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Debandada da União faz com que a responsabilidade pelo investimento produtivo recaia ainda mais sobre as costas do setor privado.
Debandada da União faz com que a responsabilidade pelo investimento produtivo recaia ainda mais sobre as costas do setor privado.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Um dos indicadores que mais demora a se recuperar após o início da crise econômica no Brasil, em 2014, a taxa de investimentos segue nos menores patamares da história. Depois de chegar a representar 21% do PIB Brasileiro em 2013, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), medida pelo IBGE desde 1996, atingiu seu menor patamar em 2017 (14,98%) e pouco evoluiu desde então (15,83% em 2018 e 15,69% no primeiro semestre deste ano).

Os números da economia do segundo trimestre do ano, divulgados na última quinta-feira (5), trouxeram algum alento: revelaram que o avanço no investimento produtivo – principalmente na construção civil, com alta de 3,2% – foi o principal fator para o crescimento de 0,4% no PIB no período. Mas logo no dia seguinte veio o balde de água fria: o anúncio do orçamento da União de 2020, com a previsão do menor investimento da história do governo federal.

A debandada da União faz com que a responsabilidade pelo investimento produtivo – isto é, o gasto em obras, máquinas e equipamentos que permitam mais produção no futuro – fique ainda mais sobre as costas do setor privado. Que, por vários motivos, anda pensando várias vezes antes de aplicar seu dinheiro.

O governo federal informou no projeto de Lei Orçamentária Anual de 2020 que terá apenas R$ 19,3 bilhões para investir no ano que vem – pouco mais de um terço dos R$ 55,2 bilhões investidos em 2018, que por sua vez já estavam muito abaixo da média histórica.

“No atual quadro, impossível a iniciativa privada compensar integralmente a queda dos investimentos públicos”, avalia o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin.

Para ele, o setor privado ainda está distante da decisão de voltar a investir. “Ainda temos muito o que fazer para resgatar o investimento. O primeiro fator é o encaminhamento das reformas, que estão na agenda, de modo a reduzir incertezas. A reforma da Previdência te dá um indicativo de controle das finanças públicas. A reforma tributária tem impacto positivo de alavancar a competitividade da produção nacional”, diz.

O economista cita, no entanto, que conferir às reformas a responsabilidade pela recuperação do investimento é exagero. Ele comenta que a decisão de investir é mais complexa que apenas reduzir incertezas.

“Além da confiança, há elementos importantes como a estrutura de financiamento. Com o encolhimento do BNDES, nosso mercado de capital não desenvolveu musculatura suficiente para compensar. Numa retomada de investimento é importante ter canais de financiamento compatíveis com a rentabilidade dos projetos. E não sabemos se nossa atual estrutura de financiamento vai funcionar num momento de expansão”, diz.

Ociosidade alta desestimula ampliações

Outro fator é a capacidade ociosa, que segue em nível muito elevado. Grosso modo, as empresas não estão usando toda a capacidade que têm para gerar riqueza. “Não se justifica ampliar o negócio se ainda há capacidade ociosa”, diz Cagnin.

Relatório da XP Investimentos indica como fator importante que o investimento continue surpreendendo positivamente nos próximos trimestres, pois é um dos componentes do PIB que está mais longe de seu pico anterior à crise – o patamar atual está 26% abaixo dos níveis de 2013. O mesmo diagnóstico foi feito para a indústria de transformação e a construção, que estão respectivamente 15% e 30% abaixo de suas melhores marcas.

“Olhando à frente, apesar do bom resultado dos investimentos e da construção civil [no segundo trimestre], ainda vemos um processo gradual de recuperação dos investimentos devido à alta ociosidade no setor industrial e aos persistentes problemas de competitividade e produtividade. É natural que uma normalização desse nível anteceda novos investimentos”, diz o relatório.

Para Cagnin, do Iedi, o que há agora é investimento pequeno, de modernização, alguma troca de equipamento, para manter competitividade atual da produção. Não um investimento para ampliação, aumento de capacidade, mais complexo, capaz de injetar oxigênio no crescimento econômico.

“A puxada de investimento parece dependente, cada vez mais, de iniciativas voltadas à infraestrutura. Primeiro porque temos uma carência muito grande em infraestrutura e, segundo porque temos uma agenda, com interesse privado e vontade política de parcerias e concessões em infraestrutura”, avalia. “E, a despeito das restrições fiscais que temos, precisa-se discutir possibilidades estratégicas de resgatar o investimento público. O ajuste fiscal que está sendo feito é quase todo em [corte de] investimentos, tira o dinamismo da economia”, acrescenta.

O economista aponta como uma alternativa a utilização de parte dos recursos arrecadados com as privatizações anunciadas pelo governo federal para resgatar obras de infraestrutura paradas. “Isso não só acelera o crescimento econômico hoje, como melhora a eficiência do sistema produtivo, reduzindo gargalos de infraestrutura, desencadeando um processo em cadeia. Além de a construção ser um grande gerador de empregos, o que estimula o consumo e abre a possibilidade de novos investimentos”.

Recuperação lenta e descontínua ameaça competitividade no futuro

O pesquisador alerta que a recuperação lenta e descontínua, principalmente da indústria pode prejudicar gravemente a competitividade brasileira em mercados internacionais no futuro.

“Se não viabilizarmos novos investimentos, ainda corremos risco da obsolescência. Enquanto o mundo caminha para a indústria 4.0, a automação com inteligência artificial, nosso parque produtivo está ficando velho e isso vai causar muitos problemas no futuro. Se o Brasil envelhecer sua capacidade produtiva, enquanto o mundo entra com nova matriz tecnológica, nosso déficit de competitividade será cada vez maior e, consequentemente, perderemos mercado. Então, estamos num ponto muito delicado para apenas aceitar essa recuperação lenta e descontínua”, conclui.

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