de Trânsito”, diz Alvaro.
Para o senador paranaense, a falta de vontade política é o resultado de um enfrentamento entre os que desejam uma nova Justiça no país e aqueles que preferem a impunidade. “A estratégia de resistência [contra a agenda anticorrupção] se dá com os dirigentes do Congresso, que são ligados também à Presidência da República, que não demonstra nenhum interesse no avanço dessa legislação”, diz.
Alvaro Dias lembra que, em 10 de dezembro do ano passado, a Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado aprovou o PLS 166/18. Por ter caráter terminativo, o texto poderia seguir diretamente para a Câmara. Mas não foi o que aconteceu. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), protocolou oito dias depois um requerimento com as assinaturas de 49 senadores para levar a matéria ao plenário.
“Não tem como tirar a roupa do governo de seu líder. É simples a conclusão. Há investigações em curso que alcançam a Presidência da República, familiares, amigos, no Supremo [Tribunal Federal], na primeira instância”, afirma Dias.
Deputado da comissão especial também diz que falta apoio do governo
A leitura não é muito diferente da feita na Câmara. O deputado Fábio Trad (PSD-MS), relator da PEC 199/19 na comissão especial, avalia que falta vontade sobretudo da Presidência da República. “Eu vou me basear em fatos, não em opiniões, palpites ou impressões. Até agora o governo não moveu nenhuma palha para a aprovação da PEC. Não vi, não ouvi e não li qualquer manifestação do presidente”, diz Trad.
Questionado se os líderes do Centrão também não teriam papel no desinteresse em votar a prisão em segunda instância, o parlamentar disse que há “algumas manifestações de deputados que compõem partidos de centro” favoráveis à PEC. Vários parlamentares do Centrão são ou foram investigados pela Lava Jato.
Segundo Trad, a prova de que há apoio de deputados de centro a favor da aprovação do texto está na contagem de votos. Ele calcula ter apoio de 75% a 80% dos 36 deputados da comissão especial. “Porque eles viram as audiências, viram que a antecipação do trânsito em julgado é favorável ao Brasil, que vai melhorar a Justiça. E que não tem nada a ver com perseguição de um ou outro agente político. Já quem não viu e está distante da temática, tem uma outra percepção totalmente desvirtuada da PEC e trabalha com estigmatização completamente equivocada dela”, afirma Trad.
Apesar disso, Rodrigo Maia não reinstala oficialmente a comissão oficial. “Foram apresentados dois requerimentos pedindo a reinstalação do colegiado, um de autoria minha, do Alex Manente [autor da PEC 199], e do Marcelo Ramos [presidente da comissão especial] e outro da Frente da Ética Contra a Corrupção. Mas, até o momento, nenhuma resposta nos foi dada [por Rodrigo Maia]”, lamenta Fábio Trad.
Mobilização agora é nas redes sociais
Sem um apoio político consistente no Congresso, deputados e senadores favoráveis à prisão após condenação em segunda instância têm usado as redes sociais como estratégia para mobilizar a sociedade e, assim, pressionar os colegas.
Nesta quinta-feira (1.º), a Frente Ética Contra a Corrupção fez um seminário por teleconferência para discutir o fim do foro privilegiado e a prisão em segunda instância. Recentemente, um grupo de deputados anunciou a criação de uma comissão especial "paralela" para promover o debate sobre o assunto enquanto Rodrigo Maia não reinstala o colegiado oficial.
“As redes sociais têm sido o espaço pelo qual tentamos nos mobilizar, fazendo e participando de lives. Não fosse a pandemia, estaríamos com mais mobilização parlamentar e manifestações públicas”, diz o senador Alvaro Dias.
Procurador de Justiça criminal em São Paulo, Roberto Livianu apoia e está frequentemente presente nos movimentos realizados pelas redes sociais. Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), ele avalia como fundamental o engajamento com a pauta. E tem um posicionamento firme quando questionado os motivos de se travar o debate no Congresso.
“Se está travando, é porque há muitos parlamentares investigados, há muitas pessoas investigadas, processadas. Então você não percebe o interesse da área política. Por isso, precisamos manter acesa esta chama. Nós precisamos nos articular e mobilizar a sociedade”, destaca.
Prisão em segunda instância pode voltar a ser discutida no STF
A discussão sobre a possibilidade de uma pessoa ser presa após condenação na segunda instância judicial não é nova. Mas se intensificou após o Supremo Tribunal Federal (STF) mudar sua própria jurisprudência sobre o tema.
Em 2016, em dois julgamentos – um por 7 votos a 4, em fevereiro, outro por 6 votos a 5, em outubro – os ministros do STF passaram a admitir a possibilidade de prisão após condenação por colegiado de segunda instância. Em novembro de 2019, entretanto, a Suprema Corte mudou o entendimento.
E pode mudar novamente este ano. Dentro do gabinete do presidente do STF, Luiz Fux, é dito que o ministro cogita a ideia de pautar nova ação sobre o assunto em plenário. Aos mais próximos, Fux diz que a decisão de 2019 foi frágil, em um momento em que os ministros estavam muito divididos. Por isso, ele não descarta retomar a discussão até o fim do ano.
O senador Alvaro Dias está atento a esse interesse de Fux e planeja ter uma conversa com o ministro. “Nossos movimentos [pela aprovação da prisão em segunda instância] não são recentes. E quando falam que o Supremo legisla é porque o próprio Congresso oferece espaço para que o STF faça isso no nosso lugar", diz o senador. "Abençoado seja o Fux se conseguir estabelecer isso. Nós [do Muda Senado] estamos esperando terminar a quarentena dele para conversarmos sobre todas essas questões que constam na pauta ética, inclusive a reeleição, que somos contra." Fux contraiu coronavírus na solenidade de posse como presidente do STF.
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