Os protestos de rua, fundamentais para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), foram banalizados e, hoje, vai-se à rua sem sequer saber o que se está pedindo. Essa é a opinião de Pedro D'eyrot, um dos fundadores e líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), que visitou a redação da Gazeta do Povo para divulgar o lançamento do filme “Não vai ter golpe”, que destaca a participação do movimento no processo de cassação do mandato de Dilma. Para ele, convocar manifestações para “protestar a favor” é uma irresponsabilidade, “nada inteligente”.
“Acabou banalizando os protestos de rua. A gente já tinha visto isso em 2013. É muito difícil não perder o foco. Quando você tem muita gente na rua, o tempo todo, lutando por tudo e a coisa começa a ficar desorganizada, é natural que as pessoas vejam que a quilo não está dando resultado se dispersem. A gente está vendo isso acontecer agora”, disse.
Por conta deste cenário que D'eyrot justifica a ausência do MBL das manifestações mais recentes, como a de 25 de agosto, em defesa do veto à lei do Abuso de Autoridade, da manutenção da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da indicação de Deltan Dallagnol para a Procuradoria-geral da República e do impeachment do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli.
“Existe irresponsabilidade de alguns movimentos que estão organizando atos agora, porque manifestação a favor é uma coisa que não tem muito sentido. Manifestação é lutar contra alguma coisa. O governo já está eleito e se espera que ele faça a parte política daquilo que foi eleito para fazer e não que as pessoas tenham que ir às ruas para dar uma forcinha, é uma coisa meio bizarra. A partir do momento que você fica forçando isso, a coisa não funciona e você chega a ter discrepância”, diz, lembrando que já se foi à rua para pedir a manutenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras sob responsabilidade do Ministério da Justiça e da aprovação da proposta inicial da reforma da previdência (com a inclusão das carreiras policiais), questões que o próprio governo voltou atrás posteriormente.
“É uma coisa que fica meio desconexa e é um balde de água fria para essa população que conseguiu ir para a rua e construir uma coisa tão bonita como o impeachment e, agora fica meio perdida. Isso não parece muito inteligente”, acrescenta.
"Há uma minoria muito mobilizada"
Mesmo assim, D'eyrot não enxerga que os movimentos de rua tenham sido apropriados pelos defensores do governo Jair Bolsonaro (PSL). “Foi posta para a população brasileira uma eleição em que era PT contra PSL. Então, tanto na esquerda, quanto na direita, muita gente teve que votar contra o que queria. Mas não acho que a rua tenha virado só isso, porque a massa mesmo não está lá. Você não está vendo 3 milhões de pessoas na Avenida Paulista, mas há uma minoria muito mobilizada sim, mas eles não são donos da rua”, disse.
Mea culpa pela "espetacularização"
D'eyrot também comentou as recentes declarações de lideranças do MBL reconhecendo que o movimento teve responsabilidade pela polarização do debate político no país. Ele admitiu que o movimento abusou de estratégias de espetacularização para ganhar relevância e que isso acabou prejudicando a qualidade do debate político. “A polarização em si não é uma coisa ruim, é uma coisa positiva, esse não é o problema. O problema é a espetacularização da polarização. Antes não havia polarização porque não havia uma direita definida, não havia um discurso de direita. E a partir do momento em que há um discurso de direita e um discurso de esquerda, vai polarizar, é natural e isso não é negativo. O problema é a espetacularização que houve, em que as pessoas não estão mais buscando ter um consenso, ou definir seu ponto de vista com qualidade. E a gente ajudou a deteriorar a qualidade do discurso”, disse. “Polarizar, tinha que polarizar mesmo. Mas, pela própria natureza do conflito, a gente teve que usar técnicas de espetacularização justamente para alavancar nossa projeção e nosso discurso. E como todo fenômeno, ele começa mais controlado, mas explode e ninguém mais tem controle. E é o que estamos vendo acontecer agora. Pessoas que estão usando dessa espetacularização não mais para fazer uma atividade política como um fim, mas para ter um ganho monetário. Tem várias pessoas defendendo as coisas mais absurdas porque está dando view, está dando like, está dando grana”, acrescentou.
Relação com o governo e futuro político
D'eyrot disse não haver arrependimento em ter apoiado a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), mas frisou que o MBL não é base de apoio ao governo e que também não pretende mais apoiar candidatos ele eleições majoritárias. “A gente tentou construir candidaturas alternativas, até o último momento, mas, no segundo turno, tinha que apoiar, não tinha o que fazer? Não dava para entregar o país de novo ao PT. Era melhor testar alguma coisa nova. Tinha o Paulo Guedes, que está lá ainda e que compartilha vários ideais nossos. Então, apesar dos defeitos que existem, ainda é uma alternativa infinitamente superior à alternativa da esquerda”, disse.
Questionado se sobre as recentes declarações do deputado federal Kim Kataguiri (DEM) contra o presidente e contra o também deputado Eduardo Bolsonaro (PSL) eram o sinal de rompimento do MBL com o governo, ele disse não haver rompimento porque o MBL nunca foi base. “O MBL apoiou a candidatura do atual presidente contra o PT e só isso. Nunca fomos base, nunca pegamos cargo no governo, nada. O MBL tem princípios e não mudou seus princípios. Quem foi eleito sem fundo eleitoral e, agora que tem a maior cota do fundo está mudando de ideia não foi o MBL. Nossos representantes foram eleitos sem uso de dinheiro público e estão lá militando pela mesma coisa, não mudaram seu posicionamento, e a gente tem um papel de fiscalização disso. A cada erro do Bolsonaro, toda a direita apanha junto. Então a gente tem esse papel de fiscalizar e tem que bater mesmo quando o governo faz coisa que a gente não concorda”, criticou.
D'eyrot disse que o movimento segue discutindo a possibilidade de criação de um partido próprio, mas sem muito entusiasmo por conta das restrições da legislação brasileira que, segundo ele, dificultam a transformação de grupos espontaneamente organizados em partidos políticos. Sobre as eleições municipais do ano que vem e, até já antecipando o cenário de 2022, ele disse que o movimento pretende lançar nomes apenas para o Legislativo. “Já soltamos manifesto de que não fecharemos com nenhum candidato nas majoritárias, porque não é interessante para o papel fiscalizador do movimento. Vamos lançar candidatos ao legislativo, mas essas pessoas terão que sair da organização do movimento, porque a prioridade da pessoa muda”, concluiu.
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