A Câmara dos Deputados deve votar nesta terça-feira (5) um projeto de lei (PL 714/23) que torna obrigatória a prisão preventiva na audiência de custódia em casos de crimes hediondos, roubo, ações criminosas qualificadas e reincidência criminal. O texto é uma resposta dos parlamentares à política de desencarceramento que vem sendo delineada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o apoio do Supremo Tribunal Federal (STF).
A expectativa é de aprovação. Na noite desta segunda-feira (4), os deputados autorizaram, sem entraves, a tramitação do projeto em regime de urgência. O texto foi apresentado pelo Coronel Ulysses (União-AC) e tem o aval de outros 41 parlamentares, ligados ao Centrão e à direita.
Especialistas em segurança pública afirmam à Gazeta do Povo que a inclusão do projeto na pauta do dia também é vista como uma reação dos deputados à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da segurança pública, apresentada na semana passada pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. A PEC enfrenta resistência entre governadores ecategorias funcionais e sua tramitação deve sofrer pressão no Congresso, já que recebeu duras críticas de deputados da Frente Parlamentar da Segurança.
“De certo modo, a pauta e sua aprovação representam uma reposta, tanto à política de desencarceramento adotada pelo governo com o apoio do STF, quanto à própria PEC da segurança que, da forma como foi apresentada, vai tirar autonomia dos estados e dar mais poder à União sobre segurança pública. A Câmara quer mostrar que está mobilizada sobre o tema”, destaca o especialista em segurança pública Marcelo Almeida.
Além da prisão preventiva nos casos já citados, o PL 714/23 prevê que policiais responsáveis pela prisão também sejam ouvidos pelo juiz para evitar que acusados sejam soltos pelo magistrado após a audiência de custódia com base em alegações como a de supostos abusos de autoridade.
O Código de Processo Penal determina que o preso seja levado à presença de um juiz em até 24 horas após a prisão para análise da legalidade do encarceramento e o tratamento dado ao detento na chamada audiência de custódia. O deputado Coronel Ulisses, autor do PL, diz que a falta de limite para o relaxamento da prisão ou concessão de liberdade provisória provoca questionamentos.
“A ausência de pressupostos impeditivos à concessão dos benefícios, além de impulsionar a percepção de impunidade, aumenta o desestímulo entre os operadores do sistema de segurança pública”, disse.
Para o parlamentar, agentes de segurança envolvidos em uma prisão em flagrante acabam sendo vistos como potenciais suspeitos de abuso ou excesso. Sobre esse ponto, Ulisses destaca que "a falta do testemunho de quem realizou a prisão permite ao preso imaginar cenários que levam à interpretação de que houve abuso ou excessos na ação".
O relator do projeto é o deputado Kim Kataguiri (União-PL). Ele deu parecer favorável ao texto, avaliando que são raros os casos nos quais a liberdade provisória é negada nas audiências de custódia. Segundo ele, isso compromete a segurança pública e dificulta esclarecimento de crimes.
O parecer de Kataguiri ainda inclui no projeto a possibilidade de que seja negada a liberdade provisória para quem já foi solto em audiência de custódia duas ou mais vezes nos últimos cinco anos, exceto se tiver sido absolvido posteriormente.
O projeto estipula que as audiências possam ocorrer por videoconferência e que o prazo para sua realização possa ser ampliado das atuais 24 horas para 72 horas após a prisão, o que evitaria, segundo o relator, sobrecarga às autoridades e possibilitaria mais prazo para elaboração da defesa do detento.
“Há tempos o Brasil vem nessa toada do desencarceramento e isso pode fomentar a prática criminosa sob a perspectiva do infrator que não dá em nada. Ou seja, práticas assim incentivam quem já tem alguma inclinação a delinquir”, afirma o advogado Alex Erno Breunig, especialista em segurança pública.
CNJ inicia processo para revisão de penas em quase 500 mil processos
Além do Plano Nacional para o Enfrentamento do Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras proposto pelo governo para atender a uma exigência do STF, na sexta-feira passada (1º) o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com 30 tribunais de justiça dos estados e tribunais regionais federais, começou um mutirão para revisão de penas em quase 500 mil processos.
Serão revisados, por exemplo, 65 mil casos de presos condenados por porte de maconha para uso pessoal, já que o STF decidiu pela descriminalização de até 40 gramas da droga. A decisão também gerou reação de parlamentares, que aprovaram a PEC Antidrogas no Senado – embora a proposta ainda não tenha ido à votação no plenário da Câmara.
“Os casos de condenação de pessoas com até 40 gramas de maconha serão selecionados e analisados caso a caso pelos tribunais para verificar se realmente se enquadram em casos de porte de drogas ou tráfico. Essa revisão deverá ser feita até fevereiro do ano que vem”, descreve o CNJ.
Embora não necessariamente impliquem em liberdade, essas revisões podem diminuir a pena dos presos. Segundo o conselho, o foco, nesse primeiro momento, será a “revisão de faltas graves, que adicionam tempo à pena para pessoas já privadas de liberdade”, relacionadas ao porte de maconha.
Política de desencarceramento pode estimular escalada em crimes e Câmara precisa reagir
O especialista em segurança pública Sérgio Leonardo Gomes critica a política de descriminalização da maconha e o que ela pode representar ao desencarceramento no país.
“Não me parece que as cadeias estão lotadas por pessoas que foram flagradas portando pequenas quantidades de maconha, mas descriminalizar o uso facilita o acesso, promove o tráfico. Quando existe um consumidor precisa ter um fornecedor”, reforça.
Gomes avalia ainda que a política de desencarceramento é extremamente preocupante e ecoa rapidamente sobre a segurança nos municípios.
“A reincidência é uma triste realidade para a segurança pública com profissionais que muitas vezes se veem limitados diante da liberação do infrator logo na sequência da prisão. Essas alterações legislativas podem contribuir para frear liberações e conter avanços criminosos”, avalia, salientando que a contraposição do Legislativo, expressa no PL 714/23, é fundamental.
Caso aprovado pelos deputados, o projeto seguirá para apreciação dos senadores.
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