O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse no sábado (4) que o Brasil precisa de um "marco legal" para responsabilizar as empresas de tecnologia que não fiscalizem a disseminação de fake news (notícias falsas) em suas plataformas. “Qualquer um de nós responde por nossos atos, e as plataformas não querem ter responsabilidade. Precisamos ter um marco legal que permita investigar e chegar aos financiadores desses esquemas que usam de forma radical e equivocada as redes sociais”, disse, em videoconferência.
O "marco legal" defendido por Maia pode ser a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, a chamada lei das fake news, cujo projeto chegou à Câmara na sexta-feira (3) após ter sido aprovado no Senado na semana passada.
A proposta foi alvo de debates acalorados no Senado, tanto por conta de seu texto quanto pela sua tramitação de velocidade incomum, e há a possibilidade de que na Câmara o quadro seja relativamente semelhante. Maia disse que buscará "debater o tema com a sociedade" antes de colocá-lo à votação, e mencionou a interlocutores, segundo a Folha de S. Paulo, que tratará o assunto como uma de suas prioridades neste segundo semestre. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que participou de uma live com Maia no sábado sobre o tema, é cotado para ser o relator do projeto das fake news.
A iniciativa aprovada pelos senadores tem como meta coibir a disseminação de notícias falsas e ampliar a transparência de uso de sistemas de distribuição automática de mensagens, os chamados robôs. Opositores da iniciativa alegam que a proposta viola a liberdade de expressão e é uma resposta de parte da classe política à ascensão de correntes ligadas ao presidente Jair Bolsonaro, cuja base de apoiadores tem nas redes sociais um ponto forte de mobilização.
Ainda antes da aprovação pelo Senado, bolsonaristas da Câmara criticavam o projeto. "Criar um aparato estatal para regular o que é verdade, o que é mentira, o que é falso, o que é verdadeiro, isso é censura. Quem vai estabelecer isso? Vão criar agora o Ministério da Verdade, como no livro 1984”, declarou o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ). A deputada Bia Kicis (PSL-DF) chamou a proposição de "soco" na liberdade. “Um soco direto, um golpe na liberdade de nos expressarmos nas redes sociais”, afirmou, na última quarta-feira (1).
O próprio presidente Bolsonaro demonstrou contrariedade à ideia. Em uma conversa com apoiadores também na última quarta, o chefe do Executivo disse considerar difícil que a Câmara aprove a proposta e que, ainda que isso ocorra, ele poderia vetar a proposição.
Câmara pode repetir tramitação acelerada?
As chances de aprovação, rejeição ou arquivamento do projeto na Câmara passam essencialmente pela resposta a duas perguntas. Uma diz respeito ao cenário político, e outra é referente à tramitação da proposta.
A questão de cunho político é se os grupos partidários da Câmara vão repetir o que fizeram no Senado. Entre os senadores, a rejeição à proposta se viu principalmente entre os parlamentares governistas e ligados à direita. Já o apoio foi defendido por membros da oposição, de siglas como PT e PDT, mas também por forças de centro — grande parte do MDB votou pela iniciativa e o presidente da casa, Davi Alcolumbre, que é do DEM, foi também um apoiador do projeto.
"Acho que na Câmara será diferente. Vejo uma tendência maior para a não aprovação", disse o deputado Pedro Westphalen (PP-RS). O partido do parlamentar, no Senado, ficou dividido quanto ao tema, com três votos a favor e três contrários. Já o deputado Paulo Martins (PSC-PR) disse "ter muito medo" da aprovação da proposta. "Acho que estão agindo com o fígado. Criaram uma narrativa de que rede social é organização criminosa, que só divulga fake news. E como sempre o Parlamento age com uma corda, para reprimir direitos", afirmou.
Enquanto nos partidos de centro as manifestações gerais sobre o tema ainda permanecem imprecisas, nos núcleos mais ligados diretamente ao governo ou oposição os posicionamentos são mais diretos. Representantes do PT indicaram apoio à proposta — no Senado, o partido esteve entre as principais forças na defesa da iniciativa. Já os governistas mostram que lutarão pela reprovação da proposta
O outro questionamento a ser respondido é se a Câmara dará ao projeto velocidade semelhante à que imprimiu o Senado. Entre a apresentação da proposta original pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e a votação em plenário, passou-se pouco mais de um mês, prazo incomum para os padrões do Congresso Nacional. Muitos parlamentares se queixaram da aceleração fora do habitual e também pelo fato de a votação ter ocorrido em meio à pandemia de coronavírus. Segundo senadores contrários à votação, o sistema virtual que permite as deliberações a distância deveria ser utilizado para temas ligados à Covid-19, não a propostas de outros teores.
Um dos coautores da proposta inicial, o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) rejeita a ideia de que uma tramitação "acelerada" represente uma perda de qualidade para o projeto. "Temos propostas que levaram cinco anos para serem feitas e ficaram ruins, e outras que foram concluídas em meses e estão ótimas. Não é o tempo que explica a qualidade", afirmou.
Rigoni também disse considerar improcedente a ideia de que o Congresso deva discutir, atualmente, apenas temas ligados ao combate ao coronavírus. "A Câmara já votou praticamente tudo o que podia em relação à pandemia. Além disso, nós não sabemos quando isso vai acabar. Vamos parar nossos trabalhos até aparecer uma vacina?", questionou.
Texto do projeto das fake news ainda pode mudar
Durante o impasse em torno da votação do projeto no Senado, alguns parlamentares que defendiam a iniciativa alegavam que a Câmara poderia ainda fazer "aperfeiçoamentos" sobre a proposta. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) foi uma das que apresentou esse ponto de vista.
O cenário de mudanças foi um elemento que marcou as discussões no Senado — o texto definitivo, relatório elaborado pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA), foi apresentado aos parlamentares poucas horas antes da votação.
Rigoni acredita na possibilidade de modificações por parte da Câmara. "O projeto que veio do Senado avança em alguns pontos. Mas traz alguns exageros e deixou de lidar com algo essencial no assunto, que é a busca pelo financiamento das fake news. O 'follow the money'. Para que a gente aprove o projeto, precisamos fazer esses ajustes e buscar pontos que tenham mais áreas em comum", apontou.
O "follow the money" é um dos pontos citados pelo deputado como essencial, ao lado de transparência na moderação e na identificação dos robôs. É nesse "tripé", segundo ele, que pode haver o encontro de mais pontos em comum e a ampliação das chances de aprovação da proposta.
Rigoni reforçou que tem a preocupação de fazer com que a proposta não represente um ataque à liberdade de expressão, e ponderou: "é preciso ter a clareza de que não é um projeto de lei que resolverá tudo. Mas já ajuda, e muito, nestes aspectos que estamos ponderando".
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