Após a tentativa de assalto a uma empresa de valores em Guarapuava (PR) na madrugada de segunda-feira (18), o governo e sua base no Congresso vão tentar acelerar a aprovação do novo pacote anticrime do governo federal. Uma das medidas propostas endurece a pena para os crimes do chamado "novo cangaço", modalidade em que quadrilhas com altíssimo poder de fogo e táticas de guerrilha literalmente invadem cidades de pequeno e médio porte para roubar altos valores de instituições financeiras.
O pacote de segurança apresentado pelo governo no fim de março é visto por deputados como ponto de partida para avançar a discussão. Dos três projetos de lei que foram encaminhados à Câmara dos Deputados, um deles qualifica como hedionda a prática de crimes do novo cangaço, os enquadra na Lei de Organizações Criminosas e pune com prisão de 6 a 20 anos.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, disse na segunda que o governo federal tratará com mais rigor o combate às ações do chamado novo cangaço e defendeu mais rigidez a esse tipo de crime, ao ressaltar o projeto de lei encaminhado.
Boa vontade da base governista na Câmara e no Senado não falta. Os parlamentares estão dispostos a usar o episódio em Guarapuava como estímulo político para aquecer o debate sobre a criminalização dos crimes do novo cangaço e destravar os projetos, mas o cenário não é simples.
A pressão da oposição, o cronograma eleitoral e a vontade política dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), são apontados como motivos que podem travar a tramitação de pautas do setor, segundo avaliam à Gazeta do Povo diferentes lideranças da Frente Parlamentar da Segurança Pública, a chamada "bancada da bala".
O que pode atrapalhar o endurecimento aos crimes do novo cangaço
O governo tem dificuldades em avançar propostas estruturantes na área da segurança pública no Congresso. A resistência da oposição e mesmo de parlamentares do chamado Centrão, o grupo de partidos e parlamentares que apoia o governo federal, impediu o avanço de projetos defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mesmo em 2019, seu primeiro ano de mandato — período em que governos costumam ter um maior "poder de agenda" no Congresso —, a articulação política de Bolsonaro aprovou apenas um desidratado "pacote anticrime", sem a prisão após condenação em segunda instância; sem a ampliação do "excludente de ilicitude", dispositivo já existente na lei que abranda eventual punição a policiais por mortes cometidas em serviço; e sem o "plea bargain", medida que prevê acordo com o juiz quando um acusado assume antecipadamente a culpa por um crime.
Os projetos encaminhados em março que constituem o novo pacote anticrime não são menos polêmicos entre os legisladores. Um deles propõe indenização para as vítimas de criminosos. Outro resgata a ampliação do excludente de ilicitude, além do projeto que sugere o combate aos crimes do novo cangaço. Por esse motivo, mesmo algumas lideranças da Frente Parlamentar da Segurança Pública entendem ser difícil a aprovação dos três projetos, ainda mais às vésperas das eleições.
O projeto de lei do governo para punir com mais vigor o crime de novo cangaço encontra focos de resistência na Câmara por definir como terrorismo o emprego premeditado de ações violentas que geram risco à população com fins ideológicos e políticos.
Integrantes da oposição associam o projeto a uma forma de reprimir movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A narrativa empregada é semelhante à embasada na discussão do projeto que prevê a atualização da Lei nº 13.260/2016, apelidada de Lei Antiterrorismo, que segue travado na Câmara.
Embora o Palácio do Planalto tenha maioria na Câmara, o deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM), vice-líder do governo, admite que a pressão exercida pelos opositores contamina o debate político e influencia até determinadas tomadas de decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira, e de líderes partidários em relação aos projetos que entram em pauta.
"O que acontece é que, muitas vezes, nós, da segurança pública, levamos algum assunto mais sensível para o lado técnico. A esquerda leva para o lado ideológico e faz com que o Arthur procure amadurecer o debate e o projeto para que aprove na Casa. E isso acaba atrasando mais [a votação]", sustenta.
Bancada da Bala quer sensibilizar Lira com o ocorrido em Guarapuava
Integrantes da Mesa Diretora da Câmara apontam que dificuldades para se chegar a um acordo para a retomada dos trabalhos nas comissões permanentes atrasaram o debate.
Os projetos de lei (PL) 732 e 733 de 2022, que pune os crimes do novo cangaço e amplia o excludente de ilicitude, respectivamente, aguardam a designação de relatores na Comissão de Segurança Pública. Para isso, é preciso que os relatores sejam designados pelo presidente do colegiado, que, neste ano, deve ser comandado pelo deputado federal Aluísio Mendes (PSC-MA).
A justificativa formal para a estagnação de ambos os projetos não convence o deputado federal Coronel Tadeu (PL-SP). Para ele, falta interesse político de toda a Câmara.
"Quando quer, faz, quando não quer, arruma uma desculpa. A desculpa é de que as comissões não estão instaladas, de que é preciso debater e o projeto não pode avançar de forma açodada. Mas quando a Casa quer, repito, os projetos avançam muito fácil [por requerimento de urgência]", sustenta.
Mesmo o PL 731/22, que propõe indenização para as vítimas de criminosos, vai precisar passar por uma comissão especial, mas até hoje o colegiado não está instalado, ou seja, não teve presidente, relator e membros selecionados pelos partidos.
A expectativa de lideranças da Frente Parlamentar da Segurança Pública é que Lira possa se sensibilizar com o episódio em Guarapuava e inserir os PLs 732 e 733 na mesma comissão especial que discutirá o 731, a fim de avançar a tramitação de todas as matérias simultaneamente, especialmente a que trata sobre os crimes do novo cangaço. Para isso, deputados da frente parlamentar começaram a se mobilizar ainda na segunda.
O deputado federal Sargento Fahur (PSD-PR) afirma que a ideia é se reunir com os deputados mais atuantes da "bancada da bala" para destravar a agenda. "Vamos nos reunir com esses deputados mais afeitos e oriundos das forças de segurança para dar dar uma pressionada no presidente da Câmara para que paute e mostre a importância dessas pautas à sociedade", destaca.
Os parlamentares também planejam uma reunião com o ministro da Justiça e Segurança, Anderson Torres, para discutir os projetos e as prioridades do governo federal após a ação criminosa em Guarapuava. A ideia é montar uma estratégia de atuação no Congresso e unir esforços para votar e aprovar o que for possível.
Outros projetos também preveem punição contra novo cangaço
A prioridade entre parlamentares da base do governo é avançar com os projetos propostos pelo Ministério da Justiça, mas há alternativas para desenvolver o debate de endurecimento da pena para os crimes do "novo cangaço" caso o PL 732 não progrida. Além dele, há pelo menos outras quatro propostas que propõem tipificar e punir ações criminosas como o ataque que aterrorizou Guarapuava.
O PL 5.365/2020, que tipifica o crime de "domínio de cidades" e o enquadra como hediondo, é uma das opções. O texto, de autoria dos deputados Sanderson (PL-RS), vice-líder do governo, e Major Fabiana (PL-RJ), propõe prisão de 15 a 30 anos para os criminosos. A proposta aguarda a conclusão de pedidos de vistas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O relator desse projeto, Coronel Tadeu, afirma que procurou o líder do PL, Altineu Côrtes (RJ), para sugerir a tramitação da matéria em regime de urgência, mas destaca que também vai procurar Sanderson e o governo, a fim de ter um posicionamento do Planalto e do ministro Anderson Torres.
Para Tadeu, o crime praticado em Guarapuava deve ser encarado como o estopim para desencadear a pauta.
"Na pandemia, nós aprovamos tudo o que tinha para combater o vírus. Agora, temos que aprovar tudo o que for possível para combater a criminalidade violenta", diz. O parlamentar lembra que o crime do novo cangaço também ocorreu nos últimos anos em Criciúma (SC), Araçatuba (SP), Botocatu (SP), Campinas (SP), Araraquara (SP) e Varginha (MG).
O deputado Sargento Fahur concorda que o momento é propício. "O Congresso trabalha com fatos, mas sob pressão. Um estardalhaço desses [o crime em Guarapuava] desperta quem está dormente. Tanto que quando morreu o Henry Borel aprovaram projeto no sentido de endurecer penas para esse tipo de criminoso. Agora, vamos ter que fazer alguma coisa e tirar o pé do chão", comenta.
O deputado Capitão Alberto Neto (PL) defende a aprovação de uma redação aos moldes do PL 5.365/20 e ressalta ser autor de uma proposta apensada ao texto, o PL 157/21, que dobra a pena para roubos a bancos que utilizem reféns como escudo humano ou barricada. A expectativa dele é que o crime em Guarapuava sensibilize a Câmara e Lira paute as propostas da segurança pública.
"Infelizmente a oposição sempre tenta boicotar esse tipo de projeto, mas acredito que o presidente Arthur tem a obrigação de colocar projetos para votar, ele não pode passar a mensagem de que o Parlamento vai se calar nesse momento que está todo mundo procurando uma resposta para esses crimes", sustenta. "Eu espero que o que ocorreu no Paraná sensibilize até a esquerda e consigamos aprovar os projetos. A sociedade não aguenta mais essa teoria de que criminosos são vítimas da sociedade", acrescenta Alberto Neto.
O deputado Gurgel (PL-RJ) é outro autor de projeto para punir os crimes do novo cangaço. Seu PL 173/22 tipifica o crime de dano contra a segurança nacional, a ordem política e social. O texto também dobra a pena para o criminoso que utilizar reféns como escudo humano em roubo a bancos. "Isso requer punição urgente, imediata e eficaz", destacou.
Outro projeto que segue uma linha parecida é o substitutivo do PL 4895/20, de relatoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI), vice-líder do partido e aliada de Lira. O texto, que está pronto para ser pautado na CCJ, é considerado por alguns no colegiado como mais abrangente que a redação do governo por prever o crime de "intimidação violenta". O parecer tipifica as ações que têm como objetivo impedir a atuação do poder público voltada para a prevenção e repreensão de ações praticadas por organizações criminosas – como o bloqueio de estradas para impedir a passagem de viaturas policiais.
O autor do PL relatado por Margarete, deputado Subtenente Gonzaga (PSD-MG), espera que o episódio de Guarapuava seja mais um fator de motivação para estimular não apenas o debate dos crimes do novo cangaço, mas outras reformas estruturantes na segurança pública. "Na minha visão, o caminho que precisamos trilhar é ampliar a competência de investigação das polícias. Todas elas têm grande potencial de contribuir com o processo de investigação e elucidação dos crimes", destaca.
O Senado também tem um projeto na mesma linha que os apresentados na Câmara. O senador Carlos Viana (PL-MG), líder do governo, é autor do PL 610/22, que tipifica os crimes de novo cangaço como atos de terrorismo. Contudo, a proposta também carece de vontade política, uma vez que foi apresentada em março e não tem um relator designado.
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