Recém-condenado pela segunda vez pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode recorrer em liberdade até o fim dos recursos, pelo menos por enquanto. O petista foi solto depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a prisão em segunda instância e, embora o Congresso esteja caminhando para aprovar uma nova legislação que permita a prisão antes do trânsito em julgado, ainda há dúvidas sobre quem poderia ser enquadrado na nova regra.
Câmara e Senado disputam protagonismo pela aprovação de um projeto que permita a prisão em segunda instância. Na Câmara, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou recentemente uma proposta de emenda à Constituição (PEC) do deputado Alex Manente (Cidadania-SP) sobre o tema. A proposta agora precisa passar por uma comissão especial antes de ser votada no plenário. No Senado, um projeto de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS) altera o Código de Processo Penal (CPP), com o mesmo objetivo. O projeto está tramitando na CCJ da Casa.
Como os projetos trazem novas regras para o início do cumprimento das penas, há dúvidas sobre quem poderia se enquadrar nos casos de prisão em segunda instância a partir da aprovação das propostas. A constitucionalista e mestre em Direito Público pela FGV, Vera Chemin, defende que apenas réus que não tenham processos tramitando antes da aprovação das novas regras poderiam ser presos antes de esgotados todos os recursos em tribunais superiores. Ou seja, a nova lei não teria efeito retroativo.
“Nenhuma lei, nenhuma regra pode retroagir para prejudicar o réu. Só pode retroagir para beneficiar, para prejudicar não pode”, explica. A constitucionalista cita o exemplo de Lula. Na visão dela, o petista só pode ser preso depois que os processos do tríplex e do sítio em Atibaia tenham todos os recursos julgados – inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no STF.
Para outro especialista, prisão em segunda instância pode ser para todos
Já o advogado Gustavo Polido, especialista em Direito Penal e Processual Penal, acredita que há, sim, uma brecha para que os presos beneficiados pela decisão do STF retornem à prisão após aprovação de nova legislação pelo Congresso.
Segundo Polido, a lei só não pode retroagir se tratar de matéria penal, através de alterações no Código Penal. Como os projetos em tramitação sobre segunda instância não tratam do CP, a regra pode valer para todos assim que entrar em vigor.
“A lei do Código Penal não retroage em prejuízo do réu, só em benefício. Mas a lei processual penal é aplicada ao tempo de sua promulgação, ou seja, ela teria eficácia imediata, não representando modalidade de retroatividade”, explica.
Na visão dele, o projeto do Senado que altera o CPP, por exemplo, pode ser aplicado imediatamente após a entrada em vigor para todos os condenados do país. “Se mudar o CPP pode retroagir, lei é de aplicação imediata, o que significa dizer que todo mundo que estiver naquela situação deverá passar a ser interpretado de acordo com o novo CPP”, defende o especialista.
Aplicação da PEC ainda é dúvida
Enquanto isso, a entrada em vigor das mudanças constitucionais previstas pela PEC que tramita na Câmara pode gerar discussão. “Como vai guardar relação com interpretação penal, porque a execução da pena pode ser interpretada como matéria penal, ao mudar a Constituição eu temo que eles apliquem imediatamente. Mas o entendimento mais adequado seria que se aplicasse aos casos novos e não aos anteriores”, explica Polido.
Para o advogado, o caso vai acabar indo parar no STF antes que as penas antecipadas possam ser aplicadas em todos os casos.
Autor da PEC que tramita na Câmara, o deputado Alex Manente defende que, após a promulgação da PEC, a prisão em segunda instância passe a valer automaticamente para todos os condenados no país, exceto aqueles que já tenham recursos tramitando no STJ ou no STF.
“A mudança que nós vamos fazer não é apenas na segunda instância, é uma mudança no ordenamento jurídico brasileiro. O trânsito em julgado vai para a segunda instância em todas as esferas, cível, tributária, trabalhista. É uma reorganização do sistema jurídico”, explica o autor da proposta. “Com a promulgação da norma, o recurso deixa de existir. Então a pessoa não tem possibilidade recursal”, completa.
Mesmo com essa interpretação, o deputado não descarta discussões sobre o tema. “Essa é a interpretação que eu tenho, certamente isso dará uma discussão”, afirmou. Manente, porém, defende que a PEC é um caminho mais seguro para a volta da prisão em segunda instância do que o projeto que tramita no Senado, que altera o CPP.
“Como quer alterar cláusula pétrea, certamente ele será questionado no Supremo antes da validade dele”, diz Manente. “Novamente, passamos a decisão para o Supremo, a PEC não tem esse risco”, afirma.
PEC da segunda instância ainda pode ter alterações
Para um deputado do Centrão que acompanha a discussão sobre a prisão em segunda instância, tanto a PEC quanto o PL passam a valer para todos assim que entrarem vigor porque tratam de processo, não de direitos. O parlamentar também acredita que a PEC de Manente deverá sofrer alterações durante a tramitação na comissão especial.
A PEC, originalmente, extingue os recursos especial (no STJ) e extraordinário (no STF), tornando os dois recursos ações revisionais. Por isso, o trânsito em julgado passaria a se encerrar após análise em segunda instância. O deputado do Centrão, que preferiu não se identificar, acredita que a tendência é que a comissão especial da Câmara torne esses recursos sem efeito suspensivo, ou seja, os condenados poderão continuar recorrendo depois da segunda instância, mas ficarão presos enquanto aguardam julgamento dos recursos.
O que dizem os projetos sobre prisão em segunda instância
Veja o que dizem os projetos mais avançados sobre a prisão em segunda instância:
PL 166/2018, de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS):
Altera o artigo 283 do CPP e determina que a prisão por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente decorrente de juízo de culpabilidade poderá ocorrer a partir da condenação em segundo grau, em instância única ou recursal. O texto, porém, mantém a presunção de inocência até o trânsito em julgado, ao definir que “ninguém será tratado como culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.
PEC 199/2019, de autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP):
Altera os artigos 102 e 105 da Constituição, transformando os recursos extraordinário (no STF) e especial (no STJ) em ações revisionais de competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
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