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Para evitar demissões em massa, o governo recorreu a uma fórmula testada na gestão de Dilma Rousseff (PT): lançar um programa que permite a redução proporcional de jornada e salário de trabalhadores da iniciativa privada. A tática foi utilizada pela ex-presidente em seu segundo mandato. Lançado em 2015, o programa teve resultados bastante modestos, porque era restritivo e porque no ano seguinte o país caiu em uma profunda recessão. Agora, especialistas acreditam que a medida pode funcionar, por se tratar de uma solução emergencial para uma crise sanitária.
O programa do governo Bolsonaro foi apelidado de “antidesemprego”. Ele vai permitir que, mediante acordo individual fechado entre o empregador e o trabalhador, a jornada e o salário sejam reduzidos em até 50% enquanto durar o estado de calamidade pública. O valor do salário não poderá ficar inferior a um salário mínimo (R$ 1.045), e o patrão não poderá propor a redução do valor que é pago por hora para o trabalhador.
Os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos atualmente e tiverem sua jornada e salário reduzidos poderão antecipar 25% do que teriam direito mensalmente caso requeressem o benefício do seguro-desemprego. Essa antecipação poderá ser solicitada por três meses. Com isso, esses trabalhadores terão um complemento de renda que vai variar de R$ 261,25 a R$ 381,22. Depois, esse valor antecipado será descontado quando o funcionário for demitido e receber o seguro.
Qualquer empresa poderá propor ao seu funcionário celetista a redução da jornada e do trabalho. As empresas também poderão demitir a qualquer momento, mesmo os trabalhadores que já estejam com a jornada e o salário reduzidos. O secretário de Trabalho, Bruno Dalcomo, disse que não faria sentido engessar as regras no momento em que muitas empresas estarão lutando para sobreviver.
A antecipação de parte do seguro-desemprego terá um custo estimado para o governo de R$ 10 bilhões, segundo cálculos do Ministério da Economia. Esse custo será bancado com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – mas, como o fundo é deficitário, na prática os recursos acabarão vindo do Tesouro Nacional.
O governo espera que mais de 11 milhões de trabalhadores façam o acordo para redução de jornada e trabalho.
Semelhanças e diferenças com o programa da Dilma
O Programa de Proteção ao Emprego (PPE) foi anunciado por Dilma Rousseff em julho de 2015 e vigorou até 2016. Ele guarda algumas semelhanças com o novo programa do governo Bolsonaro, mas também há diferenças.
O PPE permitia a redução do salário e da jornada, só que de até 30%, e mediante acordo coletivo – isto é, após negociação com o sindicato dos trabalhadores. O programa antidesemprego de Bolsonaro vai além e permite corte de até 50%, mediante acordo individual entre empresa e empregado.
A redução da perda salarial do trabalhador no programa da Dilma era complementada em 15% pelo governo, também usando recursos do FAT. A complementação estava limitada a 65% do maior benefício do seguro-desemprego da época. Nesse sentido, o programa antidesemprego de Bolsonaro é mais restritivo. Ele complementará a renda somente dos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos. E a complementação estará limitada a 25% do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito. A fonte de recursos é a mesma – o FAT.
A redução de jornada e trabalho no programa da Dilma era permitida por até 12 meses, prorrogáveis. Na atual gestão, ele vale enquanto durar o estado de calamidade pública – que por enquanto vai até o fim deste ano.
Dilma pôs um mecanismo antidemissão em seu programa. Ela determinou que a empresa que aderisse não poderia demitir o funcionário que teve a sua jornada e salários reduzidos por um período correspondente a um terço do tempo de adesão. O programa de Bolsonaro não tem qualquer vedação à demissão.
No PPE, somente podiam participar empresas em situação fiscal e previdenciária regular. A empresa também tinha de provar situação de dificuldade econômico-financeira. No programa de Bolsonaro, qualquer empresa pode participar.
Não funcionou na época da Dilma. Vai funcionar agora?
Na época de Dilma, o programa teve resultados discretos. De setembro de 2015 a abril de 2016, 85 empresas aderiram ao PPE, com 53.861 funcionários tendo redução de jornada e salário, segundo dados da época do extinto Ministério do Trabalho e Emprego. No mesmo intervalo, a economia nacional cortou cerca de 1,4 milhão de empregos formais.
Hélio Zylberstajn, professor sênior da Faculdade de Economia da USP e coordenador do projeto Salariômetro da Fipe, diz que o programa de Dilma não teve ampla adesão porque tinha regras muitos restritivas. Indústrias metalúrgicas e químicas foram as que mais aderiram ao PPE. “Muitas empresas acabaram fazendo programa por fora”, relata.
Professor titular da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP), José Roberto Ferreira Savoia lembra que o programa de Dilma teve resultados ainda mais modestos quando comparado com as demissões que aconteceram durante o mesmo período, já que o país estava em recessão econômica. “A medida que foi proposta não conseguiu ter o mesmo resultado porque a crise foi muito prolongada.” A recessão durou do fim de 2014 a 2016.
A expectativa para o programa antidesemprego do governo Bolsonaro é boa, caso a pandemia do novo coronavírus não se alongue por muito tempo. “Se a percepção geral for que realmente [a pandemia do coronavírus] vai durar no máximo até três meses, a gente pode ter um impacto pequeno no emprego. Agora, se a percepção não for essa, as empresas provavelmente vão ter de partir para a demissão”, diz Savoia.
“Agora, estamos em processo recessivo por causa do coronavírus, mas não é uma coisa permanente. É um período emergencial, atípico. O programa [do governo Bolsonaro] tem também esse horizonte mais curto, emergencial [enquanto durar o estado de calamidade]”, completa.
Ambos os especialistas em mercado de trabalho elogiaram a iniciativa do governo Bolsonaro. “Eu considero a medida muito adequada, útil. Ela vai ao encontro de duas necessidades: as empresas estão reduzindo suas receitas, logo elas vão ter uma pressão muito grande de custo. Ao mesmo tempo, nós temos um problema social do trabalhador, pois ele não pode ser dispensado porque houve uma redução atípica de atividade”, explica Savoia.
Para ele, se a empresa consegue fazer um equilíbrio com redução de horas acompanhada de redução de salário, atende à necessidade das pessoas, de manterem seus empregos, e ao mesmo tempo garante uma sobrevivência a essa companhia, num período em que muitas fecharão as portas. “É uma escolha num momento difícil. As empresas tão num momento difícil. A gente sabe que é melhor ter esse salário reduzido do que não ter nada”, conclui.
Zylberstajn diz que para muitas pessoas pode parecer estranho o governo propor a redução de salários em um momento de crise, mas ele lembra que a Constituição já permite isso. A previsão está no artigo sétimo inciso sétimo da Constituição Federal. A legislação trabalhista (CLT) também permite.
“Se puder reter o empregado e ao mesmo tempo reduzir a folha, é melhor. E para o trabalhador o que interessa nesse momento é o emprego. A palavra de ordem agora é emprego, o que nós vamos fazer agora para manter o emprego. Então essa medida é muito bem-vinda”, afirma Zylberstajn.