O governo federal resolveu adotar um tom de neutralidade sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, segundo interlocutores do Palácio do Planalto. Apesar das críticas do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) a Vladimir Putin, a tendência é de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) evite críticas mais contundentes ao presidente russo.
O Ministério das Relações Exteriores emitiu um posicionamento em que diz que o governo acompanha com "grave preocupação" as operações militares da Rússia contra a Ucrânia e apelou pela "suspensão imediata das hostilidades" e pelo "início de negociações conducentes a uma solução diplomática para a questão".
A nota oficial é defendida no Itamaraty e no Palácio do Planalto. Interlocutores do governo sustentam que o comunicado foi protocolar e o tom utilizado mantém a neutralidade da diplomacia brasileira. Existia a pressão por uma nota mais contundente contra o ataque russo à Ucrânia, mas essa opção foi descartada no governo e não há previsão de a chancelaria brasileira mudar a postura.
Ao lado do presidente em uma transmissão ao vivo na internet na noite desta quinta-feira (24), o ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, destacou que a "tradição diplomática brasileira" é de ser um "país facilitador do diálogo".
"[O Brasil] fala como ator global com todos os lados, todos os países, é capaz de incentivar o diálogo, que os países venham à mesa de negociação e, através do diálogo e negociação, se chegue a um acordo. É o objetivo que nós queremos, a paz mundial", afirmou.
Bolsonaro não condenou a invasão russa à Ucrânia, mas ponderou que, "na medida do possível", o Brasil fará "tudo que estiver ao nosso alcance" pela paz. "Queremos a paz porque ela interessa a todos nós, a guerra não interessa a ninguém. A nossa posição é pela paz", declarou na live.
Na noite de quarta-feira, logo após Putin autorizar a operação militar contra a Ucrânia, o embaixador do Brasil na ONU, Ronaldo Costa Filho, condenou o uso da força contra a integridade territorial, soberania e independência política sobre um membro da Organização das Nações Unidas (ONU), afirmando que a situação é inaceitável.
“O Brasil não subestima a complexidade da situação atual, mas insistimos no diálogo como chave para alcançar um acordo duradouro para este conflito. Há muito em jogo, acima de tudo as vidas de muitos civis. Nós devemos a eles todos os nossos esforços para fazer com que essa crise tenha uma solução pacífica”, apelou o embaixador brasileiro durante a Assembleia Geral do Conselho de Segurança da ONU.
O que as falas de Bolsonaro dizem sobre a neutralidade diplomática
Ao não condenar o ataque russo à Ucrânia, Bolsonaro deixa clara a posição brasileira pela neutralidade, segundo fontes do governo. No Planalto, por exemplo, a movimentação ao longo desta quinta-feira foi classificada como "padrão" por interlocutores ouvidos pela Gazeta do Povo.
"Historicamente, o Brasil sempre fica neutro, não vejo nenhuma mexida, nenhuma movimentação atípica que sugira o contrário. Politicamente, não vejo nada fora do padrão, nada que sugira um posicionamento diferente do comunicado feito pelo Itamaraty", informou um assessor palaciano.
Pela tarde, o clima sobre um eventual posicionamento de Bolsonaro era até visto como incerto no governo. Ao longo do dia, em dois eventos em São Paulo, um pela manhã, na inauguração de um complexo viário na BR-153, e outro pela tarde, na inauguração de dois reservatórios de água de macrodrenagem do Córrego Ipiranga, ele não fez um único comentário sobre o cenário no leste europeu.
O motivo do silêncio de Bolsonaro sobre o conflito militar foi avaliado no governo como fruto da falta de um consenso sobre o tema, segundo um interlocutor governista. "A priori, não existe consenso dentro do governo e todos ficaram de esperar o presidente se posicionar e nos orientar pelo que diz o Itamaraty, que lançou uma nota protocolar pela manhã", disse o assessor.
A guerra entre Ucrânia e Rússia é vista como muito sensível para o governo abdicar de sua postura neutra. Parte do núcleo militar, por exemplo, defendeu a neutralidade, afirma um interlocutor. Uma postura mais contundente pró-Ucrânia poderia gerar impactos, inclusive, ao agronegócio. Segundo um assessor, esse foi, inclusive, um motivo pelo qual o presidente evitou falar sobre o assunto sem antes ouvir seus ministros.
O Brasil é um grande importador de fertilizantes da Rússia e estreitou as relações comerciais com a viagem de Bolsonaro ao país neste mês – ocasião em que chegou a afirmar que o Brasil era "solidário" à Rússia, sem especificar a quê estava se referindo. "Fizemos contato excepcional com o presidente Putin, acertamos a questão de fertilizantes para o Brasil, somos dependentes de fertilizantes da Rússia, Bielorrússia, e grande parte desses países", salientou o presidente na live ao explicar a posição do Brasil no conflito.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse nesta quinta, contudo, que a pasta monitora permanentemente o conflito e tem procurado alternativas aos fertilizantes importados da Rússia, caso as importações sejam inviabilizadas. "Tem que ter muito cuidado com isso", admitiu após um evento em Fortaleza. Por outro lado, ela deixou claro que o país não importa o insumo apenas dos russos. "[O Brasil] é um importador de fertilizantes de vários países. Temos outras alternativas para substituir, se tivermos problemas", destacou.
O conflito na Ucrânia mobilizou todo o governo. Ao fim da live, Bolsonaro disse que conversaria ainda nesta quinta com Carlos França e o ministro da Defesa, Braga Netto, e outras autoridades do governo. "Para que nós possamos dimensionar o que está acontecendo, e o Brasil tem a sua posição. E digo a vocês, quem fala pelo Brasil nessas questões internacionais é o presidente da República", avisou. Um dos temas previstos para ser discutido é como tirar os brasileiros e outros sul-americanos do país.
Bolsonaro x Mourão: o que falaram o presidente e o vice sobre o conflito
As falas de Carlos França e Bolsonaro na live dizem muito sobre a postura que o governo promete adotar na guerra entre Rússia e Ucrânia. O presidente da República, inclusive, desautorizou Mourão sobre o assunto. Pela manhã desta quinta-feira, o vice-presidente disse que o país não está neutro e deixou claro não concordar com a invasão da Ucrânia pela Rússia.
"O Brasil não está neutro. O Brasil deixou muito claro que respeita a soberania da Ucrânia. Então, o Brasil não concorda com uma invasão do território ucraniano. Isso é uma realidade", disse Mourão em rápida conversa com jornalistas no Planalto. O vice-presidente chegou, inclusive, a defender o uso da força em favor do governo ucraniano e comparou o presidente russo, Vladmir Putin, ao ditador alemão nazista Adolf Hitler.
"Tem que haver uso da força, realmente um apoio à Ucrânia, mais do que está sendo colocado", disse Mourão ao avaliar que as sanções econômicas contra a Rússia são insuficientes diante do atual conflito. "Se o mundo Ocidental deixar que a Ucrânia caia por terra, o próximo será a Moldávia. Depois, os estados bálticos, e assim sucessivamente, igual à Alemanha hitlerista fez no final dos anos 1930", comentou o vice-presidente.
As falas do vice foram desautorizadas por Bolsonaro, que citou o artigo 84 da Constituição para destacar que ele, enquanto chefe de Estado, é o responsável por conduzir as relações exteriores. "Com todo o respeito a essa pessoa que disse isso, está falando algo que não deve, não é de competência dela, é de competência nossa", disse. O presidente da República afirmou que todas as decisões referentes à política externa são tomadas por ele após ouvir o ministro das Relações Exteriores e o da Defesa.
"Se for o caso, convido mais algum ministro para eu tomar a decisão. A decisão é minha, mas quero ouvir pessoas que realmente são ministros para tratar desses assuntos. Nós somos a paz, nós queremos a paz, viajamos em paz à Rússia", declarou. "Tudo faremos e tudo que estiver ao nosso alcance nós faremos pela paz. E quem fala sobre essas questões chama-se Jair Messias Bolsonaro", complementou.
O que dizem especialistas sobre a posição de neutralidade do governo
A postura adotada pelo governo é vista com naturalidade pelo analista político Ricardo Mendes, diretor da consultoria Prospectiva. "O Itamaraty e o governo estão agindo da forma como sempre agiram historicamente no Brasil, sem absolutamente nada de diferente", analisa. "É um conflito longe, o Brasil não tem muito interesse direto nessa região e acho que tem que ver o desdobramento dos fatos e acompanhar mais à distância mesmo", acrescenta.
O especialista em política externa pondera que o Itamaraty foi politizado ao longo dos últimos anos e gestões, mas reforça a tese de que não identificou uma posição diferente da postura histórica. "O Itamaraty foi bastante politizado pelos dois lados [esquerda e direita] e incomoda bastante gente o Bolsonaro fazer isso após uma viagem à Rússia. Existe uma certa simpatia da base dele com a Rússia, mas repito, não acho que [o posicionamento] esteja errado", pondera. O especialista não descarta que pressões externas, de outros países, possam tentar induzir o governo a subir o tom contra a Rússia, mas entende que a influência é restrita.
O analista político Bernardo Nigri, consultor em política internacional da BMJ Consultores Associados, entende que a neutralidade adotada pelo governo não é total. "O Brasil não vai se colocar totalmente neutro à medida em que pedir o fim das hostilidades tende a ser um posicionamento mais crítico à Rússia. Mas podemos pensar se o Brasil vai ter uma posição mais incisiva com relação à Rússia e ao Putin", acrescenta.
O especialista em relações exteriores avalia que a Ucrânia e outros países vão pressionar o Brasil por um posicionamento mais firme e acha que essa é uma questão que tende a crescer à medida em que o conflito deflagrado se mostrar mais abrangente e não pontual. Contudo, Nigri também entende que o país não entra no hall de nações que sofreriam retaliações por uma não adoção de uma postura mais contundente contra a Rússia.
"Não acho que vai ter retaliação por parte dos atores, mas a pressão vai ser crescente para Bolsonaro se posicionar e já vemos o próprio vice-presidente tendo declarações incisivas e falando que a escalada de força pode ser uma alternativa à medida em que não se veja outras condições para coibir o conflito", analisa Nigri.
Presidente do Congresso também defende solução negociada para conflito
O presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu nesta quinta-feira (24) que Rússia e Ucrânia busquem uma solução diplomática para a crise e também evitou criticar diretamente o Kremlin. Em nota, o parlamentar afirmou que, assim como toda a comunidade internacional, o Legislativo brasileiro acompanha "com crescente preocupação o agravamento do conflito entre Rússia e Ucrânia".
"Como presidente do Congresso Nacional e, em nome de meus pares, reafirmamos a necessidade de um diálogo amplo, pacífico e democrático com vistas a uma rápida solução negociada que contemple os legítimos interesses das partes envolvidas".
Pacheco avaliou que a magnitude da atual crise e sua rápida deterioração têm potencial de impactos político, econômico e social difíceis de imaginar, mas salientou que a "crença na democracia, na convivência harmoniosa, no respeito aos direitos humanos e no multilateralismo consagrado pelos princípios das Nações Unidas nos leva a renovar nossa melhor expectativa no que se refere ao encaminhamento de uma solução pacífica, mutuamente acordada".
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