A proposta de emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo, enviada pelo governo ao Congresso Nacional em novembro, ainda não progrediu no Legislativo. A iniciativa é vista pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como um mecanismo de “transformação do Estado” e “política social”, mas deve ter sua tramitação avançada apenas no ano que vem. Enquanto o projeto não evolui, o Congresso investe em outras pautas de cunho municipalista - e conta com um raro grau de consenso em torno das sugestões.
Uma delas é a PEC 391, que determina mais recursos para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A proposta esteve na pauta de votações da Câmara na segunda (9) e na terça-feira (10) e, mesmo sem ser submetida à análise definitiva dos deputados, é vista com bons olhos pela maior parte dos parlamentares.
“Acho que essa proposta vai ser votada por uma quase unanimidade”, afirmou o relator da PEC na Câmara, o deputado Júlio César (PSD-PI).
Para deputados e senadores, o Congresso passa por um momento de fortalecimento das políticas de descentralização. A sentença “mais Brasil, menos Brasília” fez parte do discurso de Jair Bolsonaro durante o período eleitoral de 2018 e foi também fomentado pelas políticas de Guedes. Além disso, o fato de 2020 ser ano de eleições municipais contribui para que o parlamento reforce o foco nas gestões das cidades.
O que a proposta prevê?
A PEC 391 aumenta em 1% o repasse de recursos do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados ao FPM. Isso corresponde, já no primeiro ano de vigência da proposta, a R$ 1,3 bilhão. Ao longo de quatro anos, a expectativa de ganho adicional é de R$ 10 bilhões.
O FPM é remetido a todos os municípios do Brasil e , em muitos deles, corresponde à quase totalidade das verbas que os prefeitos têm à disposição. A ampliação de recursos do FPM é uma demanda constante de prefeitos e lideranças ligadas às gestões municipais, como a Confederação Nacional de Municípios (CNM). A defesa da aprovação da PEC 391 fez parte da pauta de uma jornada de mobilização que a CNM promoveu em Brasília no início do mês.
A PEC 391 foi apresentada em 2017, com autoria do hoje ex-senador Raimundo Lira (MDB-PB). Na ocasião, teve tramitação fácil: foi aprovada por unanimidade no primeiro e no segundo turnos de votação, que ocorreram no mesmo dia. O clima de consenso do Senado, entretanto, não se transformou em velocidade na Câmara. A comissão especial que debateu a PEC só se instalou em 2019.
“O trabalho que está sendo feito em torno da PEC 391 tem conexão com o que o próprio governo Bolsonaro fala, que é o fortalecimento do pacto federativo”, disse Júlio César.
Redução de municípios, a pedra no sapato
O deputado do Piauí acredita que a PEC do governo federal sobre o pacto federativo tende a não sofrer muitas rejeições no Congresso Nacional. “Menos no que diz respeito à extinção de municípios, no que sou contra”, disse.
A extinção dos municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria inferior a 10% da receita total foi, com folga, o ponto mais controverso da proposta para o pacto federativo elaborada pelo governo federal. A sugestão visa trazer economia aos cofres públicos - principalmente acabar com cargos, como os de prefeitos e secretários, em municípios que não se sustentam financeiramente.
Mas a proposta é contestada por diferentes setores, sob as alegações de que a presença de um número maior de municípios proporciona melhores serviços públicos aos cidadãos, por conta da proximidade entre a população e os administradores.
A ideia de extinguir municípios despertou reações até mesmo de lideranças que têm apoiado o governo. Já a oposição trata a iniciativa como um “bode na sala” - aquele tipo de sugestão sabidamente impopular inserida em um contexto maior, para dar a impressão que o restante das propostas não são tão danosas.
Os oposicionistas no Congresso têm centrado foco contra outra proposição da PEC do pacto federativo, que á a unificação de saúde e educação como uma despesa só. Hoje, os municípios são obrigados a destinar 15% de seus recursos para a saúde e 25% para a educação; pela proposta, o compromisso passaria a ser de gastar 40% nas duas rubricas, independentemente do quanto for destinado para cada área em especial. A explicação do governo para a iniciativa é a diferente realidade que marca os municípios brasileiros.
A PEC do pacto federativo prevê ainda a destinação, em 15 anos, de R$ 400 bilhões para os governos estaduais e municipais.
Outros projetos
O “momento municipalista” do Congresso se estende a outras iniciativas. Uma proposta em pauta é um projeto de lei que prorroga, em 13 anos, a obrigatoriedade de estados devolverem créditos do ICMS para empresas exportadoras. A proposta supre as perdas dos entes públicos ocasionadas pela Lei Kandir, que retira a cobrança de tributos - e, portanto, diminui a arrecadação - para produtos exportados. A proposta teve seu regime de urgência aprovado na última quarta-feira (4).
Ainda em novembro, a Câmara aprovou outra PEC que permite à União transferir recursos de emendas parlamentares a estados e municípios sem vinculação a uma finalidade específica. A PEC ainda precisa passar pelo Senado.