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Recursos do Fundo Partidário, constituído por dinheiro público, foram usados pelo PT para bancar um contrato de R$ 160 mil com um escritório de advocacia de Curitiba destinado à “implementação de um programa de integridade no âmbito do Diretório Nacional” da legenda. A empresa contratada pelo PT para a elaboração desse programa de compliance foi o escritório França da Rocha & Advogados Associados, cujo sócio-proprietário auxiliou a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando ele estava preso em Curitiba. O projeto de auditoria deveria ter sido concluído em novembro do ano passado, mas ainda está em curso.
Compliance é um termo que define o conjunto de regras que uma instituição estabelece para si própria com o objetivo de cumprir leis e obrigações normativas. Pode ser considerado um programa anticorrupção. Em princípio, esse conjunto de regras também deve estabelecer punições para quem as descumpre.
O PT tem um código de ética vigente desde 2009, que prevê punição a seus integrantes que tenham algum envolvimento em esquemas de corrupção. As sanções previstas pelo partido em atos de corrupção variam de advertência à expulsão, com cancelamento de filiação partidária. No escândalo da Lava Jato, contudo, os petistas envolvidos receberam o apoio do partido e não uma punição.
Escritório tem como fundador um advogado que é próximo de Lula
O escritório de advocacia contratado pelo PT não cita em seu portfólio de trabalho atuações em consultorias para boas práticas institucionais ou realizações de auditorias independentes.
Em resposta à Gazeta do Povo, o escritório informou que possui uma "equipe qualificada para a execução do objeto do contrato" e que "tem 36 anos de atividade advocacia, ao longo dos quais prestamos serviços para instituições públicas e privadas, nas esferas judicial e administrativa, inclusive em processos internos envolvendo organização de procedimentos de controles e de boas práticas".
O fundador do escritório é o advogado Luiz Carlos da Rocha, conhecido no meio jurídico como Rochinha. Ele se aproximou de Lula quando o ex-presidente estava preso em Curitiba, entre abril de 2018 e novembro de 2019. O advogado também deu suporte jurídico ao petista no período
Rochinha nega que tenha sugerido esse contrato de compliance à Lula ou à presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
O PT, por sua vez, afirma que a sigla "utiliza recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral rigorosamente de acordo com a lei, seguindo diretrizes aprovadas democraticamente em suas instâncias internas e prestando contas regularmente à Justiça Eleitoral, inclusive sobre a aplicação de recursos próprios". Para o partido, "é esta transparência que proporciona a fiscalização da sociedade e até a publicação de matérias jornalísticas editorialmente tendenciosas". O partido não esclareceu quais foram os critérios adotados para a contratação do escritório.
O que prevê o contrato para elaborar o programa de compliance do PT
O contrato para elaboração de um programa de compliance firmado pelo PT prevê a apresentação de um “conjunto de orientações voltadas ao aprimoramento e às boas práticas de gestão interna, de modo a garantir o respeito inequívoco da legislação aplicada às suas atividades, conferindo segurança e confiabilidade nas ações do partido”.
Entre as atividades que terão de ser desenvolvidas pelo escritório estão a disponibilização de um diagnóstico institucional de riscos internos; a criação de um código de ética e conduta vedada aos dirigentes partidários; a elaboração de normas de organização e procedimento das comissões incumbidas da aplicação do Código de Ética e de Conduta, com a disponibilização padronizada das peças dos processos disciplinares. Também está prevista, até mesmo, a criação de procedimentos anticorrupção, mediante apresentação de manual de conduta.
Escritório não cita em portfólio expertise em compliance
O contrato foi assinado em 13 de maio de 2019 e, pelo acordo entre o escritório de advocacia e o PT, o pagamento ocorrerá da seguinte forma: a primeira parcela, de R$ 70 mil, até dez dias após a assinatura do contrato com as demais seis parcelas, de R$ 15 mil cada, vencendo no último dia útil de cada mês. A vigência do acordo era de 180 dias (seis meses), mas o trabalho de auditoria ainda está em curso.
O escritório contratado pelo PT para realizar o programa de compliance do partido cita como áreas de suas atuações: arbitragem, transporte terrestre, radiodifusão, direito ambiental, advocacia recursal, licitações e contratos administrativos, direito contratual e societário, direito tributário, trabalhista, empresarial, relações de consumo, responsabilidade civil, direito da saúde e contratos bancários. Nenhuma delas ligadas a auditorias externas.
Além disso, o fundador do escritório, Luiz Carlos da Rocha, afirma em seu portfólio que “acumula a realização de inúmeras palestras e artigos publicados em revistas especializadas, relacionados a temas de direito do consumidor, contratos bancários e responsabilidade civil médica”.
Em resposta à Gazeta do Povo, Rochinha declarou que "nem toda a gama de serviços prestados pelo escritório ao longo desses anos está consignada no portfólio". "Alerto que o trabalho de conformidade dos partidos políticos não guarda relação automática com o que usualmente é aplicado em empresas e instituições públicas dada a natureza da organização, tratando-se de uma novidade", diz o advogado.
Proposta de compliance foi aprovada em 2018; código de ética do PT é de 2009
A proposta para a realização de um programa de compliance foi aprovada durante reunião da executiva nacional do PT de dezembro de 2018 como resposta a três problemas enfrentados pelo PT na época e que perduram até hoje: a associação com esquemas de corrupção – principalmente após os desdobramentos da Operação Lava Jato –; o acúmulo de dívidas de integrantes do partido, que foram assumidas pela executiva nacional; e a redução do nível de arrecadação do PT em decorrência da diminuição de sua bancada na Câmara Federal. Em 2014, o PT elegeu 69 deputados; em 2018, foram 56 – o tamanho da bancada impacta na distribuição de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral.
Embora tenha contratado um escritório de advocacia para averiguar contas e elaborar procedimentos anticorrupção, o PT já possui um código de ética, aprovado em junho de 2009, que prevê penalidades a integrantes do partido envolvidos em esquemas de corrupção e que tinha exatamente esse objetivo: dar maior transparência às atividades do partido e de seus membros.
O código de ética havia sido elaborado sob coordenação do então secretário-geral do PT José Eduardo Cardozo e pelo então presidente do partido, Ricardo Berzoini. Cardozo foi ministro da Justiça nos dois mandatos de Dilma Rousseff, entre janeiro de 2011 e março de 2016. Ele deixou a pasta para se dedicar à defesa da ex-presidente no processo de impeachment. E Berzoini também é ex-ministro das Comunicações e da Secretaria-Geral de Governo de Dilma.
Segundo o artigo 3º do código de ética do PT, são princípios éticos fundamentais que devem orientar a conduta de todos os filiados: “o respeito à moralidade administrativa, à coisa pública e à transparência na gestão de recursos públicos de qualquer natureza, e por consequência, o combate a práticas patrimonialistas e clientelistas nas relações com aqueles que exercem função pública”.
PT questiona reportagens que cobram o uso de verba pública pelo partido
O PT alega que "o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral são conquistas democráticas no sentido de reduzir a influência do poder econômico sobre o processo político".
Em nota, a legenda questiona reportagens que questionam a forma como o partido usa esses recursos públicos. "As sistemáticas tentativas de desqualificar e até mesmo criminalizar a utilização legítima e legal destes recursos, por meio de setores da mídia e de organizações que não praticam a transparência que pregam, é frequentemente pautada por atores políticos e partidos privatizados pelos interesses escusos que representam", declara o partido.