Queimadas afetam Amazônia, mas recursos do Fundo Amazônia demoram a chegar para o combate. Foto de queimada em Tefé/AM. Setembro/2024| Foto: Ricardo Stuckert/PR
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A gestão dos recursos do Fundo Amazônia vem sendo criticada em meio à crise de queimadas que afeta, em especial, a Amazônia brasileira, que já registrou, entre janeiro e setembro, 104.364 focos de incêndio, segundo dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Somente após cobranças do Supremo Tribunal Federal (STF) e reclamações dos estados, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), gestor do Fundo Amazônia, anunciou, na última quinta-feira (26), a aprovação de projetos para o combate ao fogo na região.

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Serão destinados R$ 180 milhões para quatro estados da Amazônia: Amapá, Amazonas, Pará e Roraima. Os valores, no entanto, podem demorar a ser liberados. De acordo com o secretário de Meio Ambiente do Amazonas, Eduardo Taveira, tanto o Ministério do Meio Ambiente quanto o BNDES têm demorado na liberação dos recursos do Fundo Amazônia. Essa lentidão é apontada como um entrave, especialmente em um momento em que a crise das queimadas exige respostas imediatas por parte do governo federal.

Apesar da preocupação dos estados, ao anunciar os recursos, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, afirmou que o tema é prioritário. “Esse é um projeto absolutamente prioritário para o país. O Brasil está sentindo cotidianamente a pressão da crise ambiental, e estamos atuando para permitir um combate mais efetivo aos incêndios”, disse Mercadante.

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O anúncio, no entanto, ocorre após críticas dos estados da Amazônia e a cobrança do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Ministério do Meio Ambiente e o BNDES se manifestem sobre a demora na análise de projetos estaduais de preservação da floresta amazônica. O ministro Flávio Dino, relator das ações na Corte sobre o tema, pediu 30 dias para respostas de ambos os órgãos, após uma audiência de conciliação realizada em 19 de setembro.

Na ocasião, Eduardo Taveira citou que um projeto de R$ 45 milhões para combate às queimadas no Amazonas, apresentado pelo governo do estado em novembro do ano passado, ainda estava em análise.

A aprovação dos projetos só depois da instalação da crise das queimadas e das cobranças públicas também foi criticada por analistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Para eles, o anúncio é tardio e reforça a ineficiência do Fundo Amazônia.

“É preciso revisar, como um todo, a necessidade, adequação e efetividade do Fundo”, pontua o doutor em direito pela PUC-SP, George Humbert, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades).

Até então, pouco recurso havia sido liberado para queimadas

Os novos projetos apoiados pelos recursos do Fundo Amazônia vão beneficiar os corpos de bombeiros dos estados do Amapá, Amazonas, Pará e Roraima. Até então, apenas nove dos 114 projetos apoiados pelo Fundo Amazônia tratavam do combate a incêndios e queimadas.  

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Os nove projetos mais antigos, somados, preveem R$ 527,6 milhões para o combate a queimadas. No entanto, o valor efetivamente desembolsado, até o momento, é de pouco mais de R$ 77 milhões, o que representa menos de 15% do total.

Pelas propostas que envolvem a destinação dos R$ 180 milhões anunciados nesta semana pelo BNDES, R$ 168,6 milhões serão utilizados para aquisição de equipamentos, veículos e máquinas, além da realização de obras nos quatro estados. O valor representa 94% dos recursos. O restante, R$ 11,3 milhões, subsidiará o desenvolvimento de ações de prevenção.

A demora no processo de liberação dos recursos e efetiva aquisição dos itens para combate as queimadas também preocupa. “O que precisa agora é recurso para contratação de pessoal e locação de viaturas e aeronaves, de forma emergencial. Os processos de aquisição de equipamentos são longos e não condizem com a atual situação crítica”, pontuou o ex-diretor de proteção ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Samuel Souza.

Recurso do Fundo Amazônia para queimadas é "irrisório”, diz ex-presidente do Ibama 

Souza afirma ainda que os R$ 180 milhões anunciados pelo Fundo Amazônia para queimadas são insuficientes e chegam tarde. “Esse valor é equivalente a um crédito suplementar que se usa em uma emergência no PrevFogo [Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais] no ano. R$ 180 milhões não é muita coisa para quatro estados em meio à emergência que vivemos. É um valor irrisório”, alerta Souza.

O BNDES aponta que há R$ 405 milhões de recursos não reembolsáveis (também conhecido como “fundo perdido”) do Fundo Amazônia disponíveis para o apoio às corporações que combatem incêndios. No entanto, desse montante, o BNDES liberou efetivamente apenas R$ 21,7 milhões para operações previstas no estado do Acre.

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A forma como os projetos foram aprovados foi criticada. “Agora, para remediar um erro histórico, aprova-se um projeto, de forma açodada, não planejada e quando o dano já ocorreu”, disse Georges Humbert ao se referir às queimadas que afetam a Amazônia brasileira.

A aprovação dos recursos também evidencia a falha do governo federal na gestão das queimadas. A União é responsável por apenas um dos projetos que tem como tema o combate a queimadas. A proposta prevê a destinação de R$ 318,5 milhões para o “enfrentamento aos crimes ambientais e conexos relacionados à dinâmica do desmatamento e degradação florestal”. O projeto foi aprovado em dezembro de 2023, mas, até o momento, nenhum desembolso foi registrado.

Em novembro de 2023, o Ibama sinalizou que estava finalizando um projeto para obtenção de recursos do Fundo Amazônia para a ampliação de ações contra as queimadas. A informação chegou a ser confirmada na época pelo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, ao Estadão. “O Ibama deve submeter no fim do ano um projeto robusto para o Fundo Amazônia. Está em fase final de concretização”, afirmou. A Gazeta do Povo consultou o Ibama, mas não recebeu a confirmação sobre a apresentação do projeto. 

“Fundo Amazônia precisa ser revisado”, afirma analista 

Atualmente, a maior parte dos projetos apoiados pelo Fundo Amazônia está ligada às questões indígenas, são 37 de um total de 114 projetos. O número é maior do que os projetos relacionados à Unidades de Conservação, por exemplo, que somam 30. Mais de 60% dos projetos têm como responsáveis Organizações Não Governamentais (ONGs).

Para Georges Humbert, esses números e a aprovação dos mais recentes projetos relacionados às queimadas demonstram a incoerência na forma com que o Fundo Amazônia é conduzido. “Não há coerência dos objetos executados com as efetivas necessidades do povo, da economia e da biodiversidade da região”, afirma Humbert, que também critica a falta de transparência e prestação de contas da gestão.

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O que é e como funciona o Fundo Amazônia

O Fundo Amazônia é administrado pelo BNDES em coordenação com o Ministério do Meio Ambiente. Ele possui dois comitês, o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa) e o Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA), que compõem a sua estrutura de governança e são formados por membros do governo, do BNDES e dos países que contribuem por meio de doações – R$ 4,1 bilhões já foram recebidos.

Criado em 2008, o Fundo Amazônia passou os quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) paralisado e, com isso, novas doações e a aprovação e contratação de novos projetos foram interrompidas. Ao justificar a paralisação, ocorrida a partir de 2019, o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles disse que sua gestão identificou problemas de governança, cuja origem ele atribuiu à estratégia de escolha dos projetos para receber aportes financeiros.  Para solucionar esse problema, o ex-ministro pretendia reformular a estrutura de gestão do Fundo Amazônia, mas isso não chegou a ser feito.

A posição de Salles é reforçada pelo doutor em direito e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades), Georges Humbert. “É preciso utilizar esses vultosos recursos em favor de políticas públicas prioritárias, não para uma centena de projetos de ONGs ideológicas que não resolvem as questões graves das queimadas, desmatamento e garimpo ilegais, da regularização fundiária, do desemprego e falta de acesso à saúde e educação na região”, opina.

Fundo Amazônia já foi investigado em CPI

Os repasses e a aplicação do Fundo Amazônia já foram tema de investigações por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs. Na CPI, senadores apontaram que a maior parte dos recursos do Fundo acabam não sendo utilizados em ações práticas. Um dos casos citados é o do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Dados apresentados pela CPI mostraram que o instituto usou apenas 11% da verba recebida pelo Fundo Amazônia para serviços ambientais. Segundo o presidente da CPI das ONGs, senador Plínio Valério (PSDB-AM), a instituição teria recebido quase R$ 24 milhões do Fundo, dos quais apenas R$ 2,8 milhões teriam sido gastos em ações. O restante foi destinado ao pagamento de pessoal.

O relatório da CPI também apontou uma série de falhas e a falta de transparência sobre os recursos do Fundo Amazônia. A comissão relatou, por exemplo, ter identificado deficiências no detalhamento dos gastos, na comprovação de atividades realizadas, destinatários de transferências bancárias e finalidade de despesas.

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Em depoimento à CPI das ONGs, André Guimarães, diretor-executivo do Ipam, defendeu a organização. Segundo ele, o único projeto de assentamentos sustentáveis na Amazônia coordenado pela ONG teve duração de quatro anos. Ele também mencionou a produção de artigos científicos para justificar o alto gasto interno.

“Já produzimos mais de 1.200 artigos científicos, publicados em quase todas as revistas importantes do mundo. É uma biblioteca de dados sobre a Amazônia, tudo de graça para o público do mundo todo. Uma produção de alto nível, que já gerou políticas públicas, onde abordamos os riscos e caminhos para a região”, afirmou Guimarães.