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Os atos de vandalismo nas sedes dos Três Poderes, em Brasília, no domingo (8), ampliaram o racha na direita brasileira que já vinha ocorrendo desde o fim da eleição. Segundo parlamentares e analistas políticos ouvidos pela Gazeta do Povo, as invasões e depredações no Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) aprofundam a divisão na direita liberal-conservadora em dois grupos: um que pretende se desassociar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outro que tenta manter vivo o legado de seu governo. Por outro lado, quem se beneficia é a esquerda e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A divisão na direita existe até mesmo na bancada do PL, o partido de Bolsonaro. Os senadores do PL, por exemplo, se dividiram na votação do pedido de intervenção na segurança pública do Distrito Federal, decretada por Lula. Um grupo do partido do qual faz parte Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, fez questão de se manifestar contra a intervenção. Outra parte dos senadores do PL não se manifestou. Na prática, isso significa que eles acompanharam o restante do plenário na aprovação do decreto, que foi feita em votação simbólica.
Na Câmara, também há uma ala mais fiel a Bolsonaro e outra que prega a defesa do conservadorismo e da liberdade econômica de forma independente ao ex-presidente, inclusive no PL, que também se dividiu na votação do pedido de intervenção na segurança pública da capital federal.
Deputado que integrou a base de Bolsonaro na Câmara, Otoni de Paula (MDB-RJ) afirma que dificilmente as cenas de vandalismo em Brasília serão desassociadas da direita ligada a Bolsonaro. "O bolsonarismo virou sinônimo de radicalismo. É esse o retrato que ficou após o domingo. Não adianta mais tentar mudar", diz Otoni. Segundo ele, o próprio ex-presidente virou refém de sua base eleitoral ao longo de seu governo. "Bolsonaro tinha medo do bolsonarismo. As ações dele eram tomadas de acordo com a rede social, e isso apequena o líder", opina.
Otoni considera que a invasão às sedes dos Três Poderes divide a direita à medida em que faz com que parlamentares como ele se posicionem de forma crítica aos apoiadores mais radicais do ex-presidente. "Aqueles que defendiam o presidente Bolsonaro, como eu, e que eram tidos como bolsonaristas, como eu, precisam entender o momento histórico se quiserem sobreviver politicamente", diz. "Não é mais possível manter essa identificação inquestionável com o bolsonarismo. Porque, infelizmente, o bolsonarismo se tornou o que a extrema esquerda sempre foi: uma espécie de MST", afirma.
Ex-vice-líder do governo Bolsonaro, Otoni prega a união da direita e diz que os valores conservadores existiam antes do ex-presidente. "Está na hora de bolsonaristas e não bolsonaristas se unirem em torno de uma pauta única e acabarmos com essa autofagia que temos contra nós mesmos". "O bolsonarismo é um fenômeno novo que se alimenta dos bolsonaristas. E, como todo fenômeno novo dentro da política brasileira, tem um tempo de maturação. Infelizmente não maturou. Houve um desgaste muito grande acelerado por conta do radicalismo", afirma o deputado.
Otoni de Paula entende que a divisão da direita gera, como principal impacto político, a "desidratação" de Bolsonaro na liderança desse espectro político. Para ele, os atos de vandalismo restringem as chances de o ex-presidente reagrupar a direita até 2026 a fim de lançar uma nova candidatura à Presidência da República.
"Acho que haveria espaço se o sistema permitisse. Mas não irá. Depois da democracia, o grande prejudicado [com os atos de 8 de janeiro] é o Bolsonaro. Aqueles que são do extremo do bolsonarismo acabaram prejudicando aquele que é o seu 'mito' e a sua fonte de inspiração. Porque o que ocorreu acaba unindo o sentimento de quase toda uma República de que, para o bem da democracia, o bolsonarismo precisa ser uma página virada", opina Otoni.
Ele diz ainda acreditar que Bolsonaro passará por um processo de isolamento político. Outra possibilidade é que Bolsonaro seja processado, condenado e se torne inelegível para 2026. "Como é que você vira a página do bolsonarismo? Tirando do jogo político o seu líder. Até domingo, qualquer movimento contra Bolsonaro seria altamente perigoso. Depois de domingo, eu já não sei se causaria tanta comoção assim, infelizmente", afirma.
Por outro lado, parlamentares mais fiéis ao ex-presidente atribuem os atos de violência em Brasília a "infiltrados" e os pedidos por intervenção militar a uma "minoria". Esse é o caso do deputado federal Bibo Nunes (RS), vice-líder do PL. Segundo ele, essa minoria "não tem o apoio de Bolsonaro". "Tinha muitos infiltrados no meio. E golpe militar não tem apoio do presidente, nem dos deputados; apenas de uma minoria extremamente radical", diz.
Bibo afirma que "todos os movimentos têm radicais", tanto da direita quanto da esquerda. Segundo ele, a imensa maioria da direita é a favor da democracia e contra a violência e depredação de patrimônio público. "Quem é moderado de direita e até extremista de direita não é a favor de quebradeira, nem de arruaça, nem de invasão de prédio público. Pode ter um ou outro. Mas são raríssimas exceções. Durante dois meses, eles ficaram em frente dos quartéis e nunca se viu nenhuma cena de violência. Há um passado que comprova um comportamento pacifista", destaca.
Além disso, Bibo avalia que não se pode vincular Bolsonaro ao vandalismo do domingo. "Não tem nada que comprove que o presidente tenha incitado alguém a fazer isso [a depredação dos prédios do Planalto, Congresso e STF]. Se tiver o que prove, eu concordo. Mas não mostraram nada até o momento. Mesmo que tentem atrelar [Bolsonaro aos atos de 8 de janeiro], não tem fundamento", diz.
Para Bibo Nunes, não há quaisquer sinalizações de isolamento de Bolsonaro no PL ou de afastamento do presidente nacional do partido, Valdemar Costa Neto, em relação ao ex-presidente.
Segundo ele, também não há condições de enfraquecimento do seu grupo político; e Bolsonaro vai ser candidato a presidente em 2026. "A candidatura do Bolsonaro [à Presidência] está consolidada", avalia. "O que acontece neste momento aconteceu quando saíram o [Sergio] Moro e o [Luiz Henrique] Mandetta [dos ministérios da Justiça e Saúde no governo de Bolsonaro]. Muita gente da direita achava que o governo tinha acabado [o que não ocorreu]", acrescenta Bibo. "Isso [o arrefecimento do desgaste de Bolsonaro] ocorrerá novamente até 2026."
Mas Bibo admite que há uma divisão em seu partido. E diz entender que o mesmo possa ocorrer no espectro político da direita como um todo. "Até pode se dividir."
Quais as consequências da divisão na direita para Bolsonaro
Para analistas políticos, Bolsonaro tende a enfrentar um isolamento político por causa do vandalismo em Brasília – que se acentuará se ele vier a ser processado e, eventualmente, condenado na Justiça. E há uma avaliação de que isso pode ocorrer.
O cientista político Lucas Fernandes, coordenador de análise política e sustentabilidade da BMJ Consultores Associados, diz que no meio político já há sinais de isolamento de Bolsonaro. Parlamentares de partidos do Centrão – grupo que apoiava a antiga gestão – já não defendem Bolsonaro e seu legado. Por outro lado, eles não estão fazendo críticas às medidas adotadas pelo governo do presidente Lula contra Bolsonaro, como a revogação de decretos de sigilo.
O analista político também não descarta um cenário em que partidos e o Judiciário atuem contra Bolsonaro. "A grande repercussão nacional e internacional dos atos faz com que algumas instituições que já tinham muito interesse em condenar o Bolsonaro aumentem esse apetite. A depender do que for descoberto em investigações, ele vira ficha-suja. E talvez, por não ter mais foro [privilegiado], ele possa não disputar as eleições [de 2026] se o Judiciário se engajar para condenar o Bolsonaro em duas instâncias e impedi-lo de lançar candidatura", diz.
O cientista político e sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concorda que os atos de vandalismo comprometem a liderança de Bolsonaro na direita. Mas ele avalia que, na hipótese de Bolsonaro ser isolado politicamente, a base eleitoral e política que o apoia se reorganizará em outra candidatura.
"Jair Bolsonaro será escanteado. Mas o bolsonarismo não. Esse sentimento que hoje chama-se de 'bolsonarista', que engloba desde a centro-direita até a extrema direita, vai mudar de nome. Eles deixarão de ser bolsonaristas e assumirão outra vertente e outro nome que surgir. O pensamento de direita está muito enraizado e com muito vigor cívico na sociedade", diz. "A própria direita vai se encarregar de acabar com o bolsonarismo, e a esquerda e o governo Lula vão querer que o termo bolsonarista continue existindo."
Com a direita dividida, Baía prevê que até 2026 haverá o surgimento de ao menos duas candidaturas na direita. Segundo ele, uma tende a ser mais de "extrema-direita", mas sem "teses raivosas". "A outra é a de uma direita mais firme nos valores conservadores, sem radicalismos", diz.
O professor da UFRJ vislumbra o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e a senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) como os nomes com maior potencial de representar a direita sem Bolsonaro. Baía considera que ambos trafegam nos dois perfis de candidaturas previstas por ele, embora vislumbre a ex-ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos no campo mais à direita.
Com dois perfis de candidaturas assumindo os possíveis espólios eleitorais de Bolsonaro, uma convergência não pode ser descartada até às eleições de 2026, bem como o surgimento de outros nomes para a disputa presidencial. Para Baía, o senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) são outros cotados. "O Congresso será o celeiro do novo líder [da direita]", afirma.
O cientista político Lucas Fernandes considera que, além de Tarcísio, os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), são nomes com possibilidade para liderar a direita em 2026, embora entenda que ambos precisarão se viabilizar no cenário político.
O deputado Otoni de Paula descarta os nomes desses governadores. "Eu não julgo as qualificações e a capacidade desses três nomes. Mas me parece que, para a Presidência, passa muito mais por um carisma pessoal do que por uma questão de currículo", diz. "A direita está sem uma liderança como a do presidente Bolsonaro e dificilmente nós teremos outra que consiga falar com as massas", avalia.
O cientista político Paulo Baía concorda com o deputado Otoni no caso dos governadores de Minas e do Rio. "Zema e Cláudio Castro não têm condições de fazer isso [liderar a direita]. Embora sejam nomes preparados, bem sucedidos, reeleitos e tenham a simpatia de grandes colégios eleitorais, eles não conseguirão transformar isso em uma liderança popular. Não é do estilo deles", avalia.
Como o vandalismo afeta a esquerda e o governo Lula
Para analistas e políticos, a divisão na direita beneficia a esquerda e o governo Lula. O cientista político Lucas Fernandes considera que o governo pode tirar proveito dos atos de vandalismo em Brasília. "Lula vai ter um trunfo muito provavelmente de uma CPI funcionando [para investigar os atos de 8 de janeiro]", diz.
Fernandes afirma que a invasão das sedes dos Três Poderes foi um "tiro no pé" da direita. "Criou e contratou uma crise agora que tira o foco do Lula. Se a gente olha para o noticiário das últimas duas semanas, era todo de declarações de ministros que tinham que ser contraditas depois [por integrantes do próprio governo]. O holofote era o Lula, e havia espaço para que a oposição começasse a crescer", afirma Fernandes. Agora, o foco negativo está na direita.
O cientista político da UFRJ Paulo Baía entende que os atos fortaleceram a esquerda e a centro-esquerda, inclusive na atuação para caracterizar os vândalos como "terroristas". "O episódio de domingo é um balde d’água fria na direita em todos os aspectos. Foi o ápice de algo que ela nunca quis", diz. "Todos os governadores e todo mundo está a favor do Lula neste momento. Nem ele esperava isso. Os bolsonaristas deram no domingo uma linha ao governo Lula com uma semana de gestão – que, agora, passa a ter uma unidade", diz o professor da UFRJ.
O deputado Otoni de Paula concorda com a visão dos analistas. Para ele, os atos deram a Lula a imagem de o "grande democrata" do país. "É o retrato que fica agora, de que nós [da direita] somos os vândalos e eles são os patrocinadores da democracia. Salvamos o início do governo Lula. Nós acabamos dando governabilidade a ele", afirma o parlamentar.
Otoni promete uma oposição propositiva e aguerrida ao governo petista. Mas avisa que não promoverá uma "oposição ao Brasil. "Se o governo Lula mandar para o Congresso Nacional e para a Câmara Federal algum projeto que beneficie o Brasil, eu não serei contaminado pelo ódio dos meus adversários do 'quanto pior, melhor'. Antes do bolsonarismo, eu sempre fui conservador. E não sou daqueles que torce para o avião cair porque não gosta do piloto."
Já o deputado Bibo Nunes tem uma visão diferente sobre os efeitos na esquerda dos atos de vandalismo. Ele não acredita na hipótese de um governo Lula fortalecido pela divisão da direita e reforça seu entendimento de que Bolsonaro será candidato nas eleições de 2026 e que será bem-sucedido. "Vai ganhar a eleição porque o Lula vai fazer um desgoverno tão grande que vai garantir a eleição do Bolsonaro", diz.
Nunes também promete uma oposição equilibrada. "Não farei uma oposição contra tudo e a favor de nada, do quanto pior melhor, como fazia a esquerda com Bolsonaro. Esse radicalismo não contribui. Mas jamais, em hipótese alguma, estarei com o PT".