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A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permite ao Congresso Nacional derrubar decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou fôlego nesta semana - com o apoio de diversos partidos e bancadas -, e foi protocolada nesta quarta-feira (27) com 175 assinaturas. A expectativa agora é que a PEC 50/2023 avance na Câmara.
A chamada "PEC do equilíbrio entre os poderes" foi proposta pelo deputado Domingos Sávio (PL-MG) para conter os excessos dos ministros do Supremo Tribunal Federal em temas que são de competência do Legislativo, segundo explica o parlamentar.
A proposta altera o art. 49 da Constituição Federal para estabelecer a possibilidade de o Congresso Nacional sustar, por maioria qualificada dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, decisão do Supremo Tribunal Federal transitada em julgado, que extrapole os limites constitucionais.
Assim, Sávio explica que a PEC tem um caráter "educativo", para que se cumpra o que a Constituição estabelece, que é o princípio dos pesos e contrapesos, ou seja, "um poder é sempre moderado por outro poder".
"Isso já existe na relação entre o Legislativo e o Executivo, já existe na relação do Judiciário sobre o Legislativo - se um deputado comete um crime, ele pode e deve ser preso, se o Congresso aprova um projeto de lei inconstitucional, o Supremo tem o poder de revogar. E se o Supremo, através de alguns de seus ministros, toma uma decisão inconstitucional, fazer o quê? Não ficou remédio na Constituição para isso", afirma o deputado.
Além disso, Domingos Sávio garante que a proposta não tira prerrogativas e não afronta o STF, mas diz que quando a decisão da Corte extrapolar os limites constitucionais, o Congresso poderá por maioria constitucional e qualificada, de 3/5 em dois turnos de votação na Câmara e no Senado, revogar essa decisão do STF.
"Caso aprovada a minha PEC, nós estaremos criando um remédio para evitar abusos do Supremo, mas um remédio que só será usado em situação absolutamente extrema, por isso não é um remédio que um deputado, um partido ou um pequeno grupo se arvore a querer revogar decisão do Supremo", explica.
Para o parlamentar, se aprovada a proposta, será o instrumento legislativo mais difícil de ser aplicado. Caso a PEC seja aprovada, para sustar uma decisão do STF, será preciso protocolar Projeto de Decreto Legislativo (PDL), apresentado por 1/3 dos membros da Câmara e do Senado, ou 171 deputados e 27 senadores. Depois disso, o PDL terá que ser aprovado nas duas, em dois turnos, com 3/5 em cada uma delas (308 deputados e 49 senadores).
"Eu estou propondo algo com muita responsabilidade. Qual efeito prático? Ao invés de estar hoje, se sentindo à vontade para legislar sobre o que ele [STF] acha que deve, mesmo não estando escrito na lei, ele passará a ter mais prudência, coisa que não está havendo".
Deputados apoiam ideia de revisão de decisões do STF
As recentes decisões dos ministros do STF de derrubar o marco temporal e pautar as discussões sobre legalização de drogas e do aborto até a 12ª semana de gestação contribuíram para uma reação de parte dos deputados, de tendência mais conservadora, e que criticam a discussão pela Corte de temas da chamada pauta de costumes.
Tanto é que a "PEC do equilíbrio entre os poderes" foi um dos temas destacados pelo movimento de obstrução de votações no plenário e comissões da Câmara nesta semana, com declarado apoio de partidos de oposição e integrantes de bancadas de diversos segmentos. Eles afirmam que decidiram dar um basta ao que muitos chamam de "usurpação" pelo Supremo do Congresso Nacional.
O líder da oposição na Câmara dos Deputados, Carlos Jordy (PL-RJ), é um dos que defendem a proposta. "Não podemos permitir que aqueles que não tiveram um voto sequer queiram se imiscuir na nossa atividade parlamentar e legislar em nosso lugar".
Vice-líder do PL, o deputado Alberto Fraga (DF) também defende um "basta" nos excessos do STF e é um dos que assinaram a proposta de Domingos Sávio. Segundo ele, os deputados querem que o Supremo "pense duas vezes" antes de tomar decisões que, na visão do Legislativo, não são de competência da Corte.
Especialistas dizem que discussão sobre PEC deve ser tratada com cautela
Juan Carlos Rodrigues, do Ranking dos Políticos, avalia a "PEC do equilíbrio entre os poderes" precisa ser analisada com cautela. Segundo ele, a interferência do Supremo Tribunal Federal em casos que deveriam ser tratados pelo Congresso deve ser discutida, porém, ele diz que ainda não tem certeza se a PEC é a melhor solução.
"É crucial reconhecer a importância de discutir e analisar profundamente as questões relacionadas às competências dos poderes. Precisamos buscar alternativas que garantam a harmonia e a eficiência do sistema, sem comprometer os princípios fundamentais da democracia e do Estado de Direito", afirma Rodrigues.
Segundo ele, é necessário que haja um debate amplo e inclusivo, envolvendo especialistas, sociedade civil e os próprios representantes dos poderes. "Somente assim poderemos encontrar soluções que sejam verdadeiramente benéficas para o país e para o seu futuro", destaca.
Já o analista Adriano Cerqueira, da Universidade Federal de Ouro Preto, acredita que a PEC pode ser uma espécie de "troco institucional" do Congresso contra as intervenções cada vez maiores do Supremo no Legislativo, e contra o ativismo judicial que tem gerado insatisfação nos deputados e senadores.
"O STF tem adotado postura de ser legislador, algo que era criticado pelo ministro aposentado Marco Aurélio Mello, o que acaba gerando insatisfação", salienta o professor de Ciências Políticas Antônio Henrique Lucena.
Para o advogado Kauê Vernice, a possibilidade do Congresso aprovar uma PEC como essa é remota. Segundo ele, "autorizar o Congresso a sustar decisões do STF, estenderia ao Congresso Nacional a competência para o exercício de controle de constitucionalidade, competência esta que é típica e exclusiva do Supremo Tribunal Federal".
Ideia de derrubar decisões do STF começou em 2022, diz autor de PEC
Sávio conta que propôs a PEC em maio de 2022, mas, em meio às dificuldades de um ano eleitoral, tomado pelos embates políticos, ele não conseguiu reunir o número de assinaturas suficientes para avançar - para protocolar uma Proposta de Emenda Constitucional é preciso apoio de 1/3 dos deputados, o que equivale a 171 assinaturas.
Como houve mudança na legislatura, em março deste ano foi preciso começar do zero, segundo o deputado, num trabalho de convencimento entre os parlamentares para apoiar a proposta, que até o início desta semana tinha aproximadamente 100 assinaturas.
A arrancada veio depois que o Supremo decidiu derrubar o marco temporal, que estabelece a data de 05 de outubro de 1988 para delimitação de terras indígenas.
Como parte da reação dos parlamentares às decisões do Supremo, em apenas um dia a PEC conseguiu apoio de 175 deputados e já está na Mesa da Câmara dos Deputados.
Tramitação da PEC
A partir de agora, a PEC terá que passar pela avaliação de constitucionalidade na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, e caso aprovada, será criada Comissão Especial para analisar o texto, com designação de presidente e relator.
A Comissão Especial terá o prazo de 40 sessões do Plenário para proferir parecer. Depois, a PEC deverá ser votada pelo Plenário em dois turnos, com intervalo de cinco sessões entre uma e outra votação. Para ser aprovada, precisa de pelo menos 308 votos (3/5 dos deputados) em cada uma das votações.
Aprovada na Câmara, a proposta segue para o Senado Federal, onde também precisa passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça e pelo Plenário, onde mais uma vez precisa ser votada em dois turnos, com 3/5 dos votos.
Se for aprovado o mesmo texto enviado pela Câmara, a emenda é promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.