A ação mais avançada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que poderá tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível por oito anos, e portanto deixá-lo fora das eleições de 2026, teve uma tramitação atípica na Corte.
Na última sexta (31), o ministro Benedito Gonçalves, relator do processo, encerrou a instrução probatória da ação de investigação judicial eleitoral (aije). Ele considerou que já foram juntadas as provas necessárias para tomar uma decisão e abriu prazo de dois dias para as partes – o PDT, autor da ação, e Bolsonaro, acusado de abuso de poder político – apresentem suas alegações finais, na última manifestação no processo. Depois disso, a Procuradoria Geral Eleitoral terá mais dois dias para apresentar seu parecer sobre o caso. Com isso, Gonçalves deve elaborar seu voto, e pedir uma data ao presidente do TSE, Alexandre de Moraes, para julgar o caso.
Isso poderá acontecer ainda durante o mês de abril, nove meses após a apresentação da ação. Assim, ela estará pronta para julgamento em menos de um ano, quando a maioria dos processos do tipo, contra candidatos à Presidência ou governos estaduais, costuma demorar de 2 a 3 anos para serem concluídos.
Foi assim na ação do PSDB que tentou cassar a chapa formada pelos ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), apresentada em 2014 e julgada em 2017; e também na ação que tentou cassar o primeiro mandato de Bolsonaro, ajuizada pelo PT em 2018 e julgada em 2021. Nos dois casos, houve absolvição.
Além disso, ao contrário do caso anterior mais importante, de Dilma e Temer, o processo atual contra Bolsonaro acabou incorporando elementos que não faziam parte, estritamente, da acusação inicial apresentada ao TSE.
Nesta ação, apresentada em 2014 pelo PSDB, o julgamento ocorreu em 2017, com 4 votos a 3 pela absolvição. Na época, a maioria do tribunal entendeu que provas entregues pela Odebrecht, apontando que empreiteiras teriam doado para a campanha com dinheiro obtido da Petrobras em contratos superfaturados e mediante propina, não poderiam ser usadas no processo – esses dados eram desconhecidos na época da acusação.
Mas, na atual ação contra Bolsonaro, o ministro Benedito Gonçalves flexibilizou esse entendimento, e passou a admitir elementos que não existiam à época da acusação e que, segundo a defesa do ex-presidente, não deveriam fazer parte dela. A acusação do PDT é de que Bolsonaro tentou deslegitimar a eleição questionando as urnas eletrônicas.
Isso teria se concretizado na reunião que ele fez em julho de 2022, no Palácio da Alvorada, com embaixadores estrangeiros, durante a qual lançou uma série de dúvidas sobre a integridade do voto eletrônico adotado no Brasil pela Justiça Eleitoral – as mesmas suspeitas que já apresentava ainda antes de 2018 e voltou a levantar ao longo de seu mandato, de forma mais frequente a partir de 2021, todas elas fortemente rechaçadas pelo TSE.
Por essa razão, Gonçalves incorporou ao processo fatos anteriores, como uma transmissão ao vivo, feita no Ministério da Justiça, em julho de 2021, em que apresentou vídeos que se espalharam na internet, em que eleitores apontam suposto mau funcionamento e possíveis fraudes nas urnas. No mesmo mês, ele concedeu uma entrevista e divulgou um inquérito da Polícia Federal que investigou um ataque hacker a sistemas do TSE em 2018.
Tudo isso passou a fazer parte de um inquérito administrativo, aberto pelo antecessor de Gonçalves, o ministro Luís Felipe Salomão. O material passou a fazer parte da ação de inelegibilidade, como elemento de corroboração da tentativa de Bolsonaro descredibilizar as urnas. Salomão foi o ministro que, em 2021, conduziu o julgamento que resultou na cassação e inelegibilidade do ex-deputado Fernando Francischini, por uma conduta semelhante. No dia da eleição de 2018, ele apontou fraude nas urnas num vídeo ao vivo no Facebook. Essa decisão se transformou no principal precedente para embasar uma eventual condenação a Bolsonaro.
Minuta do decreto e 8 de janeiro também estão na ação
Outro ponto é que a ação também acabou incorporando eventos sem relação direta com o ex-presidente. Foram anexados ao processo, por exemplo, a minuta de um decreto presidencial, encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que imporia um estado de defesa no TSE para rever o processo eleitoral. Torres sempre disse que isso chegou a ele pelas mãos de terceiros, negando que se tratasse de um plano de Bolsonaro.
Mas a existência do documento, ainda que apócrifo, daria mais substância à acusação de que Bolsonaro incentivou uma contestação do resultado.
Pelo mesmo motivo, outro elemento a ser levado em conta é a invasão das sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro. As denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR) deixam claro que a motivação dos vândalos, expressa também nas manifestações em frente aos quartéis do Exército após as eleições, era contestar o resultado apresentado pelas urnas eletrônicas. A intenção era convencer as Forças Armadas a intervir na apuração dos votos.
Ainda poderá complicar a situação de Bolsonaro a descoberta, mais recente, de que Anderson Torres viajou para a Bahia antes do segundo turno da eleição para acionar a Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal supostamente com a intenção de monitorar o transporte de eleitores para locais onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva obteve expressiva votação. No dia do segundo turno, agentes da PRF intensificaram a fiscalização de ônibus, o que causou risco de atrasar a chegada de eleitores ao local de votação e poderia prejudicar o petista com alta abstenção. A viagem, à época, foi justificada para reforçar a atuação de policiais federais no combate a crimes eleitorais, como compra de votos.
Nas últimas semanas, a defesa de Bolsonaro buscou contestar a adição desses novos fatos no processo, ocorridos após a eleição, por não terem a participação do ex-presidente. Quanto à reunião com embaixadores, os advogados de Bolsonaro dizem que aconteceu antes da campanha oficial, e não tinha relação com ela – afinal, os estrangeiros nem podem votar no país. Diz ainda que o objetivo era promover um debate legítimo sobre a segurança do voto eletrônico e que, por isso, ministros do TSE e de outros tribunais superiores também foram convidados.
Defesa de Bolsonaro espera absolvição no TSE
A defesa de Bolsonaro também buscou prolongar o processo, pedindo, por exemplo, a coleta de mais depoimentos de testemunhas. Questionado pela Gazeta do Povo sobre a forma como o processo foi conduzido na coleta de provas, o advogado Tarcísio Vieira Neto, que chefia a defesa, disse ter esperança da absolvição. “Estamos esperançosos de que, a partir do exame da prova colacionada aos autos, o Tribunal Superior Eleitoral tenha aferido a improcedência da tese da acusação”, disse.
Advogados que acompanham de perto a ação preveem que, entre os sete ministros do TSE, há três certos pela condenação: de Benedito Gonçalves, o relator; do presidente da Corte, Alexandre de Moraes; e da ministra Cármen Lúcia. Durante a campanha, os três quase sempre votavam juntos para punir Bolsonaro em ações relacionadas à propaganda eleitoral.
Junto com ele também votava Ricardo Lewandowski, e por isso ele era também dado como voto certo pela condenação de Bolsonaro. Mas o ministro não vai participar do julgamento, porque antecipou a aposentadoria para 11 de abril.
Em seu lugar, estará Kassio Nunes Marques, ministro do STF indicado por Bolsonaro e que tende a votar pela absolvição. A projeção é que o ministro Raul Araújo também vote assim.
Os outros dois ministros, Sergio Banhos e Carlos Horbach, oriundos da advocacia, serão decisivos. A maioria dos advogados que acompanha o caso, porém, considera que ao menos um deles, Banhos, deve votar pela condenação. Ele também votou contra Francischini em 2018, julgamento no qual apenas Horbach votou pela absolvição.
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