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Depois de anunciar no domingo (2) que enviaria uma proposta ao Congresso Nacional para alterar a forma de tributação do ICMS dos combustíveis – o que gerou reação imediata dos estados –, o presidente Jair Bolsonaro voltou à carga nesta quarta-feira (5) ao propor um desafio aos governadores. "Eu zero [o imposto] federal, se eles zerarem o ICMS [dos combustíveis]. Está feito o desafio aqui agora. Eu zero o federal hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito", afirmou Bolsonaro a jornalistas na saída da residência oficial do Palácio da Alvorada.
O desafio do presidente, se fosse cumprido à risca, provocaria uma redução média de pelo menos 44% no preço da gasolina e de 24% no diesel. Hoje, a tributação de ICMS pelos estados representa 29%, em média, do preço final da gasolina. Há ainda mais 15% de tributos federais – PIS/PASEP, Cofins e Cide. No caso do diesel, o ICMS representa 15% do preço final e os tributos federais, 9%.
Proposta esbarra na situação financeira dos estados
A proposta do presidente Bolsonaro, apesar de ter potencial para reduzir os preços dos combustíveis, esbarra na situação financeira dos estados, que estão pedindo socorro à União para equilibrar suas contas. E a perda de arrecadação seria proporcionalmente muito maior para os estados do que para o governo federal.
O ICMS dos combustíveis representa cerca de 20% da arrecadação total desse imposto nos estados. Para complicar ainda mais, o ICMS é a principal fonte de arrecadação das unidades da federação, chegando a representar 85% da arrecadação com todos os tributos estaduais. Esses números mostram que, para zerar o ICMS dos combustíveis, como desafiou Bolsonaro, os estados teriam que abrir mão, em média, de cerca de 15% de sua arrecadação total.
De acordo com boletim do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), a arrecadação de todos os tributos estaduais das 27 unidades da federação alcançou a cifra de R$ 566,888 bilhões em 2018. Desse total, R$ 479,664 bilhões vieram do ICMS.
No estado do Paraná, por exemplo, a arrecadação proveniente dos combustíveis representou 22,7% do total de ICMS arrecadado em 2017, 21,8% em 2018 e 22,4% de janeiro a setembro do ano passado. Segundo a Secretaria da Fazenda estadual, em 2018 o estado arrecadou R$ 29,1 bilhões de ICMS. Desse total, R$ 6,4 bilhões vieram dos combustíveis.
Impacto de zerar impostos dos combustíveis seria bem menor para a União
Do lado do governo federal, o impacto da perda de impostos de combustíveis seria bem menor. A Receita divulgou nesta quarta-feira (5) que o governo arrecadou R$ 27 bilhões no ano passado com os impostos sobre combustíveis. Foram 20,2 bilhões arrecadados com a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), R$ 4,4 bilhões com o Programa de Integração Social/Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (PIS/Pasep) e mais R$ 2,8 bilhões da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).
Dados do Confaz mostram que, em 2019, a arrecadação total de tributos federais somou R$ 1,54 trilhão. Traduzindo, o governo federal teria que abrir mão de apenas 1,7% do total de sua arrecadação, contra 15% que seria perdido pelos estados.
Disputa com governadores
No domingo (2), logo após Bolsonaro ter postado no Twitter uma série de mensagens propondo o envio ao Congresso de proposta para mexer no ICMS, os governadores se mobilizaram imediatamente e, na segunda-feira (3), divulgaram comunicado conjunto criticando a iniciativa do presidente. Os chefes dos governos estaduais pediram ao presidente que ele reduza os tributos federais sobre combustíveis e reveja a política de preços da Petrobras.
Nesta quarta, Bolsonaro negou que esteja buscando atrito com os governadores. "Não estou brigando com governadores. O que eu quero é que o ICMS seja cobrado no combustível lá na refinaria, e não na bomba. Eu baixei três vezes o combustível nos últimos dias, mas na bomba não baixou nada."
Especialistas criticam desafio de zerar os impostos dos combustíveis
“O corte do ICMS dos combustíveis retiraria uns R$ 100 bilhões dos cofres dos estados. Isso não é possível fazer diante das dificuldades financeiras de todas os estados”, diz o ex-secretário de Fazenda do Paraná Luiz Carlos Hauly, autor do texto base da proposta de emenda à Constituição (PEC 110/2019) que trata da reforma tributária e que está em tramitação no Senado. Segundo seus cálculos, só de ICMS da gasolina os governadores perderiam cerca de R$ 60 bilhões.
Na avaliação do economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), o impacto da proposta de Bolsonaro nos estados vai além da perda de arrecadação de ICMS. “A Cide [contribuição que incide sobre os combustíveis e que é recolhida pelo governo federal], em boa parte, já é partilhada com os mesmos governos estaduais e municipais”, diz.
Segundo Afonso, uma parcela importante do ICMS é vinculada para educação e saúde, e também ajuda a custear a segurança pública e outros gastos dos estados. “Se cortar o imposto, vai cortar também tais serviços, ou vai aumentar a dívida pública?”, questiona
No caso da Cofins e do PIS, que são tributos federais os quais Bolsonaro disse que zeraria, Afonso diz parte está vinculada à seguridade social, em especial a Previdência. “Se cortar sua arrecadação sobre combustíveis, vai aumentar de novo a idade mínima para se aposentar? Ou vai subir a dívida pública?”, pergunta.