A anulação das condenações do ex-ministro José Dirceu (PT) após uma decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), criou entre integrantes do Partido dos Trabalhadores (PT) uma avaliação de que ele deve agora retomar seu controverso capital político. Além dos planos para concorrer a uma cadeira na Câmara dos Deputados em 2026, Dirceu é visto por parte da legenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como alguém importante para a reorganização da sigla após os resultados nas eleições municipais deste ano.
Dirceu foi membro da luta armada contra o regime militar e acabou se tornando um dos pilares da ascensão ao poder do PT no primeiro governo Lula, em 2003, e da articulação política daquela gestão ao comandar a Casa Civil. Mas, na prática, ele articulou o apoio político às pautas do partido por meio do pagamento regular de propina de dezenas de milhares de reais para parlamentares no esquema que ficou conhecido como Mensalão.
Ele foi preso, perdeu os direitos políticos e acabou perdoado pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso. Dirceu diz que sempre foi inocente e que acabou cassado e punido de forma injusta e por motivações políticas.
Mesmo antes do desfecho do Mensalão, Dirceu foi pego pela Operação Lava Jato em outro esquema: de recebimento de propina de ao menos R$ 15 milhões para negociar contratos para a Petrobras. Ele ficou preso entre 2015 e 2017 e depois passou a responder em liberdade até ser novamente livrado nesta semana pelo STF.
O ministro Gilmar Mendes entendeu que Dirceu não teve um julgamento justo por parte do ex-juiz Sergio Moro e anulou as suas condenações. Mas a decisão do STF não estabeleceu a inocência do político.
Esses escândalos fizeram Dirceu submergir e atuar discretamente nos bastidores da política ao longo dos últimos anos até agora, quando teve seus direitos políticos restabelecidos imediatamente após as eleições municipais de 2024. O cenário dessa vez, no entanto, é visto como mais desfavorável para o ex-ministro tendo em vista as dificuldades do governo junto ao Congresso e o crescimento da direita nos últimos anos.
Em 2022, Dirceu se manteve distante da campanha de Lula, pois naquele momento a avaliação entre os petistas era de que sua imagem poderia prejudicar a campanha contra o então presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas sempre manteve uma aura de poder e influência entre os partidos de esquerda e de centro em Brasília.
Com a volta do PT ao Palácio do Planalto, ele passou a circular com desenvoltura e, toda vez que aparecia em público, em algum evento social que reunisse políticos, era reverenciado pelos interlocutores.
Em março deste ano, por exemplo, fez uma festa de aniversário em Brasília e reuniu diversos políticos, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e até nomes do PL, como o deputado João Carlos Barcelar (BA). Além disso, ele já havia retomado também a militância no PT, participando de reuniões e conversas informais, com a mesma discrição.
Agora, livre das condenações, deve intensificar sua atuação, principalmente nas discussões sobre os projetos para a tentativa de reeleição do presidente Lula em 2026.
"É um dia especial, acredito, para milhões de brasileiros e brasileiras, especialmente para a militância do PT e para aqueles que demonstraram solidariedade comigo nesses longos 20 anos. Fui cassado em 2005 pela Câmara, sem qualquer base legal, em uma cassação claramente política", afirmou Dirceu em entrevista à GloboNews, concedida no mesmo dia em que teve suas condenações anuladas.
Dentro do governo Lula, a avaliação é de que, neste momento, não há um espaço direto para Dirceu no Executivo. Ele, no entanto, é visto como interlocutor e conselheiro direto dos ministros Fernando Haddad (Fazenda), José Múcio Monteiro Filho (Defesa), Alexandre Silveira (Minas e Energia), Renan Filho (Transportes) e Sílvio Costa Filho (Portos e Aeroportos).
As dificuldades de Dirceu na articulação dentro do Congresso
Dentro do partido, é esperado que o ex-ministro participe também diretamente das ações da bancada do PT na disputa pela sucessão de Arthur Lira na presidência da Câmara. A sigla declarou apoio à candidatura de Hugo Motta (Republicanos-PB) na quarta-feira (30).
Os petistas também acreditam que o ex-ministro de Lula pode atuar nas votações de interesse do governo junto aos partidos do Centrão. Nos cálculos desse grupo, José Dirceu tem bom trânsito entre bancadas do PSD, MDB, PP e Republicanos e União Brasil, por exemplo.
Contudo, o crescimento das emendas parlamentares ao longo dos últimos anos mudou o cenário da articulação do Legislativo com o Executivo. Como os parlamentares aumentaram seu poder para dispor livremente de recursos do Orçamento da União para proporcionar obras e serviços para suas bases eleitorais, a capacidade de barganha do governo diminuiu. Mesmo cedendo espaço para esses partidos no governo (principalmente com a criação e distribuição de ministérios), Lula não conseguiu amarrar o apoio dessas bancadas ao longo deste governo.
Além disso, integrantes da oposição já indicam que o ex-ministro de Lula não terá espaço nas discussões do Legislativo. "Na Câmara estão tentando atrasar a anistia para presos políticos. No STF, Zé Dirceu é liberado de todas as condenações", disse a deputada Júlia Zanatta (PL-SC).
Já o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) destacou que a anulação das condenações é “vergonhosa e indecente”. “Eu faço questão de lembrar que Dirceu foi condenado por três instâncias, inclusive pelo STJ, com provas documentais de pagamento de suborno oriundo de contratos da Petrobras. O governo do PT tenta enterrar a Lava Jato porque só de falar em combate à corrupção ficam descompensados”, disse.
Visitando o Congresso nesta terça-feira (29), o ex-presidente Bolsonaro comentou sobre a anulação das condenações de José Dirceu e questionou se ele também deixará de ser “inelegível” por algo que nem é considerado um “crime”.
“Não quero me comparar com outros aí. Agora, fiquei sabendo pela imprensa que o José Dirceu está livre de tudo. O mentor de tudo o que há de errado no Brasil e ele está elegível e pode ser candidato, pode ser deputado federal em 27”, disse o ex-presidente, em entrevista coletiva no Senado. Ele também voltou a classificar a sua inelegibilidade como uma “perseguição política”.
Ex-ministro deve começar reabilitação criando espaços dentro do PT
Com a renovação da cúpula do PT em 2025, é esperado por lideranças petistas que Dirceu assuma um protagonismo na busca pela sucessão de Gleisi Hoffmann no comando da sigla. A disputa abriu um racha dentro do partido e uma ala defende a saída antecipada da atual presidente.
Publicamente, Gleisi Hoffmann comemorou a decisão do STF que beneficiou José Dirceu. Gilmar Mendes atendeu a um pedido da defesa do político e estendeu a ele os efeitos da decisão do STF que considerou Sergio Moro suspeito para atuar em processos da Lava Jato.
“É o mesmo entendimento já aplicado no pleno do STF ao presidente Lula, que demonstrou em sua defesa a parcialidade de Moro e seu conluio com os procuradores para perseguir Lula. Parabéns pela vitória Zé Dirceu!”, escreveu a petista na rede X.
Apesar do aceno, a presidente do PT e Dirceu sempre disputaram espaço na cúpula petista. Recentemente, por exemplo, o filho do ex-ministro, o deputado Zeca Dirceu (PR), teve sua candidatura à prefeitura de Curitiba vetada por Gleisi Hoffmann, o que acentuou a crise.
José Dirceu integra a ala do PT que defende a candidatura do prefeito de Araraquara, Edinho Silva, para o comando da sigla a partir do ano que vem. Por outro lado, Gleisi trabalha para fazer o seu sucessor e se esforça para que o nome escolhido seja um petista do Nordeste.
"Nós temos que fazer o Brasil crescer, distribuir renda, e o PT terá a renovação da sua direção, processo que quero participar como filiado do PT. Então, quando começar a virar 2025 para 2026, aí vou enfrentar essa questão", disse Dirceu recentemente durante um evento no Congresso Nacional.
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