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Projetos engavetados

Promessas de “corte na carne” para financiar combate à pandemia fracassam no Congresso

Então presidente da Câmara, Rodrigo Maia fala sobre covid, em março de 2020
Então presidente da Câmara, Rodrigo Maia fala sobre covid, em março de 2020 (Foto: Agência Câmara)

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O "corte na carne" ficou na promessa. Propostas para retirada de recursos da classe política e transferência destas verbas para a rede pública de saúde, que se repetiram aos montes no início da pandemia de coronavírus, não avançaram no Congresso Nacional. Passado quase um ano do começo da crise da Covid-19, as proposições de "corte na carne" acabaram se acumulando nas gavetas virtuais da Câmara e do Senado.

As proposições continham ideias como repasse dos recursos do Fundo Eleitoral para o Sistema Único de Saúde (SUS); a autorização para que partidos pudessem doar as verbas do fundo partidário, que hoje só podem ser utilizadas em suas atividades internas; o corte de salários de deputados federais e senadores; e também a diminuição dos vencimentos dos servidores do Congresso Nacional, sob a alegação de que as casas legislativas teriam o funcionamento reduzido.

Nenhuma das propostas com estes teores chegou a ir a votação. Os projetos não superaram nem sequer as barreiras iniciais da tramitação no Congresso, como a designação de um relator. Alguns foram apensados a projetos antigos — "apensar", no jargão do Legislativo, significa unir duas ou mais propostas de caráter semelhante, de forma a evitar trabalhos repetitivos.

Um desses apensamentos ocorreu com o projeto 646/2020, de Felipe Rigoni (PSB-ES), Tabata Amaral (PDT-SP) e outros parlamentares, que autorizava partidos a repassarem recursos dos fundos eleitoral e partidário. A iniciativa foi apensada a uma proposta de 2019, que havia sido apensada a outra de 2007, que fora apensada a outra de 2017, e esta de 2017 não teve tramitação significativa nos últimos anos.

"Os projetos foram todos engavetados. Eles diziam 'legal, ótimo', mas não deixavam avançar. Quem pauta os projetos é o presidente da Câmara, e o presidente pauta o que tem consenso. Então os líderes pressionavam para votar o que eles entendiam como prioritário, e não eram essas propostas", afirmou o líder do Novo, Vinícius Poit (SP), que foi também um dos autores do PL 646/2020.

O presidente da Câmara no ano passado era Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele não chegou a se opor formalmente às iniciativas de "corte na carne", mas em mais de uma ocasião declarou considerar injusto que a cobrança ficasse exclusivamente sobre os membros do Legislativo ou sobre a classe política.

Então comandante do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) deu em abril do ano passado declaração de sentido semelhante: "não podemos voltar a essa discussão neste momento, quando 250 vezes mais do que o orçamento destinado à democracia já foram aplicados por medidas do governo, do Congresso brasileiro. Então é só uma conta: 250 vezes [mais recursos] já foram liberados. Será que esses R$ 2 bilhões do financiamento da democracia, são eles que são fundamentais para o combate à pandemia, enquanto todos nós temos nos dedicado à defesa dos brasileiros?".

Os R$ 2 bilhões citados por Alcolumbre já haviam entrado no debate público em 2020 antes mesmo do início da pandemia. A verba, do fundo eleitoral, fora sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro e a decisão foi contestada até mesmo por parte dos apoiadores do presidente, que são contrários à destinação de recursos públicos para campanhas políticas.

Além de uma escolha de prioridades, as dinâmicas vividas por Câmara e Senado nos meses que sucederam o início da pandemia também contribuem para o "engavetamento" das iniciativas. As primeiras semanas após a deflagração da crise sanitária foram de impasse sobre se o Congresso teria ou não sessões e votações.

Depois de implantados os sistemas virtuais de Câmara e Senado, as duas casas se viram na obrigação de negociar com o governo propostas de cunho mais urgente, como o "orçamento de guerra", o auxílio emergencial e, mais recentemente, a vacinação. Houve ainda eleições, tanto as municipais quanto as internas do Congresso, que centralizaram as atenções por algumas semanas.

"É claro que se tivéssemos destinado mais recursos para o combate à pandemia, poderíamos ter evitado mais mortes. Mas é importante colocar também que o Legislativo aprovou todas as propostas enviadas pelo governo sobre o tema, e também algumas de iniciativa própria", destacou o deputado Fábio Trad (PSD-MS).

Até que ponto fez falta?

O Brasil contabilizou recentemente 250 mil mortes por Covid-19. O presidente Bolsonaro alega que suas responsabilidades para o combate à doença foram limitadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto adversários do chefe do Executivo, como opositores no Congresso e o governador João Doria (PSDB-SP), culpam o governo federal pelo que consideram uma má gestão de crise.

Em meio a esse debate, a contribuição real dos recursos do "corte na carne" é incerto. Coordenador adjunto da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Getúlio Vargas Júnior acredita que é difícil especificar se a realidade seria diferente se o Brasil dispusesse das verbas do fundo eleitoral e do salário dos congressistas, por exemplo. Mas ele avalia que o país vive, hoje, uma crise causada pela falta de recursos para a saúde pública.

"O financiamento tem sido um dos grandes gargalos da saúde. A gente entende que algumas medidas poderiam ser tomadas. Não me atreveria a dizer que é desse lugar [fundo eleitoral] que estariam os recursos necessários, mas isso não impede que algumas coisas sejam repensadas", declarou Vargas.

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