O presidente Jair Bolsonaro deu início à maratona de provações que o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, vai enfrentar para garantir um assento no Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro confirmou reservadamente a ministros que indicará o ex-ministro da Justiça, mas o vazamento da informação à imprensa mais complica do que ajuda o ministro.
A Gazeta do Povo mostrou no início de junho que Mendonça havia conseguido vencer resistências e se tornar "superfavorito" para ser indicado como sucessor do ministro Marco Aurélio Mello, que se aposenta na próxima segunda-feira (12). A questão agora, segundo apurou a reportagem, é que o cenário político é menos favorável do que há um mês.
Se a indicação de Mendonça foi confirmada por Bolsonaro, a aprovação pelo Senado virou uma incógnita. Em junho, o governo contabilizava atingir até 50 votos com a indicação do chefe da AGU. Contudo, hoje, o cálculo político é outro. A CPI da Covid acuou o governo com as suspeitas sobre o contrato da vacina Covaxin e um "superpedido" de impeachment contra Bolsonaro foi apresentado. Tais fatos políticos colocam em dúvida a margem de aprovação.
O governo mantém a confiança de que Mendonça será aprovado, ainda que admita que sob uma margem inferior à projetada anteriormente. No Senado, a leitura feita é de que a votação será a mais apertada desde a redemocratização.
O que o Senado espera da sabatina de André Mendonça
A aposta no Senado — a Casa legislativa responsável por apreciar as indicações ao STF — é que o nome de André Mendonça pode até ser aprovado, mas sob um desgaste semelhante ao do ministro Edson Fachin. Em maio de 2015, o então candidato à Suprema Corte foi sabatinado por 12 horas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na mais longa sabatina desde a redemocratização.
O colegiado aprovou a indicação de Fachin por 20 votos favoráveis e sete contrários. O plenário o aprovou por 52 a 27. O desgaste enfrentado foi superior, inclusive, ao de Alexandre de Moraes, indicado pelo impopular ex-presidente Michel Temer, aprovado na CCJ por 19 a sete na CCJ — após 11 horas de sabatina — e 55 a 13 no plenário.
A comparação feita com os dois magistrados é citada por alguns senadores como forma de explicar o quão difícil deve ser a aprovação de Mendonça. "Vai ser mais difícil que a do [ministro] Kássio [Nunes Marques], que tinha o apoio do [senador] Ciro [Nogueira, presidente do PP] e do [senador] Flávio [Bolsonaro]", aposta um senador aliado. Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, foi aprovado 22 votos a 10 na CCJ e 57 a 10 no plenário.
Além da CPI: quais as outras resistências do Senado a Mendonça
O desgaste sofrido pelo governo na CPI da Covid é um importante elemento político para entender os motivos de resistência de alguns senadores, mas não é o único. Outro é a associação religiosa. Bolsonaro vinculou essa candidatura a uma indicação para atender o eleitorado evangélico, prometendo um ministro "terrivelmente evangélico".
A sinalização de que Bolsonaro escolheria Mendonça atraiu o apoio do pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. O líder evangélico é desafeto de muitos senadores, e pesou ainda mais contra ele ter chamado de "arregão" o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), após ter vetada sua convocação ao colegiado.
Em junho, em solenidade no Pará para a entrega de títulos rurais, Bolsonaro foi acompanhado de Malafaia e Mendonça. O líder evangélico pediu que o presidente da República anunciasse a indicação do titular da AGU na ocasião. O apoio explícito do líder religioso tem constrangido senadores e, hoje, pesa mais contra do que a favor da indicação do ministro.
Outra resistência apontada por alguns senadores — inclusive da base governista — é que nem mesmo o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) sinaliza apoio a Mendonça. Nos bastidores, é dito que o filho de Bolsonaro não apoia o ministro da AGU. Outro na mesma situação é o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
O ex-presidente do Senado tem sido persuadido por evangélicos em sua base eleitoral, o Amapá, a apoiar Mendonça. O senador resiste à ideia e tem dito a aliados que falou diretamente a Bolsonaro que não apoiará o titular da AGU.
Por que a resistência entre aliados e o que Mendonça tem feito para contornar
Além da associação à questão religiosa, pesa contra Mendonça entre senadores a leitura de que, no STF, ele poderia ser um ministro "anti-político". A leitura feita por alguns é que, na Suprema Corte, ele poderia ser alguém que "atacaria" a classe política.
Parte dessas suspeitas entre senadores tem sido aventada pelo passado do ministro na AGU. Mendonça foi diretor do Departamento de Patrimônio e Probidade, tendo coordenado a estrutura responsável por cuidar das ações da advocacia-geral junto à Lava Jato. A ideia de colocar uma "raposa" para cuidar do "galinheiro" não agrada alguns senadores.
Contudo, para evitar resistências entre senadores, Mendonça tem feito gestos diversos. O titular da AGU sinalizou defesa pela revisão das decisões monocráticas, uma pauta defendida no Senado. Para buscar apoio junto ao grupo dos senadores mais independentes, também acenou defesa à limitação de mandato de senadores e o apoio à prisão após condenação em segunda instância.
Para se cacifar para o STF, Mendonça continua se reunindo com senadores. Nesta terça-feira (6), almoçou com os senadores Wellington Fagundes (PL-MT), Carlos Portinho (PL-RJ), Daniella Ribeiro (PP-PB), Zequinha Marinho (PSC-PA), Plinio Valério (PSDB-AM), Jorginho Mello (PL-SC) e Maria do Carmo Alves (DEM-SE). A senadora Simone Tebet (MDB-MS) passou rapidamente pelo local, informou o jornal Valor Econômico.
O ministro de Bolsonaro procurou afastar temores de que o fato de ser evangélico norteará suas decisões no STF, caso seja aprovado. "Ele foi muito claro em dizer que a religião influencia em sua formação humana. Mas não vai tomar decisão na Corte baseado em sua fé evangélica", afirmou Fagundes ao Valor Econômico. Mendonça também se reuniu com o senador Lasier Martins (Podemos-RS).
Aliados de Mendonça acreditam que o ministro tem tudo para vencer as resistências e sustentam que o ministro faz um bom trabalho de convencimento junto a senadores, a ponto de acreditarem em uma vitória próxima dos 50 votos no plenário. Interlocutores reconhecem que uma parte do Senado vai usar o atual momento político vivido pelo governo para fritá-lo, mas estão otimistas de que a articulação vem sendo bem conduzida.
André Mendonça terá de sobreviver à fritura dos adversários
"A partir de agora, começa a maratona para derrubar a indicação do André Mendonça", aposta um interlocutor do STF ouvido pela Gazeta do Povo. Um indicado à Suprema Corte não se sustenta apenas com a aprovação junto a senadores. É, também, necessário sobreviver à fritura de outros postulantes à vaga no Supremo.
É comum nos bastidores que adversários tentem minar uma indicação ao STF a fim de se manter vivo politicamente. Todos os atuais magistrados lidaram com o "fogo cruzado". E a divulgação da escolha de Mendonça faltando uma semana para a aposentadoria do ministro Marco Aurélio não ajuda o titular da AGU.
Se Bolsonaro mantiver o compromisso feito com o presidente do STF, Luiz Fux, a indicação de Mendonça deve ser formalizada no Diário Oficial da União na próxima segunda (12) ou terça-feira (13), às vésperas do recesso parlamentar, que se inicia em 18 de julho. Sem apoio de Alcolumbre, a aposta entre senadores é que dificilmente a sabatina na CCJ ocorrerá antes de agosto.
Quanto mais dilatar o prazo para a sabatina, mais tempo Mendonça terá para se cacifar, mas, também, mais prazo terá para ser fritado. "Quanto mais demorar, mais artilharia e chances de embarreirar o André Mendonça adversários como o [Augusto] Aras [procurador-geral da República] vão ter. Quanto mais rápido for, melhor para o Mendonça", analisa o cientista político Márcio Coimbra, coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília.
Adversários de André Mendonça tem usado suas articulações no Senado para miná-lo nos bastidores, inclusive junto a senadores menos afeitos pelo ministro. A alegação é de que, sem sua indicação ter sido oficializada no Diário Oficial da União, ele não tem a legitimidade para se posicionar como candidato efetivo. "Agora, é o momento que vão investigar a vida dele, olhar com lupa a tese de mestrado, doutorado, checar a relação com o [Dias] Toffoli [ministro do STF], a família", sustenta o interlocutor da Suprema Corte.
Quem são os adversários de André Mendonça por uma vaga no STF
A escolha por Mendonça é o "plano A" de Bolsonaro. No Palácio do Planalto, interlocutores do governo afirmam que, hoje, não existe um "plano B". Mas há outros nomes no páreo para Bolsonaro optar caso queira retirar a indicação.
Um dos mais citados nos bastidores é o ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). É o nome preferido de Davi Alcolumbre; do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); e de Flávio Bolsonaro.
Outro citado é o do PGR, Augusto Aras. É um nome que conta com o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O ministro Luís Felipe Salomão, do STJ, é apoiado por Fux, presidente do STF, mas corre por fora na disputa.
O ministro Ives Gandra Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), é outro cotado. É apoiado pelos militares, que têm grande apreço pelo pai do magistrado, o jurista Ives Gandra Martins, que foi professor de muitos dos generais na Escola Superior de Guerra.
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