Recém-aprovado para assumir o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-advogado-geral da União André Mendonça colecionou alguns processos na Justiça por causa de sua atuação no governo do presidente Jair Bolsonaro. Em consulta aos sistemas processuais, a reportagem da Gazeta do Povo encontrou oito ações contra Mendonça, sendo quatro na Justiça Federal e quatro no próprio STF. Os processos do Supremo já foram arquivados ou julgados improcedentes, mas ainda podem ser "resgatados" pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para virarem inquéritos contra o futuro ministro do STF. Os outros quatro processos seguem tramitando.
Parte das ações refere-se à atuação de Mendonça como ministro da Justiça, entre abril de 2020 e março deste ano. Foi quando surgiram as principais críticas a ele por causa de investigações que ele requisitou à Polícia Federal (PF) contra críticos de Bolsonaro, com base na extinta Lei de Segurança Nacional (LSN).
Questionado sobre o assunto em sua sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ele disse que acionou a PF nesses casos porque assim determinava a própria lei, quando Bolsonaro sentia-se ofendido pelas críticas.
O artigo 31 da LSN dizia que cabia ao ministro da Justiça requisitar investigações à PF quando o presidente sofresse calúnia ou difamação, então considerados crimes contra a segurança nacional.
"Sentindo-se o presidente da República ofendido em sua honra por determinado fato, o que significa a análise individual de a pessoa por si própria sentir-se subjetivamente ofendida em sua honra, devia o ministro da Justiça instar a Polícia Federal para apurar o caso, sob pena de, em não o fazendo, incidir em crime de prevaricação", justificou-se Mendonça. Prevaricação é quando um servidor público não cumpre com suas obrigações legais.
Dentro do próprio STF, André Mendonça foi alvo de quatro notícias-crime, tipo de ação na qual, em geral, cidadãos ou parlamentares apontam determinado delito supostamente cometido por uma autoridade com foro privilegiado na Corte. Esse tipo de ação tem o objetivo de pressionar a PGR, único órgão que pode investigar um ministro de Estado, a pedir a abertura de um inquérito.
No caso de Mendonça, três dessas ações foram apresentadas por causa de investigações que ele requisitou à PF para apurar críticas a Bolsonaro. Entre os alvos dessas investigações estavam os jornalistas Ricardo Noblat e Hélio Schwartsman, o youtuber Felipe Neto e o advogado Marcelo Feller. Todos foram intimados a depor, mas os inquéritos acabaram arquivados.
Mesmo assim, por causa dessa atuação, os pedidos de investigação chegaram ao procurador-geral da República, Augusto Aras. Em abril deste ano, Aras informou ao STF que abriu uma “apuração preliminar” sobre a conduta de Mendonça. Afirmou que "eventual requisição sistemática e infundada de inquéritos pelo Ministro da Justiça, com vistas à perseguição de adversários políticos, há de ser apurada".
Até o momento, a PGR não comunicou qualquer avanço nessa apuração. Se um inquérito eventualmente for pedido por Aras, ainda não se sabe ao certo se tramitaria no STF (foro de ministros da Corte). Isso porque, desde 2018, adotou-se o entendimento que o foro privilegiado só vale para atos praticados durante o exercício do cargo e ligados a ele.
Essa restrição ao foro, porém, foi aplicada no caso de parlamentares, e não de ministros de Estado, para os quais ainda não há uma jurisprudência firmada. Como as investigações contra críticos de Bolsonaro foram pedidas por Mendonça quando ele era ministro da Justiça, não se sabe ao certo se um eventual inquérito contra ele sobre o caso seria pedido ao próprio STF depois que ele assumir o cargo de ministro. A avaliação caberá, de qualquer modo, a Augusto Aras.
Mendonça acusado no caso do "dossiê"
Mendonça também teve de enfrentar alguns processos, no STF e na Justiça Federal, por causa de um “dossiê” que teria sido confeccionado em 2020, dentro do Ministério da Justiça, listando centenas de opositores do governo que supostamente seriam integrantes do “movimento antifascismo”.
Eram mais de 500 policiais e alguns professores universitários que protestavam contra Bolsonaro nas redes sociais e em manifestações de rua. O material, apurou-se à época, relacionava nomes e postagens deles.
No julgamento no STF, porém, os ministros isentaram Mendonça de responsabilidade e concluíram que o dossiê teria sido feito na gestão anterior do Ministério da Justiça, de Sergio Moro. A Corte proibiu a produção de relatórios de inteligência para monitorar e constranger opositores políticos do presidente.
Por causa do episódio, André Mendonça também chegou a ser alvo de uma ação popular na Justiça Federal de São Paulo, na qual um cidadão exigia que ele ressarcisse os cofres públicos por uso de recursos humanos e materiais para montar o dossiê. As ações na Justiça Federal não são criminais, mas de natureza cível, para as quais não há foro privilegiado, seja qual for o cargo da autoridade. Por isso, começam sempre tramitando na primeira instância.
O juiz do caso, Hong Kou Hen, extinguiu a ação justamente porque o STF analisou o caso e inocentou Mendonça. “Não há nos autos qualquer comprovação de quem efetivamente elaborou o mencionado dossiê e tampouco das despesas dispendidas para tanto, o que inviabiliza a procedência do pedido”, sentenciou. O caso, de qualquer modo, foi enviado para a segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Outros processos na Justiça Federal
Em maio deste ano, uma ação popular foi ajuizada, tendo como alvo a União, em nome de André Mendonça, de um ex-auxiliar na AGU (o advogado da União Diogo Palau Flores dos Santos) e do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Os autores foram dois cidadãos de Minas Gerais que buscavam condenar Mendonça e Diogo a ressarcirem os cofres públicos por apresentarem, em nome da AGU, um habeas corpus no STF para que Pazuello pudesse ficar em silêncio na CPI da Covid.
Para os cidadãos que ingressaram com a ação na Justiça, Mendonça e Diogo, como advogados públicos, praticaram “atos ilegais e imorais” ao usarem recursos públicos “em patrocínio de interesse particular” para defender Pazuello. Pediram que eles recolhessem R$ 400 mil aos cofres públicos. Ainda não houve decisão final sobre o caso, que segue em trâmite na Justiça Federal.
Outros processos não têm relação direta com algum ato de Mendonça, mas o incluem por causa da posição que ele ocupava no governo.
Em virtude do tempo como advogado-geral da União, por exemplo, André Mendonça acabou inserido como parte numa ação popular de um cidadão que buscava derrubar a compra, pelo Superior Tribunal Militar (STM), de 1,3 mil doses de vacina contra a gripe, para imunização de ministros e servidores da Corte. Na ação, apresentada à Justiça Federal de Brasília no início deste ano, Daniel Alves de Andrade queria que eles fossem vacinados dentro do Plano Nacional de Imunização, sem passar na frente de outros cidadãos. O pedido de liminar foi negado e o tribunal comprou o lote de imunizantes, em fevereiro, por R$ 107,2 mil.
Na Justiça Federal de Brasília, André Mendonça é parte de um processo inusitado: um cidadão chamado Domingos Borges da Silva demandou que a União cobre da China uma indenização de R$ 5 bilhões pelos danos causados à população brasileira pelo novo coronavírus. Mendonça aparece no processo porque, quando a ação foi ajuizada, no início do ano passado, era advogado-geral da União – em caso de descumprimento, Domingos pedia que fosse imposta a ele multa de R$ 100 mil por dia.
Na primeira instância, o juiz Eduardo Rocha Penteado rejeitou a ação, sob o fundamento de que uma ação popular, tipo usado pelo autor, busca anular um ato lesivo do poder público brasileiro, que não foi apontado. Na ação, a AGU chegou a pedir a condenação de Domingos por má-fé processual, mas o pedido foi negado, porque, segundo o juiz, ele “não manipulou os fatos, mas apenas pretendeu emprestar-lhes as consequências que entendia por direito”.
Mesmo após o pedido negado, Domingos recorreu à segunda instância. No Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), o pedido de liminar foi negado e agora ele aguarda o julgamento de mérito, ainda sem data para ocorrer.
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