O anteprojeto proposto pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski para revisar a lei do impeachment, caso aprovado no Congresso, não permitirá mais cassar um presidente da República que venha a adotar as “pedaladas fiscais” como as que levaram à perda do mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Por outro lado, o anteprojeto cria crimes de responsabilidade com definições que se assemelham a acusações que já foram feitas contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) ao longo de seu mandato por opositores.
O texto foi elaborado por uma dezena de juristas reunidos por Lewandowski. A proposta de mudanças na lei do impeachmente foi entregue no último dia 16 ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Pacheco disse que a ideia de fazer uma nova lei partiu de Lewandowski em razão de “lacunas” na lei em vigor, de 1950. O discurso oficial é que uma nova norma deveria ser aprovada para se adequar à Constituição de 1988.
Porém, a maior parte dos advogados, professores e técnicos que esteve na comissão é formada por críticos do processo de impeachment que culminou com a cassação de Dilma. Desde o início dos trabalhos do grupo, no início do ano, já se falava na possibilidade de retirar da lei os crimes de responsabilidade fiscal pelos quais ela foi condenada.
O argumento era de que os casos envolvendo questões fiscais caracterizavam tipos penais muito técnicos, que dificilmente seriam cometidos por um presidente e que poderiam ser atribuídos a subalternos, como o ministro da Fazenda ou o secretário do Tesouro, por exemplo. Esses crimes foram inseridos na lei no ano 2000, no bojo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), criada para promover o controle das contas públicas do país.
A possibilidade de exclusão de crimes fiscais da proposta da nova lei do impeachment se confirmou na versão final do anteprojeto. Os crimes de responsabilidade pelos quais Dilma foi condenada foram excluídos da proposta. Portanto, se o Congresso aprovar o texto, ficará muito mais difícil denunciar um presidente que cometesse os mesmos delitos ou manobras ilegais semelhantes contra a lei orçamentária que foram praticados por Dilma.
A exclusão das regras de responsabilidade fiscal dos casos passíveis de impeachment vem num momento em que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dá sinais de que pretende elevar os gastos públicos – o que, para analistas, pode ameaçar a responsabilidade fiscal. Um exemplo disso é a PEC fura-teto.
Críticos do anteprojeto da comissão de Lewandowski afirma que a retirada da questão fiscal dos crimes de responsabilidade é uma blindagem temerária. “Se este projeto for aprovado, penso que um impedimento [impeachment] será impossível”, diz a deputada e professora de direito Janaina Paschoal, autora da denúncia contra Dilma.
No processo de impeachment, Dilma foi condenada pelos crimes de:
- “ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal”;
- “deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei”; e
- “abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais”.
Todos esses tipos foram excluídos do texto proposto por Lewandowski. As pedaladas consistiram em atrasar pagamentos de empréstimos crescentes tomados de bancos públicos para financiar despesas correntes do governo, tudo isso de forma oculta. Com isso, Dilma escondia o rombo nas contas públicas. Segundo a sentença de sua condenação no impeachment, a dívida pública federal foi subdimensionada em R$ 40,2 bilhões em 2014, ano de sua reeleição. Em 2015, o passivo cresceu e chegou a R$ 58,7 bilhões. Esse rombo nas contas públicas foi uma das causas da maior recessão econômica pela qual o país já passou.
Além dos crimes pelos quais Dilma foi condenada, a comissão dos juristas de Lewandowski também excluiu outros seis tipos penais criados pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A redação da parte relativa aos crimes contra a lei orçamentária foi simplificada, e prevê seis tipos:
- não apresentar os projetos de lei orçamentária no prazo previsto na Constituição ou em lei, ressalvada prévia autorização parlamentar;
- não prestar ao Poder Legislativo, no prazo legal, as contas referentes ao exercício anterior;
- deixar de entregar aos entes federados, no prazo legal, as receitas tributárias a eles devidas;
- não repassar, no prazo legal, os duodécimos destinados aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública;
- não aplicar os recursos constitucionalmente exigidos na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;
- destinar recurso vinculado a finalidade diversa da fixada na Constituição ou em lei; e
- descumprir deliberada ou reiteradamente a legislação orçamentária e de responsabilidade fiscal.
“Realmente o projeto esvazia os crimes de responsabilidade criados com a LRF. Além de perder a especificação trazida pela LRF, os casos ficarão presos na discussão do ‘deliberadamente’ e se foi ou não ‘reiteradamente’”, diz um especialista do Tribunal de Contas da União (TCU) consultado pela reportagem e que pediu para não ser identificado.
Outras mudanças no impeachment poderiam atingir Bolsonaro
Se por um lado o texto do anteprojeto pode ajudar a blindar Lula por uma eventual irresponsabilidade fiscal em seu governo, várias outras mudanças propostas representariam riscos para o presidente Jair Bolsonaro se ele tivesse sido reeleito.
A proposta da comissão de Lewandowski cria crimes de responsabilidade com definições que se assemelham a acusações que já foram feitas contra Bolsonaro ao longo de seu mandato por opositores. Entre eles está o delito de “divulgar, direta ou indiretamente, por qualquer meio, fatos sabidamente inverídicos, com o fim de deslegitimar as instituições democráticas” – tipo penal que poderia enquadrar as frequentes acusações de que Bolsonaro promove “fake news” ao criticar o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e seus ministros.
Também foi proposta a criação do crime de “deixar de adotar as medidas necessárias para proteger a vida e a saúde da população em situações de calamidade pública”. Acusação semelhante foi feita pela oposição de Bolsonaro de que ele não teria adotado políticas adequadas e necessárias para combater a pandemia de Covid-19.
Caso o anteprojeto seja aprovado no futuro, nenhum desses novos tipos poderia ser imputado a Bolsonaro porque a proposta diz expressamente que uma denúncia não poderá ser recebida “caso o denunciado, por qualquer motivo, tiver deixado definitivamente o cargo”.
Proposta reduz poder do cidadão e do presidente da Câmara
Além da retirada dos crimes de responsabilidade fiscal, a proposta da comissão de Lewandowski também retira o poder que cada cidadão tinha de denunciar, crimes de responsabilidade, o presidente da República ou outras autoridades, como os ministros do STF, para pedir o impeachment deles.
Atualmente, qualquer cidadão pode apresentar o pedido à Câmara, no caso dos presidentes, ou ao Senado, para solicitar o impeachment de autoridades como ministros do Supremo. Isso acaba no anteprojeto, que prevê como “legitimados” para fazer esse tipo de denúncia apenas partidos que tenham parlamentares no Congresso, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidades de classe e sindicatos existentes há mais de ano.
Denúncias por parte de cidadãos só poderão ser apresentadas se forem juntadas, para cada uma, 1,5 milhão de assinaturas de eleitores. Esse é o mesmo apoio necessário para apresentar ao Congresso um projeto de lei de iniciativa popular – o que corresponde a 1% do eleitorado.
“Uma coisa é apresentar uma denúncia, se lança um abaixo-assinado e se colhem 2 milhões de assinaturas, como nós conseguimos no caso do impeachment de Dilma Rousseff. Outra, completamente diferente, é esse tanto de assinaturas ser requisito para apresentar”, diz Janaina Paschoal. A autenticidade das assinaturas tem de ser verificada, ao contrário das de um abaixo-assinado.
Projetos de iniciativa popular dificilmente tramitam e avançam no Congresso justamente pela dificuldade não apenas em colher as assinaturas, como também em comprovar que são autênticas. Isso aconteceu com a Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010. Apesar de ter recebido 1,6 milhão de assinaturas, para driblar as dificuldades de conferência das assinaturas, a proposta foi "apadrinhada" por parlamentares, que a apresentaram na forma de projeto de lei comum.
Além de reduzir o poder do cidadão comum, o anteprojeto da nova lei do impeachment também diminui o poder do presidente da Câmara. Atualmente, ele decide sozinho se aceita ou não o pedido de impeachment de um presidente e analisa a denúncia pelo tempo que achar necessário.
Pelo anteprojeto, ele terá 30 dias para decidir se aceita ou se arquiva os pedidos – se nada fizer, haverá um “arquivamento tácito”. Se houver arquivamento, caberá recurso para a Mesa Diretora, composta por outros parlamentares de partidos que compõem a cúpula da Câmara. Da decisão da Mesa, ainda caberá recurso ao plenário, formados por todos os deputados.
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