O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), protagonizou um embate público com o presidente Jair Bolsonaro, na última semana, por causa da produção e aquisição de uma vacina contra o coronavírus. Bolsonaro disse que "o povo brasileiro não será cobaia" e Doria rebateu pedindo ao presidente que "tenha grandeza". Enfrentamentos entre presidente e governador se tornaram uma rotina desde o início da pandemia de Covid-19.
Poucos dias antes, o líder do PSDB no Senado, Roberto Rocha (MA), divulgou em suas redes sociais um vídeo com Bolsonaro, no qual o presidente pedia votos para uma candidata do partido em Lago da Pedra (MA). "O presidente Jair Bolsonaro, muito querido no Maranhão, muito querido em Lago da Pedra", falou Rocha na gravação, em que foi chamado de "melhor senador do Brasil" por Bolsonaro.
O contraste entre as duas posições é um exemplo do relacionamento entre PSDB e Bolsonaro. Desde o início do mandato do presidente, o partido vive uma posição contraditória com o governo. Enquanto algumas lideranças tucanas defendem proximidade com o Palácio do Planalto, assim como fizeram no passado com Michel Temer, outras advogam que o partido deve se portar formalmente como uma força de oposição.
A indefinição remete a uma fama que o PSDB adquiriu logo em seus primeiros anos e que ainda persegue o partido: a de ficar "em cima do muro". A pecha se deu porque, segundo os críticos, os tucanos não tomam posição em temas mais espinhosos.
PSDB diz que é oposição, mas…
Em 15 de junho, o perfil oficial do PSDB no Twitter fez uma série de postagens críticas ao governo. Uma frase deixava uma indicação explícita: "O caminho do PSDB é a oposição ao governo Bolsonaro". O texto endossava o dito pelo presidente do partido, Bruno Araújo, em entrevista publicada pela Folha de S. Paulo três dias antes. "Ser oposição não significa não ter relação institucional, respeitosa e colaborativa com o Brasil. O PSDB não trata adversário político como inimigo", declarou.
A oposição apregoada por Araújo, entretanto, não se traduziu nos posicionamentos do PSDB no Congresso. O partido votou com o governo em 92% das votações nominais na Câmara desde o início da gestão Bolsonaro, segundo levantamento produzido pelo site Congresso em Foco. Apenas quatro partidos foram mais "governistas" do que o PSDB: PSL, Patriota, DEM e PSC.
A argumentação dos integrantes do partido para essa aderência é a de que a pauta econômica do governo Bolsonaro é similar ao que os tucanos historicamente defendem. "A linha do PSDB é a de aprovar as pautas que são importantes para o Brasil. Identificar o que é necessidade para o país, e não vinculado a um cunho ideológico. Nesses casos, o PSDB deverá não só continuar ajudando nas votações, mas também ser protagonista dos projetos", afirmou o deputado federal Domingos Sávio (MG), vice-presidente do partido.
O partido celebrou, em discursos e postagens nas redes sociais, o fato de dois de seus membros terem sido relatores de projetos de destaque aprovados pelo Congresso. O deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) foi o relator da reforma da Previdência no ano passado e o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) relatou o marco legal do saneamento básico mais recentemente.
"Não há qualquer preconceito com as pautas enviadas pelo Executivo. Votamos a favor delas quando achamos que é positivo, e votamos contra quando discordamos", reforçou o líder do partido na Câmara, Carlos Sampaio (SP).
Apoio de ala tucana ao governo é "lamentável", diz ex-presidente do PSDB
A abordagem de que o PSDB deve enfatizar o discurso de que "aprova o que é positivo, rejeita o que é negativo" é contestada pelo ex-deputado José Aníbal (SP), que foi presidente nacional do partido entre 2001 e 2003. "O PSDB não tem mais que ficar falando que apoia o que é melhor para o Brasil. Porque o PSDB sempre fez isso", declarou. Aníbal defende que o partido passe à oposição de modo definitivo.
"Acho que a sociedade espera que o PSDB faça uma oposição firme ao governo. Uma oposição consequente. Mostrando que esse governo é reacionário, atrasado, que patrocina a ignorância em todos os seus atos", destacou.
Aníbal diz considerar "lamentável" o apoio que parte do partido dá ao governo Bolsonaro. "Infelizmente isso acontece, e eu vejo muito negativamente", apontou, em referência ao senador Roberto Rocha.
O ex-deputado está ligado diretamente a outro caso de um tucano que se aproximou do governo e foi contestado por outros integrantes do partido. Em agosto, o deputado federal Celso Sabino (PSDB-PA) foi convidado para ser o líder da Maioria na Câmara. Sua indicação ao posto atendia a duas finalidades: privilegiar a parte do PSDB que é favorável ao governo Bolsonaro e retirar do posto o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), adversário do líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL).
Sabino não chegou a assumir a liderança. Mas o fato de ter aceitado o convite sem dialogar com os outros integrantes da bancada enfureceu parte do PSDB, que pediu sua expulsão do partido. Um processo foi aberto na Comissão de Ética da legenda, que teve José Aníbal como relator. Até a publicação desta reportagem, o processo não teve encaminhamentos e Sabino segue filiado ao partido.
Um argumento citado pelo deputado para contestar a tentativa de expulsão era o fato de que o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) era o vice-líder do governo no Senado e ocupava o posto sem ameaças de ser ejetado da legenda. De fato, Izalci permaneceu na função entre março de 2019 e o último dia 7 de outubro. Ele diz ter deixado a vice-liderança do governo por decisão própria e cita não ter entrado em conflito com o Palácio do Planalto. No entanto, esteve ao lado de João Doria quando o governador paulista defendeu, em Brasília, a compra da "vacina chinesa" contra o coronavírus.
E mais governista ainda do que Izalci é Rogério Marinho, que integra o governo Bolsonaro desde o início — primeiro como secretário especial da Previdência e, desde fevereiro de 2020, como ministro do Desenvolvimento Regional. Marinho foi filiado ao PSDB por mais de 10 anos e chegou a presidir o diretório do partido no Rio Grande do Norte. Ele deixou a legenda em junho deste ano.
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Eleições também causam racha no partido
A ambiguidade no posicionamento entre o PSDB e o governo Bolsonaro também se reflete nas eleições municipais de 2020. Pelo Brasil, há candidatos tucanos que querem ser vistos como representantes do presidente, e há os que estão em guerra frontal com o bolsonarismo.
Um exemplo do primeiro grupo é o da candidata Maura Jorge, a que foi contemplada com o vídeo gravado pelo senador Roberto Rocha. A tucana que quer ser prefeita de Lago da Pedra (MA) se apresenta nas redes sociais como "a representante no Maranhão do presidente Bolsonaro".
Já em outros lugares, como na cidade de São Paulo, a briga é aberta entre tucanos e bolsonaristas. O prefeito Bruno Covas (PSDB) tem como um dos principais adversários o deputado Celso Russomanno (Republicanos), que vê na proximidade com Bolsonaro um dos trunfos para avançar na disputa.
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