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A abertura dos trabalhos do Congresso Nacional, na segunda-feira (3), foi marcada por discursos de sintonia e elogios mútuos entre o Palácio do Planalto, a Câmara e o Senado. Mas declarações posteriores do presidente Jair Bolsonaro; dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); e de outras figuras de relevo em Brasília indicam que as agendas do Congresso e do governo colidem entre si – ou ao menos não coincidem – em muitos projetos que cada instituição considera prioritários para 2020.
A Gazeta do Povo elencou quais são as propostas em que o governo e o Congresso concordam serem prioritárias; e as que apenas os parlamentares ou o Planalto consideram muito importantes. O levantamento indica quais são os projetos do governo Bolsonaro que têm mais chances de serem aprovados em 2020 por serem consensuais e os que terão mais dificuldade de entrar na pauta. Também mostra os temas que o Congresso pode votar independentemente da vontade do Planalto.
Projetos que o governo e o Congresso consideram prioritárias
1. Reforma tributária
A simplificação no sistema da cobrança de impostos aparece como prioridade nos pronunciamentos e entrevistas de praticamente todos os membros do governo e do Congresso, inclusive de alguns que fazem oposição à gestão Bolsonaro.
O projeto da reforma foi explicitamente citadp na mensagem presidencial lida na abertura do ano legislativo. Também aparece em uma lista de prioridades elencada por Alcolumbre em um documento sobre o reinício dos trabalhos do Congresso.
No dia da reabertura dos trabalhos, o ambiente era de otimismo em torno da aprovação da reforma tributária ainda no primeiro semestre.
O consenso em torno do tema, entretanto, não impede debates sobre o modelo de reforma a ser implantado e também sobre como o Congresso discutirá o tema. A expectativa é para a criação de uma comissão conjunta entre Câmara e Senado, e que esse colegiado receba sugestões sobre o tema enviadas pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. De todo modo, a reforma tributária aparecia nas prioridades de Executivo e Legislativo desde que a reforma da Previdência foi concluída, no segundo semestre do ano passado.
2. Projetos do plano Mais Brasil
O conjunto com três propostas de emenda à Constituição (PECs) batizado pelo governo de Plano Mais Brasil foi apresentado pelo ministro Paulo Guedes em novembro de 2019, e tramita com status de prioridade no Congresso desde então.
As propostas enfocam a revisão do pacto federativo, a desvinculação de fundos públicos e medidas “emergenciais”, que reduzem despesas obrigatórias do governo para abrir caminho a novos investimentos.
A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), chegou a dizer que seria “irresponsável” se colocasse em pauta no colegiado outros projetos à frente do Mais Brasil.
3. Reforma administrativa
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, citou a reforma administrativa entre as pautas que considera prioritárias para o Congresso em 2020. O projeto é rotineiramente mencionado também pelo governo como algo essencial para o realinhamento das contas públicas, uma vez que pode reajustar o peso do funcionalismo no orçamento federal.
O consenso, porém, não impede um impasse em torno do tema: o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse na segunda-feira (3) que apenas “parte” do governo deseja a reforma e criticou o Executivo por ainda não ter submetido o projeto ao Congresso.
4. Marco Legal do Saneamento
O projeto de lei que estimula a participação do setor privado no fornecimento de saneamento básico foi aprovada pela Câmara em 20 de dezembro e, agora, o projeto está sob análise do Senado. Alcolumbre indicou interesse em colocar o tema para votação nos primeiros meses de 2020. O Marco Legal foi mencionado na mensagem de Bolsonaro como um tema que atende “às legítimas inspirações da sociedade brasileira”.
5. Privatização da Eletrobras
Mencionada por Alcolumbre e por Bolsonaro como prioritária para 2020, a venda da estatal de energia tramita no Congresso desde o governo de Michel Temer (MDB) e pode ser concluída nos próximos meses.
O interesse em efetivar o negócio, porém, precisará superar impasses que marcam o processo, como a resistência dos servidores da empresa – o que é ainda mais relevante em ano eleitoral – e dificuldades de se estabelecer um valor para o preço das ações da companhia.
6. Marco Legal das PPPs
Alcolumbre espera que o Senado aprove em 2020 um projeto que cria novas regras para as parcerias público-privadas (PPPs), como uma espécie de seguro para as empresas que aderirem ao projeto e outras normas de garantia. O governo vê na regulamentação das PPPs um mecanismo para estimular a participação do setor privado em projetos de benefício público, especialmente para o setor de infraestrutura.
Projetos que o governo quer, mas o Congresso não vê como prioritárias
1. Independência do Banco Central
Proposta almejada especialmente pela ala do governo mais relacionada ao liberalismo econômico, a independência do Banco Central foi também mencionada na mensagem de Bolsonaro ao Congresso como um tema prioritário para 2020.
O projeto, porém, não encontra eco na Câmara. Rodrigo Maia disse, em dezembro, que é favorável a uma proposta que determine a autonomia do banco: “Autonomia não é independência. Na autonomia, o governo encaminha a proposta, o Banco Central executa e depois presta contas ao Senado por que cumpriu e por que não cumpriu [as diretrizes]”.
2. Plano Mansueto
O Plano de Promoção de Equilíbrio Fiscal – chamado de “Plano Mansueto” por ter sido idealizado pelo secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida – cria novas regras para que o governo federal auxilie estados e municípios em crise.
Sua transformação em lei foi citada na mensagem Presidencial de Bolsonaro ao Congresso. A proposta, porém, está engavetada no Congresso. A iniciativa chegou à Câmara em junho e, desde então, aguarda a instalação de uma comissão para começar a tramitar.
3. Privatizações (com exceção da Eletrobras)
A agenda do “Estado mínimo” defendida por Paulo Guedes e outros membros do governo não encontra tanto apoio no Congresso Nacional. Com exceção da Eletrobras, a venda de outras estatais – como a Casa da Moeda e os Correios – deve ter vida difícil no parlamento porque 2020 é um ano eleitoral.
4. Projetos da agenda de costumes
O presidente da Câmara, Rodrigo Mais, declarou, ainda em 2019, que “não há qualquer previsão” de que a casa vote o projeto Escola Sem Partido ao longo de 2020.
A iniciativa é uma entre várias que formam a chamada agenda de costumes, conjunto de ideias do campo comportamental defendidas por Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Proposições dessa natureza, como as que buscam restringir o aborto e as drogas, não avançaram muito em um ano em que o Congresso se dedicou principalmente à reforma da Previdência. Com outras propostas econômicas já pontificando como temas favoritos para 2020, é pouco provável que o Congresso aborde a agenda de costumes ao longo do ano.
5. Mineração em terras indígenas
O presidente Bolsonaro assinou, na quarta-feira (5), um projeto que regulamenta a mineração em terras indígenas e disse esperar que o parlamento aprove a iniciativa. A proposição, se avançar na pauta do Congresso, deve ser alvo de grandes retaliações. O fato de Rodrigo Maia já ter criticado o desempenho do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, colabora para que a Câmara não tenha tanto interesse em avançar no assunto.
Propostas que o Congresso quer, mas que não estão no radar do governo
1. Prisão para condenados em segunda instância
Apesar de o tema ter bastante apoio no Congresso, inclusive entre representantes do bolsonarismo, não terá um aval explícito do presidente da República. Bolsonaro disse em dezembro que não iria “interferir” no debate sobre a proposta no Congresso. Na Câmara, a comissão que debate o assunto é presidida por Marcelo Ramos (PL-AM) e tem como relator Fábio Trad (PSD-MS).
2. Mudança na escolha de ministros do STF
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, colocou entre suas prioridades para 2020 a discussão de uma PEC que modifica os critérios para escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Em vez de uma escolha do presidente da República, a decisão seria tomada a partir de uma lista tríplice. A PEC também determina que os magistrados tenham mandato de dez anos de duração; hoje o cargo de ministro do STF não tem limitação de tempo, encerrando-se apenas com a aposentadoria compulsória (aos 75 anos).
A proposta não deve ter tramitação acelerada no Legislativo, mas conta com a simpatia de parlamentares de diferentes partidos. Por parte do governo, não figura entre as prioridades. Há inclusive quem veja na proposta uma tentativa de enfraquecer o presidente Bolsonaro.
3. Projetos da área social
A Câmara deve discutir em 2020 um conjunto de projetos para a área social que foi apresentado no segundo semestre do ano passado por um grupo de deputados liderado por Tabata Amaral (PDT-SP).
Os projetos de lei contemplam assuntos como saneamento, reajuste no Bolsa Família e reformulação na governança do Sistema Único de Assistência Social (Suas).
À época da apresentação da proposta, o conjunto de sugestões foi interpretado como um posicionamento da Câmara em um campo no qual o governo federal estava ausente.