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Presidente IBGE, Marcio Pochmann, planeja criar programa de TV para divulgar dados e estatísticas do Instituto
Presidente IBGE, Marcio Pochmann, planeja criar programa de TV para divulgar dados e estatísticas do Instituto| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) quer alterar o modo como informa à população brasileira os principais dados do país, incluindo o PIB e a inflação, por exemplo. De acordo com o plano de trabalho para 2024, o instituto quer ter um programa na TV Brasil, do governo federal, para anunciar os dados coletados e analisados pelo "novo IBGE".

O plano ainda prevê a centralização da coleta e tratamento de dados no “novo IBGE”, que seria responsável pela arquitetura do Sistema Nacional Soberano de Geociência, Estatísticas e Dados (Singed)”. O presidente do órgão, Marcio Pochmann, tem declarado desde o ano passado que as grandes plataformas de internet detém mais informações sobre os cidadãos brasileiros que o próprio Estado, o que considera uma vulnerabilidade.

Pochmann é um economista controverso, que já enfrentou alegações de interferência técnica em análises de dados para favorecimento dos governos que integrava. Em novembro do ano passado, chegou a afirmar que o "IBGE produzia as informações e os dados, fazia uma entrevista coletiva e transferia a responsabilidade para o grande público através dos meios de comunicação tradicionais” e que isso tinha ficado para trás.

Ele ainda afirmou que o modelo de produção de dados do IBGE é de origem ocidental, enquanto as melhores soluções atuais estão no oriente. O economista já manteve reuniões com o Instituto Nacional de Estatística da China, nas quais conheceu o censo econômico que visa "identificar, capturar o valor agregado das atividades digitais”. A China é conhecida por seu sistema de créditos sociais com base em estatísticas, que premia os cidadãos que agem em acordo com o governo e restringe o acesso a serviços públicos, como crédito e compra de casa própria, para os que têm notas baixas.

Contrariamente à visão de Pochmann, o advogado e especialista em liberdade de expressão, André Marsiglia, não vê como um problema de soberania nacional que os dados estejam nas mãos de empresas privadas. “O compartilhamento de dados é hoje uma realidade econômica inevitável e, a bem da verdade, a história mostra que seu uso político é tão ou mais perigoso quando nas mãos do Estado”.

Daniel Marcelino, analista de dados da JOTA, uma plataforma de análises e informações políticas e jurídicas para empresas, afirma que o grande desafio é achar uma forma justa de explorar essa nova riqueza que são os dados. Ele entende que a concentração excessiva de qualquer recurso não é considerada tão benéfica para a sociedade, e que isso também se aplica aos dados e informações, fundamentais para impulsionar a nova economia.

O analista explica que a necessidade de um governo concentrar dados sobre os cidadãos é um assunto complexo e multifacetado, que envolve considerações de segurança, planejamento e prestação de serviços públicos - já que, em muitos casos, a coleta e análise dessas informações são fundamentais para entender as necessidades da população e, portanto, para criar políticas eficazes e garantir a segurança nacional.

No entanto, ele destaca que a concentração de dados também pode representar um desafio para a privacidade e os direitos individuais, exigindo um equilíbrio delicado entre a proteção dos cidadãos e o uso legítimo das informações pelo governo. “Transparência, controle e supervisão são elementos-chave para garantir que a concentração de dados seja realizada de maneira responsável e em conformidade com os princípios legais e democráticos”, afirma.

Lives e canais em aplicativos para comunicação direta com o público

De acordo com o Plano de Trabalho do IBGE para 2024, as mudanças na divulgação dos dados do órgão estão a cargo do Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI). Ele é colocado como o responsável pela criação do IBGE Digital Podcast, o programa semanal na TV Brasil, com o objetivo de levar para a população as conclusões estatísticas e dados coletados pelo instituto, por meio de debate com técnicos, autoridades governamentais e representantes da sociedade civil.

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC), à qual a TV Brasil é vinculada, enviou nota ao jornal O Estado de S. Paulo, na qual afirma que o plano de trabalho para 2024 “não prevê produção ou veiculação de programa em parceria com o IBGE na grade da TV Brasil para este período”. O planejamento foi aprovado em dezembro do ano passado pelo Conselho de Administração da empresa.

Além do programa de TV, também estão elencadas a criação de grupos de WhatsApp e de Telegram, bem como a realização de lives em canais criados pelo IBGE nas redes sociais e aplicativos. O objetivo é criar canais diretos nesses formatos, por serem mais acessados e por suas características de compartilhamento, para que os interessados possam receber informações em geral do IBGE.

O Centro de Documentação ainda fica com a incumbência de criar o IBGE Digital, com a finalidade de reunir todas as formas de comunicação do instituto, incluindo textos e vídeos, com cobertura online de ações ou eventos/encontros/seminários/oficinas e em parceria com órgãos e entidades, dentro e fora do país. Para tanto, o plano ainda prevê a criação do grupo de trabalho e-digital, cujo objetivo é reunir as áreas para planejar de forma conjunta as divulgações nacionais, com reuniões mensais.

O uso que se faz dos programas e canais

De acordo com Daniel Marcelino, a criação de um programa semanal e de outros canais de comunicação, em si, não seria um problema. A atração televisiva poderia, inclusive, aumentar a conscientização pública sobre a importância dos dados do Censo e demais pesquisas realizadas pelo IBGE e o seu impacto na formulação de políticas públicas e na distribuição de recursos.

O analista, no entanto, adverte que é crucial que os programas apresentem informações imparciais, evitando interpretações tendenciosas dos dados. “Além disso, é importante que sejam acessíveis e compreensíveis para uma ampla audiência, e as discussões devem envolver diversas perspectivas”, afirma ele.

Atualmente, a divulgação de dados e pesquisas do IBGE é realizada em entrevistas coletivas para diversos órgãos de imprensa simultaneamente e, diretamente, entre os técnicos do instituto e jornalistas. Questionado sobre a manutenção das coletivas de imprensa diante das propostas do novo plano de trabalho, o IBGE não havia se pronunciado para a Gazeta do Povo até o fechamento dessa reportagem.

Interferências técnicas para favorecimento do governo

Desde o ano passado, Pochmann tem falado sobre suas intenções de mudar a forma como o órgão divulga seus dados. O primeiro anúncio ocorreu em novembro, durante a posse de Daniel Castro como coordenador geral do Centro de Documentação e Disseminação de Informações. Antes de assumir a liderança do Centro, Castro era responsável pela comunicação do órgão.

À época, o anúncio da mudança na forma de divulgar os dados gerou burburinho em grupos de WhatsApp de funcionários e técnicos do IBGE, que levantaram questionamentos sobre eventuais interferências na independência da instituição. Não foi a primeira vez que Pochmann enfrentou tais críticas. Entre 2007 e 2012, quando presidia o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foram levantadas suspeitas de interferência na equipe técnica para favorecer índices econômicos das gestões petistas - o economista é vinculado à ala mais radical do partido.

Em agosto de 2023, a própria indicação do economista para assumir a presidência do IBGE gerou amplas críticas de especialistas que refutam suas teses e trouxe até mesmo mal-estar no governo, diante de afirmações de que a ministra do Planejamento, Simone Tebet, não havia sido informada e que, portanto, teve que aceitar sua nomeação - uma escolha pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de quem Pochmann é próximo.

Elena Landau, responsável pelo programa econômico da candidatura de Tebet à presidência em 2022, afirmou que Pochmann não entendia de estatística e que não tinha preparo para assumir a presidência do IBGE.  “Não tem nada a ver com a linha da equipe econômica do Ministério do Planejamento. É uma posição partidária pura e absoluta”, disse ela.

Em defesa do economista, que é considerado da ala mais radical do PT, a presidente nacional do partido, a deputada federal Gleisi Hoffman (PT-PR), disse em suas redes sociais que Pochmann é um intelectual histórico, com um “olhar aguçado para as pesquisas na área social”.

Soberania nacional de dados

O Plano de Trabalho do IBGE para 2024 traz alguns dos posicionamentos que Pochmann tem expressado desde que assumiu a presidência do órgão. O texto de apresentação discorre sobre o comprometimento da soberania de dados no Brasil, que seria “imposto pela revolução informacional, conduzida desregradamente por corporações”. Segundo o IBGE o avanço no processo de “datificação” favoreceu a formação de um monopólio privado que controla o conteúdo e o conjunto de dados, sua sistematização e captura e monetização.

Em novembro do ano passado, Pochmann atacou as plataformas de tecnologia por coletar dados dos usuários que, segundo ele, nem mesmo o governo do país tem conhecimento. O presidente do IBGE também afirmou que o Brasil ainda não havia atingido a soberania em dados e que o instituto vinha trabalhando na criação de um sistema para integrar os bancos de dados dos ministérios e de outros órgãos e empresas da administração federal para “construir um sistema nacional soberano”.

No mesmo sentido, no Plano de Trabalho do IBGE aponta para uma segunda vulnerabilidade decorrente da “enorme e crescente fragmentação federal dos bancos de dados, registros administrativos e pesquisas”. De acordo com o documento, sem que seja estabelecido um padrão de homogeneidade, a “dinâmica dispersa por distintas fontes e serviços de processamento de dados, restringe a operabilidade de uso e impõe retrabalho e custos onerosos”.

André Marsiglia entende a relevância no levantamento estatístico do Estado, mas afirma que não existe nenhuma possibilidade de que seja uma leitura imparcial desses dados, nem da parte dele, nem das corporações. “É um mito acreditar que dados não se prestem à interpretação política ou ideológica”, destaca. Por essa razão, o especialista defende que o debate verdadeiro e não simulado, com setores da oposição e com as empresas que detêm essas informações torna-se de extrema relevância. Nesse sentido, há a necessidade de alargar a visão e compreender que as corporações são parceiras e não inimigas - ao contrário do que dão a entender as declarações do presidente do IBGE.

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