Um projeto de lei vem causando discussões acaloradas nas reuniões virtuais envolvendo líderes do Senado. Trata-se do PL 1.166/2020, que limita as taxas de juros anuais que podem ser cobradas nos cartões de crédito e no cheque especial. Um grupo de senadores tenta levar o texto para votação em plenário desde a semana passada, enquanto outros agem para tentar arquivar a proposta, pois entendem que é um tabelamento de preços que vai restringir a oferta de crédito.
O texto foi apresentado pelo senador Alvaro Dias (Podemos-PR) no fim de março e na semana passada teve parecer favorável do relator, senador Lasier Martins (Podemos-RS). Martins propôs que a taxa máxima de juros que poderá ser cobrada pelos bancos nas operações de cartão de crédito e no cheque especial será de 30% ao ano, com exceção das linhas das chamadas fintechs, que teriam um limite de 35% ao ano. Hoje a taxa média do cheque especial passa de 100% ao ano e a do rotativo do cartão supera os 300% ao ano.
Outra exceção seria para pessoas cuja renda seja inferior a dois salários mínimos. Elas teriam direito a pagar no cheque especial juros iguais aos cobrados do consignado (empréstimo descontado em folha), uma das modalidades mais baratas do mercado. Atualmente, a taxa média do consignado é de 21% ao ano.
Ainda segundo o parecer de Martins, o teto valeria somente durante o estado de calamidade pública decretado pelo Congresso Nacional por causa da pandemia do novo coronavírus. Ou seja, até 31 de dezembro de 2020. Depois, a limitação seria extinta.
O texto estabelece, ainda, que os limites de crédito disponíveis em 19 de março de 2020 não poderão ser reduzidos até o fim do estado de calamidade pública e que as operações de crédito com cheque especial e cartão de crédito estarão isentas do pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Votação já foi adiada duas vezes
A sessão para votar o projeto foi marcada para quinta-feira passada (14), mas cancelada em cima da hora. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), informou aos senadores que precisava visitar a sua mãe no hospital e, por isso, não teria sessão.
Nesta semana, após reunião de líderes, Davi decidiu novamente adiar a votação. O compromisso é pautar o texto para semana que vem, mas o martelo só será batido na sexta-feira (22), data da próxima reunião de líderes do Senado.
Os senadores Alvaro Dias e Lasier Martins relataram à Gazeta do Povo que há uma pressão dos bancos sobre alguns senadores para que o projeto seja arquivado. “É lamentável, mas é a realidade. Ele [Alcolumbre] está se curvando aos bancos. Eu entendo que temos que, pelo menos, submeter [o texto] ao plenário [para votação]. Os principais líderes não representam todo o desejo do Senado”, diz Martins.
Na quinta-feira passada, pela manhã, antes de adiar a votação do projeto pela primeira vez, Alcolumbre e alguns senadores tiveram uma videoconferência com representantes de instituições financeiras. À tarde, foi informado o cancelamento da sessão para votar o PL 1.116. Oficialmente, a presidência do Senado disse que “os senadores entenderam que havia necessidade de mais tempo para discussão dos projetos na pauta.”
Dias acredita que o projeto tem chances de ser aprovado no Senado, por isso as tentativas de postergar a votação. Além do apoio do Podemos e de partidos de esquerda, o projeto conta com a simpatia do líder do MDB, Eduardo Braga. O MBD é a maior bancada da Casa.
Bancos são contra. Veja os motivos
Os bancos veem o projeto como uma “pauta-bomba”, pois entendem que trata-se de um tabelamento de preços que pode levar à redução do crédito e à falência de fintechs. Em nota enviada ao senador Alvaro Dias, obtida pela Gazeta do Povo, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) alega que impor limite à taxa de juros vai afetar a competição e o consumo, diminuir a oferta de crédito, prejudicar os varejistas e afetar a própria recuperação da economia.
“A experiência econômica e a história nos ensinam que, cedo ou tarde, a imposição de limites de preços para determinados produtos tem como consequência a redução ou interrupção de sua oferta, o desabastecimento e o estímulo aos mercados informais ou paralelos”, diz a nota técnica da Febraban.
No caso do cheque especial, a Febraban lembra que ele é um produto de natureza emergencial que conta com uma taxa de inadimplência quase cinco vezes maior do que os empréstimos para pessoas físicas. Segundo a federação, equiparar a taxa de juros cobrada no cheque especial com a do consignado (no caso de quem tem renda inferior a dois salários mínimos) inviabiliza a operação do cheque especial, que pode desaparecer do mercado.
Nesse caso, diz a federação, quem sairia prejudicado é o consumidor que utiliza corretamente o produto, pagando em dia o débito. Esse cliente seria obrigado a buscar opções menos favoráveis no mercado, inclusive a agiotagem.
Sobre o cartão de crédito, a Febraban afirma que fixar os juros que são cobrados a quem atrasa ou não paga a fatura tende a criar um incentivo para que os créditos sejam direcionados para financiamentos de menor risco e maior rentabilidade, o que resultaria numa menor oferta de cartões de crédito; e que as fintechs, que hoje oferecem cartões sem anuidade, podem ter suas operações inviabilizadas ou ter de começar a cobrar tarifas de seus clientes.
A federação observa que só há cobrança de juros no caso de clientes que atrasam a fatura ou optam por pagar apenas uma parcela (rotativo), o que representa em média menos de um quarto de todo o saldo da carteira. E diz que o risco da inadimplência é assumido totalmente pelos bancos.
“O cartão de crédito vem sendo o principal meio de financiamento à pessoa física no país e terá papel fundamental na recuperação econômica no comércio e, em especial, na aquisição de bens de consumo. Restringir a oferta de crédito é condenar a economia a uma recuperação mais lenta”, diz a Febraban.
O que dizem os economistas e o autor do projeto
O economista Fernando Veloso, pesquisador do Ibre da FGV, diz que experiências do passado mostram que a tentativa de tabelamento de juros teve consequências muito negativas para o crescimento econômico do país. “Repeti-las nesse momento sob o pretexto de calamidade pública pode minar a recuperação econômica quando esta crise for superada”, escreveu em artigo publicado no blog do Ibre.
O pesquisador também disse que o projeto tem caráter punitivo em relação às “instituições do sistema financeiro, com consequências potencialmente devastadoras para os mercados de crédito e de pagamentos”.
O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga disse em entrevista ao jornal "Valor Econômico" que o tabelamento tende a “sair pela culatra”. “A última coisa que se quer agora é fazer o crédito secar e fragilizar o sistema.”
O senador Alvaro Dias, autor da proposta, afirma que que não há argumentos consistentes contra o projeto. “Quando todos são obrigados ao sacrifício, os bancos não querem reduzir a margem de lucro. Não se trata se submeter os bancos ao prejuízo, trata de reduzir a taxa do cheque especial e do cartão de crédito”, disse à Gazeta do Povo, lembrando que a redução só será válida durante a pandemia.
Taxas atuais
Atualmente, a taxa média de juros do cheque especial está em 130% ao ano, segundo dados do Banco Central. A autoridade monetária determinou recentemente que os bancos não podem cobrar taxas superiores a 8% ao mês, o equivalente a 151,8% ao ano.
O cheque especial é um limite de crédito normalmente automático que os bancos dão a pessoas físicas em suas contas correntes. Esse limite é acionado quando o cliente não tem saldo suficiente para completar um pagamento ou transferência.
A taxa média de juros cobrada para quem cai no rotativo do cartão de crédito está em 326,4% ao ano. O rotativo é quando o cliente não paga o valor integral da fatura, e sim a parcela mínima. Ele tem duração de 30 dias. Os juros do parcelamento das compras pelo cartão de crédito chegam a 186,5% ao ano.
Todos os dados foram colhidos até março pelo Banco Central.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF