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Governo terá de encarar desafios no Congresso nos próximos meses, da aprovação de Medidas Provisórias, pedidos de CPI a audiência de autoridades| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Após 100 dias no cargo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) partirá nesta terça-feira (10) rumo a longa jornada à China deixando iniciativas do governo ainda na dependência dos humores dos parlamentares para avançar. Ainda com dificuldade em conquistar base parlamentar sólida e movido pela obsessão por obter recursos extras do Orçamento federal para tocar obras públicas, o petista encontra um "campo minado político" no Congresso, com mais entraves do que aberturas para aprovar matérias prioritárias, como a reforma tributária e mudanças regulatórias.

A primeira e mais complicada parte desse "campo minado político" no Parlamento vem das legendas de oposição PP e PL. Elas explicitam divergências especialmente sobre a agenda econômica do governo.

Contra as vontades de Lula, a relatoria da Comissão Mista de Orçamento (CMO) no Congresso ficou com o deputado Luiz Motta (PL-SP). Isso pode tornar a aprovação de propostas do Planalto mais difícil.

A relatoria do novo arcabouço fiscal, em substituição ao teto de gastos, está, por sua vez, com o deputado Claudio Cajado (PP-BA) e a da reforma tributária está, por hora, com Agnaldo Ribeiro (PP-PB), na comissão especial. Ambas as pautas podem garantir ou não a "sobrevivência política" do governo de Lula.

Para vencer seus desafios, os articuladores governistas terão de dar expediente extra e tentar garantir a confirmação da proposta apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para criar um novo mecanismo de controle de gastos.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já afirmou que o projeto requer “ajustes e negociações”. “Seria contraditório a oposição votar contra a âncora fiscal”, desafiou o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) nesta segunda-feira (10) à Novabrasil FM.

Parlamento resiste aos ataques de Lula à Lei das Estatais e ao Marco do Saneamento

O governo ainda tem pela frente reações legislativas contra suas ações para relaxar a Lei das Estatais (que dificulta apadrinhamento de cargos e corrupção em empresas públicas), desfigurar o Marco do Saneamento (que impedia estatais de atuarem sem licitação) e endurecer a legislação sobre posse e porte de armas. Sem falar dos pedidos de impeachment de Lula que seguem chegando à mesa de Lira.

Nas negociações das pautas de interesse de Lula, o Congresso cobra rapidez do governo para transferir recursos do Orçamento diretamente para prefeituras. A negociação política prevê que essa transferência ocorra por meio das chamadas "emendas Pix", criadas pela PEC da Transição e que podem chegar a R$ 10 bilhões este ano. O Planalto está sofrendo pressão para desembolsar esses valores, mas não fez o cronograma.

O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) exigiu que cada município informe a política pública na qual a verba "Pix" se encaixa, visando “ampla transparência”. Mas, isso não muda uma característica fundamental desse tipo de transferência: ela ocorre sem o controle do Executivo.

Lula anda por "campo minado político" para conseguir aprovação de arcabouço fiscal

Aprovar o novo arcabouço fiscal no Congresso será um importante teste de governabilidade para Lula. Primeiro porque o tempo joga contra. Se ele não for aprovado este ano, o orçamento de 2024 continuará regido pelas regras fiscais ainda em vigor. Mas, a aprovação exigirá muita articulação política e a oferta de cargos em ministérios, estatais e autarquias e verbas federais.

O governo aposta que, se as iniciativas avançarem, suas contas sairão do vermelho em 2025 e a dívida se estabilizará em 2026.

O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PP-PI), afirmou que irá apoiar todas propostas do governo que sejam do interesse dos cidadãos, mas sem abrir mão de convicções. “As reformas macroeconômicas e regulatórias aprovadas pelo Parlamento a partir de 2016 salvaram o país da insolvência, modernizaram o Estado e deram perspectiva de prosperidade aos brasileiros. Por isso, temos a obrigação de resistir a retrocessos”, disse.

Arthur Wittenberg, professor de políticas públicas do Ibmec-DF, acredita que, apesar de a proposta de novo arcabouço fiscal ter sido inicialmente bem recebida pelo Congresso e pelo mercado, ainda é preciso conhecer melhor os seus detalhes e observar como ela será mudada em votações no Congresso. “A economia segue em desaceleração e os próximos passos do Congresso serão fundamentais para definir os rumos dela neste ano”, afirmou.

Equipe econômica do governo tenta mostrar otimismo

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem dito que está otimista com o andamento das reformas propostas pelo governo no Congresso. Durante a sua apresentação na conferência BTG Pactual CEO em São Paulo, no último dia 15, ele citou como positiva a recepção de parlamentares à Medida Provisória (MP) 1160/23, que permite à Fazenda Nacional desempatar votações a favor da União no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tribunal que julga recursos de contribuintes contra autuações do Fisco antes de os processos irem à Justiça.

Essa medida, contudo, sofre resistência explícita de deputados e senadores e deverá ser modificada. Em 2020, o Congresso aprovou o fim desse chamado “voto de qualidade”, que a MP editada por Lula resgatou. A MP do Carf está na lista das quatro MPs que serão votadas pela Câmara e pelo Senado, após acordo celebrado pelo governo, mesmo sem acerto definitivo sobre o rito de tramitação delas no Congresso. Ainda serão apreciadas em comissões mistas a MP do Bolsa Família, a do Minha Casa, Minha Vida e a da reestruturação dos Ministérios.

Para efetivar a volta das comissões mistas na tramitação regular das MPs, o governo admitiu alguns arranjos para viabilizar a aprovação de sete das 13 iniciativas que fez desde janeiro. “Algumas medidas provisórias vão ser projetos de lei de urgência e outras podem virar emendas às demais originais. Exemplo: o novo auxílio gás pode ser uma emenda na medida provisória do Bolsa Família”, disse o ministro Padilha em 4 de abril.

Nesse esforço, o governo também acabou cedendo espaços inicialmente à Câmara em assuntos que mexem na reorganização da Administração Federal e em mecanismos de controle. Relatores indicados pelos partidos poderão propor alterações nos textos das MPs. Nesse sentido, deputados ruralistas já se movimentam para reverter mudanças de Lula no Ministério da Agricultura, como a ida da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para outros ministérios.

CPIs também são elementos do "campo minado"

Além dos projetos prioritários do governo que o Congresso terá de analisar, há também questões críticas a serem tratadas com senadores e deputados, como a iminente instalação de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e a confirmação de futuros indicados para substituir ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Pelo menos na questão das vagas na Suprema Corte, líderes partidários acreditam que Lula não terá dificuldades para apresentar Cristiano Zanin, o seu advogado nos processos da Operação Lava Jato, como primeira das duas indicações que fará este ano. A oposição promete ser firme na sabatina do Senado, mas não tem votos para barrá-lo.

No âmbito das negociações em torno da governabilidade, o Planalto segue de perto as articulações de Arthur Lira para formar um novo bloco partidário na Câmara que, caso seja confirmado, contará com os 173 deputados de União Brasil, PSB, PDT e PP. A movimentação busca fazer frente ao bloco recém-criado com MDB, PSD, Republicanos e Podemos, no total de 142 parlamentares. Nas duas investidas, o PL, legenda de Jair Bolsonaro e antigo aliado do PP, fica isolado com sua bancada de 99 integrantes.

Os partidos que negociam a aliança com o PP buscada por Lira controlam sete ministérios e podem beneficiar o Planalto. A formação dos blocos visa garantir protagonismo em projetos importantes e fortalecer partidos nas trocas com o governo.

CPIs e audiências públicas criam embaraços adicionais

O "campo minado político" tem ainda convocações de ministros para audiências públicas na Câmara e no Senado. Ao todo, 25 dos 37 ministros de Lula foram convidados. Suas explicações aos parlamentares podem gerar novos ruídos na negociação de projetos de interesse do governo.

Não há data certa para a maior parte dos convites, que tratam da busca de informações sobre planos dos titulares para suas respectivas pastas. A expectativa é que, em acordo com lideranças do governo na Casa, a maioria dos convidados compareça.

Neste campo minado de dificuldades para o governo, a oposição está buscando a aprovação de duas Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito (CPMIs). A primeira será a que trata dos atos de 8 de janeiro em Brasília. A outra tem como objetivo investigar os recentes acontecimentos envolvendo organizações criminosas no Brasil, incluindo os ataques no Rio Grande do Norte, sendo que a coleta de assinaturas para viabilizá-la avança desde a semana passada. O senador Eduardo Girão (Novo-CE) ressaltou que “ao apresentar requerimentos para investigar a verdade nestes dois fatos determinados, o Congresso atende a um clamor da população”.

Para dificultar o deslocamento das forças de Lula pelo "campo minado" no Congresso, ainda há o fogo amigo do Partido dos Trabalhadores. O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) não só critica a independência do Banco Central (BC) na condução da política monetária, como também se colocou contra a proposta de novo arcabouço fiscal apresentada por Haddad. Ele afirma que ela pode inibir a atuação do governo e aprofundar a crise econômica.

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