Sete meses após os atos de vandalismo do 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes, 138 indivíduos detidos em flagrante no fatídico domingo continuam presos em regime fechado. Este grupo, que ainda aguarda por julgamento, é parte de outro maior, com quase 2 mil investigados pelos inquéritos relatados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na noite da segunda-feira (7), véspera da entrada no sétimo mês de prisão, Moraes mandou soltar mais 90 presos, 37 mulheres e 53 homens, que passarão a usar tornozeleira e a se submeter a outras medidas cautelares. O ministro justificou a decisão pelo fato de as investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF) estarem avançadas e não haver o risco de fuga deles ou de prejuízo às provas.
Também na véspera, o Ministério Público Federal (MPF) pediu em suas alegações finais a condenação de 40 acusados de invadir os prédios das sedes dos poderes, com penas que podem chegar a 30 anos de reclusão. O MPF apontou um prejuízo material de R$ 25 milhões com as depredações.
Os chamados presos do 8 de janeiro foram levados pelas forças policiais no mesmo dia das invasões aos prédios públicos e, também, no dia seguinte. Outros foram identificados posteriormente e trazidos às prisões da Papuda e Colmeia (feminino), no Distrito Federal, sendo que, no total, cerca de 1,4 mil ficaram presos por longo período de forma provisória, por determinação de Moraes.
A maioria acabou sendo solta em blocos e passaram a responder ao processo padronizado sob liberdade monitorada. Os 138 que continuam encarcerados aguardam novos procedimentos judiciais. Até 26 de julho, o STF já analisou 1.290 denúncias.
Inquérito tem acusação genérica, sem individualizar as condutas
Ao longo de todo o período, familiares e advogados dos presos têm cobrado da Justiça a individualização das condutas e contestam a tese central de tentativa de golpe de Estado, apesar de as acusações genéricas de atentado violento ao estado democrático de direito continuarem até hoje.
Segundo eles, apenas uma minoria dos manifestantes participou efetivamente dos atos violentos no interior do Congresso, STF e Palácio do Planalto. Mesmo assim, do pipoqueiro ao vândalo que destruiu o relógio histórico, todos estão submetidos à mesma acusação.
Na sexta-feira (4), o STF concluiu as audiências de 228 ações penais dos acusados. A expectativa é de que em 30 dias os primeiros casos estejam liberados para julgamento. De 26 de junho a 1° de agosto, foram realizadas audiências para a oitiva das testemunhas de acusação e de defesa e para o interrogatório dos réus nos inquéritos que investigam as invasões às sedes dos três poderes. Foram 719 oitivas, nas quais foram ouvidas 386 testemunhas indicadas pelas defesas e interrogados 228 réus.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) indicou 21 testemunhas inquiridas pelos advogados, pela PGR e pelos magistrados. As audiências foram conduzidas por quatro juízes auxiliares do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, que aplicaram um questionário padrão de 16 perguntas, conforme revelou reportagem da Gazeta do Povo.
As audiências foram realizadas por videoconferência, em salas de audiência do STF e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Para tanto, foram mobilizadas seis equipes de segurança na Papuda e quatro na Colmeia, servidores da Secretaria Judicial do Supremo e do TJDFT, além de pessoal de informática de ambos os tribunais e pessoal de apoio.
Nas ações penais dos réus que continuam presos, as acusações são de associação criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito; tentativa de golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo; e deterioração de patrimônio tombado.
Parlamentares da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro apontam abusos nos processos, tendo até encaminhado denúncia ao Comitê de Direitos Humanos da ONU.
OAB oferece um e-mail para colher queixas de defensores
Em debate da Comissão de Segurança Pública da Câmara na quinta-feira (3), a seção nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reafirmou por meio de seu representante que, apesar das recorrentes críticas por inação, a entidade nunca deixou de defender as prerrogativas dos defensores e do Estado Democrático de Direito envolvendo presos do 8 de janeiro. O vice-presidente do Conselho Federal da OAB, Rafael Horn, disse aos membros do colegiado, por videoconferência, ser solidário aos familiares e que a ordem ofereceu um e-mail para atender advogados dos acusados.
A Procuradoria Nacional de Defesa de Prerrogativas (PNDP), informou Horn, produziu mais de 70 protocolos relativos ao caso e mais de 100 atendimentos eletrônicos. “Para nós, é importantíssimo dar condições para todos os advogados fazerem a plena defesa”, ressaltou. Um dos feitos dessas intervenções seria a mudança da sistemática nos interrogatórios, possibilitando o acompanhamento dos defensores em tempo real, além da entrevista reservada com o cliente antes do ato processual.
O vice-presidente nacional ressaltou aos parlamentares que a violação às prerrogativas da advocacia deve se tornar uma preocupação constante no âmbito do Congresso, para que a OAB possa cada vez mais aperfeiçoar o sistema legal de defesa da profissão.
Familiares e advogados apontam violação a direitos fundamentais
Gabriela Ritter, presidente da Associação dos Familiares e Vítimas de 8 de janeiro, continua reclamando de os presos serem acusados de ações quase idênticas, sem evidências de ações individuais. Para a advogada, houve uma situação de prisões em massa, com todos as irregularidades decorrentes. “Prendam, algemem e coloquem nos ônibus. Essa foi a ordem sem distinção para presos há sete meses, sem individualização das condutas”, disse ela, que tem o pai entre os detidos.
Advogados e familiares também relataram problemas como dificuldade de acesso a presos, morosidade na condução das investigações e descasos com direitos dos detidos, como os com comorbidades.
Para Gabriela, as prisões contrariam convenções internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário. “Não era vontade das pessoas. A grande maioria dos presos não almejava isso”, resumiu.
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