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Passado o primeiro turno das eleições municipais, o PSL vive seu maior dilema para 2022: como evitar que a sigla volte a ser um partido nanico. O futuro é incerto e uma solução está longe de ser simples. As disputas internas continuam e a tendência é que os diferentes lados permaneçam em pé de guerra.
A “ala bolsonarista”, fiel ao presidente Jair Bolsonaro, ainda trabalha pela volta dele ao PSL. A “ala bivarista”, ligada ao presidente nacional da sigla, o deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE), torce o nariz – principalmente o diretório paulista, que é terminantemente contra o retorno do presidente. Nos bastidores, os mais contrários a uma possível volta de Bolsonaro até ameaçam deixar o partido caso isso ocorra.
Hoje, nenhum dos dois lados tem uma solução para assegurar que o PSL permaneça um partido relevante no cenário nacional. Sem pacificação interna, o horizonte da legenda é nublado e repleto de incertezas. Os “bolsonaristas” sustentam que, sem Bolsonaro, não haverá amanhã para a legenda e ela voltará ao que era antes das eleições de 2018. Já os “bivaristas” culpam o presidente da República pelo enfraquecimento da sigla e associam o insucesso nas eleições municipais a ele. “Por mais que Bolsonaro não esteja mais no partido, sua imagem ainda é muito vinculada ao PSL e isso, de certa forma, atrapalhou – e muito”, diz um deputado.
Os “bivaristas” – que atualmente comandam o PSL – até tentam manter a cabeça erguida sob a narrativa de que, apesar dos pesares, o partido cresceu de tamanho nos municípios em relação há quatro anos.
Mas reconhecem que esse crescimento não acompanhou o acréscimo que o partido teve nos recursos dos fundos eleitoral e partidário. Ao todo, a legenda teve à disposição R$ 287,26 milhões para financiamento de campanhas. Lançou 731 candidatos a prefeituras e 20,2 mil às câmaras municipais. Elegeu 90 prefeitos – nenhum nas 100 maiores cidades do país – e 1,2 mil vereadores, obtendo 2,79 milhões de votos.
O resultado disso coloca o PSL em 16º entre os partidos que mais fizeram prefeitos e vereadores, tendo sido o 15º mais votado. Isso significa que cada voto custou cerca de R$ 102,90 – quase quatro vezes mais em relação à média das outras 14 legendas, de R$ 26,20.
A cúpula da sigla ainda se deu ao luxo de desperdiçar recursos com a candidatura do advogado Carlos Lima, que disputou a prefeitura de Recife, base eleitoral de Bivar, seu amigo pessoal. Sua campanha contou com R$ 4,3 milhões do partido e obteve 13,9 mil votos. Ou seja, em média, cada voto custou R$ 308,53 – o triplo.
Vice-presidente do PSL analisa solução para o futuro do partido
Do lado “bolsonarista”, o resultado não foi muito diferente. O apoio da família Bolsonaro a 58 candidatos foi o suficiente para eleger sete vereadores e dois prefeitos — tendo ainda outros cinco no segundo turno.
Para os "bivaristas", o fraco desempenho das candidaturas “bolsonaristas” não deixa dúvidas de que Bolsonaro é a origem dos problemas e do baixo resultado do PSL nestas eleições, avalia o deputado federal Júnior Bozzella (PSL-SP), presidente do diretório paulista e vice-presidente nacional do partido. “Poderíamos ter crescido mais se tivéssemos nos livrado da âncora bolsonarista”, disse o deputado à Gazeta do Povo.
As brigas internas e a associação a Bolsonaro são apontadas por Bozzella como a principal causa do insucesso, mesmo com tantos recursos dos fundos. “Temos – e tivemos – problemas de ordem política, partidária, de conviver com a milícia digital. No único ano que tivemos para trabalhar, o partido passou brigando”, lamenta.
Com as disputas internas, o vice-presidente do partido aponta que não conseguiram articular nenhum diretório e viabilizar candidaturas fortes. “Quando veio a eleição, tinha fundo [eleitoral e partidário] para entregar a pessoas que, praticamente, não tinham sido candidatos”, justifica.
Para Bozella, o desempenho do partido em 2022 necessariamente passa pela exclusão dos “bolsonaristas”. “Como vamos atrair pessoas minimamente coerentes e bons deputados com esses esquizofrênicos [deputados ‘bolsonaristas’] xingando o partido o dia todo? Só tem um caminho: se livrar desses ‘cavalos de Troia’.”
Para ele, o que menos importa é o como fazer isso. “Tem que dar passe livre, expulsar, fazer algo. Isso sempre seria o principal ônus que o partido teria nesse processo”, diz.
Bozzella diz que o flerte com o possível retorno de Bolsonaro ao partido não é, por óbvio, o caminho a ser seguido. “Precisamos eleger e reeleger bons deputados, governadores, vice-governadores e senadores que só virão através do afastamento do bolsonarismo. Ou o partido de uma vez por todas entra de cabeça no bolsonarismo e morre todo mundo abraçado”, alerta. “E aí, cada um faz sua avaliação, mas tenho sentimento que esse não é o caminho e a tendência.”
Para Bozzella, o “recado das urnas” foi muito claro quanto à ideia de retorno de Bolsonaro ao partido. “No fim das contas, perderam o PSL e o bolsonarismo nestas eleições. Que sirva de exemplo. Há tempo de fazermos essa reconsideração, de seguir adiante com o projeto. O PSL é uma boa embalagem, tem o seu capital político, suas bandeiras, e precisamos fazer o ajuste fino, contra tudo e contra todos.”
“Bolsonaristas” rebatem derrota e defendem retorno de Bolsonaro
A ala bolsonarista do PSL discorda de Bozzella. Diante das dificuldades de o Aliança pelo Brasil sair do papel, o ideal para integrantes ouvidos por Gazeta do Povo é que o presidente da República volte, sim, ao partido. O Aliança é o partido que Bolsonaro tentou construir do zero.
“Que futuro o PSL quer ter? Terá algum futuro sem Bolsonaro? Que amanhã seria esse? Se há a possibilidade de ele voltar, pragmaticamente pensando, é o melhor caminho”, diz um interlocutor. Para os deputados desse núcleo, o resultado ruim da legenda no pleito pode ajudar a reduzir as resistências. “Talvez agora, com o fracasso dos opositores em São Paulo, as resistências ao nome dele diminuam”, analisa um deles.
Diferentemente do que defende Bozzella, a leitura feita pelos bolsonaristas é que o presidente não fracassou nas eleições. Para eles, o presidente errou em entrar na campanha após ter dito que não faria isso. “Depois, começou a apresentar e defender candidatos sem estratégia e planejamento, resultando na narrativa de que ele perdeu”, diz um interlocutor.
Para essa ala de apoio ao presidente da República, não haveria incoerência em um possível retorno. “Pelo contrário, o discurso é muito mais confortável. Tivemos uma briga e um curto rompimento no casamento. Mas, agora, retomamos em nome do Brasil. É muito mais fácil justificar isso do que uma mudança de postura completa”, acrescenta.
Os bolsonaristas entendem ainda que uma boa quantidade de deputados da “ala bivarista” está a seu lado. “Está todo mundo preocupado é com a reeleição do próprio mandato daqui a dois anos; não com Bolsonaro ou Bivar”, diz um parlamentar. Aliados do presidente garantem que boa parte dos “bivaristas” mantêm uma “porta aberta” ao retorno de Bolsonaro para chegarem em 2022 ainda populares. “Se essa ruptura permanecer, não é uma boa ideia ser visto como antibolsonaro”, diz um deles.
O cálculo feito por esse núcleo é que, apesar dos convites de filiação recebidos por Bolsonaro, é mais vantajoso para eles – sua base de apoio quase incondicional – estar em uma legenda que não disponha de uma estrutura pronta e forte nos estados. Se o presidente se filiar a um partido de grande ou médio porte – como PP, PL ou Republicanos, por exemplo –, seus aliados terão dificuldades de se colocar frente às alianças locais.
Em paralelo, os dois lados tentam fechar um acordo
Paralelamente à briga entre as alas bolsonarista e bivarista do PSL, os dois lados tentam fechar um acordo. A articulação política do retorno de Bolsonaro ao PSL é costurada entre seu porta-voz na negociação, o deputado Filipe Barros (PSL-PR), e o representante de Bivar, o advogado Antônio Rueda, outro vice-presidente nacional do partido. Do diálogo entre os dois resultou uma reunião entre Bolsonaro e Rueda. Depois, em outubro, ele recebeu o próprio Bivar.
O processo de reaproximação promete se arrastar. Envolve a exigência de Bolsonaro em indicar aliados para alguns diretórios, como o do Paraná, atualmente comandado por um opositor, Fernando Francischini. Nas últimas conversas entre Barros e Rueda, foi combinado que eles deixariam esperar a eleição passar para retomar as negociações.