Recursos do Fundo Partidário, constituído de verbas públicas, bancaram pagamentos ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que foi condenado e preso pela Lava Jato; um salário de R$ 18,3 mil para a ex-presidente Dilma Rousseff (PT); e um documentário sobre um festival do movimento "Lula Livre", realizado em novembro em Recife (PE).
As informações constam da prestação de contas anual da executiva nacional do PT relacionadas a 2019, entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O pagamento a investigados ou condenados pela Justiça ou a realização de ações que caracterizem movimentos de promoção pessoal de dirigentes partidários não são proibidos. Mas parlamentares e especialistas em Direito Eleitoral ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que esse tipo de repasse pode ser configurado como desvio de finalidade. A assessoria de imprensa do PT, por sua vez, respondeu que a sigla "utiliza recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral rigorosamente de acordo com a lei, seguindo diretrizes aprovadas democraticamente em suas instâncias internas e prestando contas regularmente à Justiça Eleitoral, inclusive sobre a aplicação de recursos próprios". "É esta transparência que proporciona a fiscalização da sociedade e até a publicação de matérias jornalísticas editorialmente tendenciosas. O fundo partidário e o fundo eleitoral são conquistas democráticas no sentido de reduzir a influência do poder econômico sobre o processo político", descreve o PT.
No ano passado, o partido recebeu R$ 117 milhões em recursos públicos e privados. Desse montante, R$ 100,1 milhões foram do Fundo Partidário, destinado à manutenção das agremiações políticas no Brasil. Os repasses aos partidos ocorrem proporcionalmente às bancadas eleitas na Câmara Federal. Em 2019, apenas o PSL teve um Fundo Partidário maior que o PT.
Além do salário do PT, Dilma recebeu cachê de reuniões e diária de viagem
Em 2016, após ter sido alvo de um processo de impeachment, a ex-presidente Dilma Rousseff foi abrigada na Fundação Perseu Abramo – o braço acadêmico do PT responsável pela formação política de seus dirigentes e integrantes. Dilma inicialmente foi indicada para ser presidente da entidade, mas encontrou resistências no próprio partido. Por isso, Dilma foi colocada no conselho curador da entidade, em um cargo sem remuneração. Com o tempo, porém, o PT promoveu a presidente cassada a superintendente de Relações Institucionais da Fundação, com salário base que hoje é de R$ 18,3 mil.
Além do salário, conforme documentos obtidos por Gazeta do Povo, Dilma também recebeu da Fundação Perseu Abramo outros R$ 600 a título de indenização pela sua participação em três reuniões do Conselho Curador da entidade – R$ 200 por evento. Os encontros ocorreram em março, julho e dezembro.
Segundo as notas fiscais da Fundação, Dilma também amealhou R$ 2.224,50 em diárias por uma viagem realizada à Rússia, em junho do ano passado. Na ocasião, Dilma discutiu questões relacionadas à uma eventual cooperação entre o PT e integrantes da Duma, a Câmara dos Deputados russa.
Quando foi alvo de um processo de impeachment, a ex-presidente perdeu o direito ao salário de chefe de Estado no valor de R$ 30,9 mil à época. Mas manteve outros privilégios como seus antecessores, como uma equipe de oito assessores para apoio pessoal e dois carros oficiais. Além disso, Dilma conseguiu se aposentar pelo teto do INSS, graças ao lobby do ex-ministro da Previdência Social Carlos Gabas. Dilma também luta para ser considerada anistiada política pelo Ministério dos Direitos Humanos, o que pode elevar seus vencimentos em até R$ 10 mil ao mês.
A demissão de Vaccari pelo PT e o financiamento do “Lula Livre”
Funcionário histórico do PT, o ex-tesoureiro João Vaccari Neto só foi demitido do partido no final do ano passado, conforme mostram os comprovantes de despesas do partido. Segundo a prestação de contas da agremiação, Vaccari recebeu R$ 44.038 a título de rescisão de contrato de trabalho. O nome de Vaccari aparece na planilha de pagamentos de funcionários do PT apenas na última semana de novembro do ano passado.
Integrantes do PT tentam dissociar ao máximo Vaccari das atividades do partido. Alvo da 12.ª fase da Operação Lava Jato, realizada em abril de 2015, Vaccari ficou preso em Curitiba até setembro do ano passado. Ele respondeu a cinco processos da Lava Jato e após sair da prisão foi colocado como assessor especial da Central Única dos Trabalhadores (CUT), um dos braços sindicais do PT.
Os recursos do Fundo Partidário também bancaram algumas ações relacionadas ao movimento “Lula Livre”, tido pelo partido como atos pela democracia e pela manutenção da regularidade institucional.
Um exemplo disso foi a contratação da empresa T2 Comunicação Integrada, de Campinas (SP), no valor de R$ 50 mil. De acordo com a nota fiscal incluída na prestação de contas, a Fundação Perseu Abramo custeou serviços de “produção, gravação, roteirização e edição” de um documentário sobre o festival “Lula Livre”.
Esse festival foi realizado no dia 17 de novembro, em Recife, e reuniu intelectuais e artistas como Siba, Mundo Livre S/A, Odair José e Marcelo Jeneci.
Na época, o Comitê Nacional Lula Livre fez uma vaquinha para bancar parte das despesas. Arrecadou menos de R$ 10 mil. O evento foi o primeiro com a participação de Lula após ele deixar a carceragem da Polícia Federal (PF), beneficiado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou a prisão após condenações em segunda instância.
Deputados tentaram limitar uso do Fundo Partidário
Em fevereiro, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) apresentou projeto de lei que tenta estipular critérios mais claros para a utilização dos recursos do Fundo Partidário – proibindo, por exemplo, o uso de dinheiro público para arcar despesas ou salário de pessoas que foram condenadas em segunda instância, como no caso de Vaccari ou mesmo de Lula.
O ex-presidente Lula hoje é funcionário do PT com vencimentos de R$ 20,4 mil mensais. “Há que se destacar que os recursos do Fundo Partidário, por mais que destinados ao custeio e manutenção da entidade política, devem estar sujeitos aos critérios de utilização estabelecidos pela moral que embasa a gestão de recursos públicos”, descreve o parlamentar no Projeto de Lei.
O deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) também tentou limitar o uso de recursos do Fundo Partidário, ao ingressar com petições no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) visando proibir gastos públicos com ações de promoção pessoal, como o movimento “Lula Livre”. Mas, até o momento, o TSE não se manifestou sobre as petições do parlamentar gaúcho. “Isso [gastos sem critérios do Fundo Partidário] é um grande absurdo. Isso mostra que o dinheiro público sustenta interesses pessoais até mesmo de pessoas condenadas exatamente por mal uso desse recurso da população brasileira”, afirma Goergen.
O cientista político Marcelo Issa, diretor-executivo do movimento Transparência Partidária, afirma que apesar da boa vontade dos parlamentares em limitar o uso de recursos públicos, é necessário se respeitar a independência das agremiações na aplicação desse recurso.
“Entretanto, esse uso não deve ser absolutamente discricionário, e valores fundamentais na democracia – como a moralidade, a probidade, e a transparência – não podem ser deixados de lado”, diz o cientista político. “É um equilíbrio complexo. Ao mesmo tempo que a Constituição garante a autonomia partidária; por outro, essa garantia não é absoluta. A própria Carta Magna estabelece limitações dessa autonomia partidária ao dizer que os partidos devem observar o regime democrático e serem democráticos na destinação desse recurso. Hoje, porém, não temos parâmetros claros sobre a distribuição desses recursos”, destaca Issa.
O PT, por sua vez, alegou que " as sistemáticas tentativas de desqualificar e até mesmo criminalizar a utilização legítima e legal destes recursos, por meio de setores da mídia e de organizações que não praticam a transparência que pregam, é frequentemente pautada por atores políticos e partidos privatizados pelos interesses escusos que representam".
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