A Marinha espera conseguir recursos adicionais para o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) em meio a um cenário de contingenciamento de recursos no governo federal. A um custo total de R$ 35 bilhões, o Prosub é o maior programa de desenvolvimento de tecnologia militar das Forças Armadas em valores absolutos.
O objetivo é construir quatro submarinos convencionais e um com propulsão nuclear – além de uma base de submarinos em Itaguaí (RJ), um estaleiro, fábricas e instalações relacionadas à produção de combustível nuclear. Uma eventual diminuição no fluxo de recursos financeiros pode atrasar a evolução do projeto.
Nesta sexta-feira (11), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) deve participar no Rio de Janeiro de cerimônia para celebrar a união das seções do casco do submarino Humaitá, que marca a fase final da construção da embarcação.
Esse é o segundo submarino que dever ser entregue pelo programa. Sua construção começou em setembro de 2013 e deve ser concluída em outubro do ano que vem. O primeiro, batizado de Riachuelo, foi terminado no final do governo do presidente Michel Temer (PMDB) e está em fase de testes no mar.
Como comparação, nos Estados Unidos, a construção de um submarino têm levado, em geral, entre quatro e oito anos, dependendo do tipo.
O orçamento do programa para 2019, que era de R$ 946 milhões, sofreu contingenciamento de R$ 131 milhões (quase 14% do orçamento planejado) – segundo dados da ferramenta Siga Brasil, do Senado, que disponibiliza dados sobre gastos públicos.
Segundo militares ouvidos pela reportagem, a Marinha teme que o contingenciamento possa passar dos 20% no ano que vem – o que pode gerar retrocessos no programa. A esperança deles é conseguir créditos suplementares, que podem ser remanejados de outros ministérios que não consigam concluir processos de licitação.
No fim do ano passado, o Prosub conseguiu cerca de R$ 500 milhões em créditos suplementares, segundo uma fonte da Marinha. Essa prática é permitida, mas depende de autorização do presidente e do Congresso. Ela vem sendo usada há anos pelas Forças Armadas, que costumam deixar projetos prontos “na gaveta” para tentar receber verbas no fim do ano de ministérios e órgãos federais que não conseguiram se organizar para gastar seus recursos.
Por que o Brasil quer submarinos novos?
Os submarinos são armas de dissuasão. Eles tornam muito mais difícil e custoso um eventual ataque naval contra a costa brasileira – até se ele partir de uma nação mais forte, que teria que usar uma quantidade muito maior de embarcações para se proteger dos submarinos, que são difíceis de se detectar e têm muito poder de ataque.
“Basicamente, esse submarino carrega torpedos, contra uma ameaça de superfície, contra uma força naval inimiga; mísseis submarino-superfície, que também são utilizados contra uma força naval inimiga, e podemos levar minas. Nós temos a capacidade de minar um porto inimigo sem sermos detectados. E também podemos levar elementos (combatentes) de operações especiais e infiltrar esses elementos em território inimigo”, disse o capitão-de-fragata Edson do Vale, comandante do Riachuelo.
O Brasil possui cinco submarinos mais antigos, que têm menor capacidade de ficarem submersos e menos armamentos. A ideia do Prosub é ir substituindo essas embarcações. O primeiro dos novos submarinos, o Riachuelo, será integrado à esquadra no ano que vem, após passar pela fase de testes.
Estão sendo construídos quatro submarinos “convencionais”, movidos a diesel, do tipo S-BR: o Riachuelo, o Humaitá, o Toneleiro (previsto para dezembro 2021) e o Angostura (dezembro de 2022). Eles são do tipo Scorpène, foram vendidos pela França, e estão sendo construídos parte em território francês e parte no Brasil. O programa envolve nacionalização de tecnologia e foi firmado em 2008, durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Sobre as atuais rusgas entre Bolsonaro e o presidente francês Emmanuel Macron, militares ligados ao Prosub disseram: “não vai ajudar”. Segundo eles, os contratos já fechados não serão afetados, mas pode ser mais difícil negociar acesso a mais tecnologia francesa.
Submarino nuclear
O quinto submarino, SN Álvaro Alberto, será movido a energia nuclear – mas não terá armas atômicas. A diferença em relação aos convencionais é que ele pode ficar muito mais tempo submerso e praticamente indetectável – até durante meses. Só precisa ir à superfície para renovar o estoque de comida dos marinheiros, pois tem combustível e sistema de purificação de ar praticamente ilimitados.
Segundo a Marinha, a estrutura metálica do submarino será uma adaptação aumentada do projeto do Scorpène. Mas o reator nuclear será inteiramente desenvolvido no Brasil – pois esse tipo de tecnologia não é vendida por nenhuma nação.
Trata-se de um equipamento muito mais complexo que o reator de uma usina nuclear, por exemplo. Enquanto o reator da usina é ativado uma vez e funciona ininterruptamente por anos gerando a mesma quantidade de energia, o motor do submarino tem que mudar sempre de potência, de acordo com os movimentos da embarcação, e ser desligado e ligado em algumas ocasiões. A maior dificuldade dos engenheiros brasileiros no momento está sendo criar formas de controlar essa energia.
Antes de ser montado em um submarino, um protótipo do motor em escala real será testado em terra no Laboratório de Geração de Energia Núcleo Elétrica (Labgene) da Marinha em Iperó, no interior de São Paulo. Mas especialistas da Marinha dizem que pode haver atrasos nessa parte do projeto.
Diante das dificuldades técnicas no Labgene, atrasos burocráticos e contingenciamento de recursos, a ideia da Marinha é tentar redirecionar verbas que seriam usadas na construção de instalações nucleares e edifícios na Base de Submarinos de Itaguaí e investi-las na produção dos submarinos convencionais.
Segundo o contra-almirante Celso Mizutani Koga, engenheiro da Marinha que gerencia a construção dos submarinos, uma das maiores preocupações é que especialistas em soldas não fiquem sem atividade por falta de recursos – pois se não atuarem constantemente, terão que passar por novos processos de treinamento, o que pode atrasar e encarecer o Prosub. Atualmente, parte deles está passando por treinamento na França.
A primeira etapa da construção do casco do submarino nuclear deve começar em 2020. A previsão inicial de conclusão da embarcação é 2029.
Projetos estratégicos
Segundo o pesquisador Carlos Eduardo Franco Azevedo, coordenador do programa de pós-graduação em Ciências Militares do Instituto Meira Mattos, ligado ao Exército, o Prosub se encaixa em uma classe de projetos estratégicos que não visam apenas desenvolver um veículo ou equipamento militar, mas sim desenvolver toda uma série de tecnologias que não são vendidas pelos países que as possuem – como a propulsão nuclear e suas tecnologias relacionadas.
Estão na mesma categoria o projeto aeroespacial da Aeronáutica para criar foguetes e satélites e o centro de defesa cibernética do Exército. Todos têm a característica de poder gerar novas tecnologias e transportá-las ao setor civil.
Em paralelo, também há projetos estratégicos para melhorar os armamentos dentro de cada força, como o a compra de caças para a Aeronáutica e a renovação da frota de blindados do Exército – que já fala em diminuir o alcance de seus projetos de tecnologia devido ao contingenciamento.
“O Prosub, por exemplo, tem uma capacidade de arrasto tecnológico imensa. Se você pensar que a propulsão nuclear tem uma série de componentes eletrônicos, tem uma série de protocolos de segurança, e uma série de tecnologias embarcadas, você começa a transbordar esse conhecimento para a segurança na área medicinal, para a segurança energética, para a conservação de alimentos”, afirmou.
Porém, Carlos Azevedo afirmou que, embora os projetos estratégicos nacionais (nuclear, espacial e cibernético) sejam muito importantes, é preciso dedicar recursos para tecnologias do século 21, como os ecossistemas de conectividade, que possibilitam, no meio civil por exemplo, a criação de veículos autônomos e cidades inteligentes. “Os militares têm que realizar inovações na área de logística, por exemplo. Será que ao invés de produzir peças de equipamentos em indústrias e depois transportá-las para a frente de combate, não poderemos produzi-las no local com impressoras 3D”, disse.
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