O ex-ministro José Dirceu está de volta à cena política, numa tentativa do Partido dos Trabalhadores (PT) de reabilitar a imagem de um de seus fundadores e dissociar a legenda do histórico de corrupção que marcou os mandatos anteriores de Luiz Inácio Lula da Silva. Dirceu retornou ao Senado Federal, na última terça-feira (02), após 19 anos, numa sessão solene convocada pelo líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (AP), em homenagem à democracia.
O ex-ministro da Casa Civil foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento no esquema do Mensalão, de pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio político, que levou diversos membros da legenda a condenações e prisões durante a Operação Lava Jato. Dirceu ficou preso por um ano e nove meses por corrupção e lavagem de dinheiro.
Vale lembrar que o mesmo senador Randolfe Rodrigues criticou o PT na época do julgamento do Mensalão pelo STF e afirmou que o esquema de corrupção foi uma das principais razões do rompimento do seu então partido, o PSOL, com o PT. "O ocorrido é lamentável para a política", disse ele naquela época.
Já na sessão em homenagem à democracia, o senador, hoje sem partido e líder do governo Lula no Congresso, foi um dos que festejou a presença de Dirceu no Parlamento. “Com enorme honra, eu destaco e agradeço a presença, nesta mesa, deste companheiro, que agradeço a Deus a possibilidade de, na minha formação política, ter sido um dos formadores dos melhores momentos do Partido dos Trabalhadores”, afirmou Randolfe Rodrigues.
Para o cientista político Jorge Mizael, da Metapolítica, a divergência de opinião demonstrada pelo líder do governo não causa estranheza. "A política é dinâmica, e um crítico do passado pode ser um aliado no presente ou no futuro", resumiu o analista.
De acordo com Mizael, o fato de até oponentes do Partido dos Trabalhadores terem ouvido o discurso do ex-ministro da Casa Civil mostra que uma figura como ele carrega muita vivência política, uma rede de relacionamento e experiência que são "ativos muito relevantes para qualquer partido".
Essa mesma interpretação, segundo o cientista político, pode ser aplicada ao fato de José Dirceu ter reunido centenas de figuras ilustres da cena política em seu jantar de aniversário de 78 anos, em Brasília, em março.
O evento foi prestigiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, do Progressistas; pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, do PSB; e até mesmo por um integrante da oposição - do PL -, o deputado baiano João Carlos Bacelar, que confirmou à coluna Entrelinhas, da Gazeta do Povo, ser amigo de longa data de José Dirceu.
Na avaliação do professor de Ciências Políticas Elton Gomes, da Universidade Federal do Piauí, o PT tenta reabilitar aliados do presidente Lula, "não somente para descredibilizar a operação judicial [Lava Jato], que culminou na condenação desses réus e, efetivamente, reabilitá-los do ponto de vista de inocentá-los perante a opinião pública", pontuou.
Além disso, o cientista político que o Partido dos Trabalhadores, de novo no Planalto, trabalhe com a possibilidade de lançar José Dirceu a um cargo de deputado federal, por exemplo. O próprio ex-ministro admitiu ao portal g1, após a sessão solene no Senado, que a possibilidade existe, mas que deverá ser discutida somente em 2025.
Ainda na avaliação de Gomes, mesmo quando esteve preso, Dirceu nunca deixou a política, e participava ativamente e decisivamente da vida do PT, uma espécie de "eminência parda" - aquele que tem influência mesmo sem ter cargo - da sigla.
"O principal objetivo é realizar o controle narrativo, não só no caso de José Dirceu, no caso do próprio presidente da República, de José Genoíno, Delúbio Soares, dos diretores da Petrobras e de todos os outros que foram condenados e afastados da vida pública", completou, lembrando de outros nomes do PT envolvidos nos escândalos de corrupção.
Mensalão, Petrolão e Lava Jato: as condenações de José Dirceu
Jose Dirceu teve o mandato cassado pelo plenário da Câmara dos Deputados em 2005, por ser um dos mentores do chamado Mensalão, esquema de compra de votos em troca de apoio político para aprovação de projetos de interesse do Executivo.
O pagamento começou a ser feito aos parlamentares em 2002 e foi descoberto apenas três anos depois, quando em um áudio vazado, o ex-chefe dos Correios Maurício Marinho contou que recebeu propina do então deputado Roberto Jefferson, do Rio de Janeiro. O esquema envolvia diversos políticos, os Correios, o PTB e o Diretório do PT, que destinava R$ 30 mil mensais para pagamento de parlamentares em troca de apoio a Lula.
José Dirceu também participou do escândalo do Petrolão, envolvendo a Petrobras, e influenciava a indicação de diretores acusados de corrupção na petrolífera. O esquema envolvia o superfaturamento de obras e contratos, e resultou na prisão de executivos como Paulo Roberto Costa, então diretor de Abastecimento, que informou que os contratos tinham superfaturamento médio de 3%, para pagamento de propinas.
José Dirceu foi condenado inicialmente por corrupção ativa no Mensalão em 2012, com pena de 7 anos e 11 meses de prisão. Dois anos depois, o ministro Luís Roberto Barroso permitiu a progressão da pena para cumprir o restante do tempo em casa.
Em 2015, o ex-ministro foi preso na 17ª fase da Lava Jato - maior operação de combate à corrupção no país. Ele foi alvo de outras condenações e liberações por parte Justiça até 2019, quando deixou novamente a prisão.
O petista José Dirceu foi condenado a 31 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa em duas sentenças proferidas pelo então juiz Sergio Moro. Apesar disso, ele acabou beneficiado por uma mudança de entendimento da Corte de que a prisão definitiva só era possível após condenação em segunda instância.
Em 2023, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também beneficiou o ex-deputado José Dirceu ao afastar uma condenação por lavagem de dinheiro na Petrobras. Os ministros entenderam que apenas caberia a condenação por corrupção passiva, reduzindo a pena imposta de oito anos e dez meses para quatro anos e sete meses, em regime semiaberto.
Enquanto retorna à vida pública, Dirceu também tenta se safar de outros processos que pesam contra ele. A defesa do petista busca reverter no STF duas condenações da Lava Jato, sob a alegação de que há provas suficientes que demonstram que tanto o ex-juiz Sergio Moro quanto o ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, não tinham isenção para investigar e julgar Dirceu, e que ele teria sido perseguido politicamente.
Caso isso ocorra, o ex-ministro poderá recuperar os direitos políticos, e ficará com o caminho livre para se lançar candidato em 2026.
Retorno de Dirceu escancara "falência" do Judiciário, diz oposição
O vice-líder da oposição na Câmara dos Deputados, Maurício Marcon (Podemos-RS), não gostou da homenagem a José Dirceu no plenário do Senado Federal, e disse que a presença do ex-ministro no Congresso escancara a falência do Judiciário no Brasil. "Onde um homem condenado em dois escândalos de corrupção é recebido no Congresso como se fosse uma pessoa ilibada?", questionou.
Para o deputado, Lula quer limpar a biografia daqueles que estiveram a seu lado nos anos em que o Brasil viveu o "maior escândalo de corrupção do mundo".
Já o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS) classificou a ida de José Dirceu ao Senado como uma cena repugnante e que "apequena" o poder Legislativo. "Um cidadão que foi preso quatro vezes e que já foi condenado por corrupção não pode ser recebido com festas em lugar nenhum", criticou.
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