A confirmação do médico cardiologista Marcelo Queiroga como novo ministro da Saúde, nesta segunda-feira (15), deve marcar uma virada na maneira como o governo enfrenta a pandemia do novo coronavírus. A ordem agora é focar 100% na campanha de vacinação para frear o avanço da Covid-19. “Vamos partir para uma parte mais agressiva no tocante ao combate ao vírus”, disse o presidente Jair Bolsonaro a apoiadores, na noite desta segunda, quando confirmou o convite a Queiroga, que é presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Não que essa estratégia já não estivesse em curso. Pelo contrário. Os últimos esforços do demissionário Eduardo Pazuello na pasta foram justamente tentar acelerar a assinatura de contratos com laboratórios internacionais e o fornecimento de vacinas. Em coletiva de imprensa horas antes da confirmação de Queiroga, o ministro Pazuello afirmou que o governo contrataria até o final do ano quase 563 milhões de doses de vacinas. "Temos mais vacinas contratadas que brasileiros, mas não podemos contar com 100% da entrega", disse.
Anunciou ainda a tão aguardada assinatura de contrato com a Pfizer, que é o primeiro laboratório a conseguir a certificação permanente da Anvisa para a sua vacina contra a Covid-19. Mas o desgaste do ministro-general já havia chegado a um nível insuportável, a ponto de ofuscar os anúncios feitos na coletiva. A troca da Saúde não uma era questão de "se" e sim de "quando".
No início da noite desta segunda, o nome de Marcelo Queiroga já circulava entre interlocutores do Palácio do Planalto como o mais cotado para comandar a pasta no lugar de Pazuello. O próprio ministro admitiu publicamente, na coletiva de imprensa, que o presidente Bolsonaro estudava outros nomes para substitui-lo.
Diante disso, muitos na Esplanada dos Ministérios se perguntavam o que ainda segurava Pazuello no cargo. A resposta era simples e sintomática: faltava achar alguém que se adequasse ao perfil do governo. "O presidente quer um médico que seja bem aceito não apenas pela comunidade médica, mas, também, pela base [bolsonarista] e, claro, por ele próprio", afirmou um interlocutor do Planalto à Gazeta do Povo.
Essa exigência, em princípio, foi atendida com Marcelo Queiroga, que tem bom trânsito entre os políticos e na própria classe médica. E o que é mais importante: o respaldo do presidente da República. "Foi decidido agora à tarde a indicação do médico doutor Marcelo Queiroga para o Ministério da Saúde. Ele é presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. A conversa foi excelente. Eu já o conhecia há alguns anos, então, não é uma pessoa que tomei conhecimento há poucos dias e tem tudo, no meu entender, para fazer um bom trabalho, dando prosseguimento em tudo o que o Pauzello fez até hoje", disse Bolsonaro a apoiadores no Palácio da Alvorada.
Apoiador de Bolsonaro e respaldado por médicos
O cardiologista Marcelo Queiroga apoiou a candidatura de Bolsonaro à Presidência da República. Em vídeo publicado em seu perfil oficial no Facebook, em 8 de outubro de 2018, Queiroga disse que, "por um sistema de saúde que atenda aos anseios da sociedade brasileira", o apoiaria.
A também cardiologista Ludhmila Hajjar, que chegou a conversar com Bolsonaro sobre a possibilidade de assumir o ministério, elogiou o novo ministro da Saúde. "É até fácil falar do Queiroga, porque gosto muito dele", comentou. "Ele é uma pessoa que tenho muito respeito, conhece muito de política, é hábil, se o nome dele for escolhido, terá todo meu apoio e será um grande acerto do presidente", acrescentou.
O apoio de Hajjar não é o único da comunidade médica. A Associação Médica Brasileira (AMB) — onde atuou — passou a apoiá-lo nos bastidores, afinal, a SBC integra a entidade. O cardiologista também tem no currículo a presidência na Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI).
As divergências entre Bolsonaro e Queiroga
A opção por Queiroga, contudo, não atende totalmente a base do presidente. Apesar de ser um apoiador de Bolsonaro, o escolhido para suceder Pazuello defende o isolamento social como forma de combate à pandemia e já se posicionou contrário ao tratamento precoce à base de cloroquina, embora tenha já tenha defendido a autonomia da prescrição de médicos para seus pacientes.
“A própria Sociedade Brasileira de Cardiologia não recomendou o uso dela nos pacientes, e nem eu sou favorável porque não há consenso na comunidade científica”, disse Queiroga em entrevista recente à Folha de São Paulo.
O motivo para emplacar Marcelo Queiroga, apesar dessas divergências, reside na perspectiva de o novo ministro blindar o governo dos ataques sofridos por desafetos da política. Pazuello sofreu intensa pressão de governadores e parlamentares por vacinas e recursos para a reabertura de Unidades de Terapia Intensivas (UTIs) voltadas para o tratamento à Covid-19.
Com um médico gabaritado à frente do Ministério da Saúde, Bolsonaro espera reduzir as críticas ao governo. "O Queiroga assume para comandar a vacinação em massa" , afirmou um interlocutor palaciano à Gazeta do Povo.
Fechar negociações com laboratórios é prioridade
Outra expectativa de Bolsonaro em relação a Queiroga é que o cardiologista consiga avançar de onde Pazuello deixa a gestão, sobretudo na negociação com laboratórios farmacêuticos para a compra de vacinas. "Política de vacinação em massa continuará presente em nosso governo", afirmou o presidente nesta segunda-feira.
Há tempos, Bolsonaro era pressionado por todos os grupos possíveis para substituir Pazuello. De militares, políticos até a ala ideológica, todos pediam mais celeridade no avanço das negociações. Houve até quem defendeu que o governo tivesse um negociador de vacinas para complementar o trabalho de Pazuello.
Com Queiroga, Bolsonaro espera que o Ministério da Saúde mitigue os ruídos com os laboratórios, governadores e parlamentares e dê ao governo a credibilidade que Pazuello não conseguia mais passar no comando da pasta.
Um interlocutor palaciano, entretanto, defendeu Pazuello. "Ele vinha sofrendo um desgaste muito grande, mas os contratos, as vacinas, tudo vinha sendo assinado, ele estava fechando tudo isso", destacou, embora reconheça que a velocidade com que as negociações vinham sendo feitas não atendia aos anseios políticos.
"É o desgaste da função no meio de uma pandemia. Acho que é natural acontecer esse desgaste, ainda mais ele [Pazuello] não sendo médico, existe uma certa resistência a isso", pondera o assessor. "Esperamos que o Queiroga solucione isso", destaca.
Quem é Marcelo Queiroga
Natural de Cabedelo (PB), Marcelo Queiroga é formado em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) desde 1988. Fez residência médica no Hospital Adventista Silvestre, do Rio de Janeiro, e treinamento em Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista na Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Participou, como convidado, da equipe técnica de transição de Bolsonaro no fim de 2018.
Aos 55 anos, Queiroga foi indicado recentemente por Bolsonaro para ocupar uma das cinco cadeiras da diretoria da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Mas a sua nomeação para a ANS ainda dependia de sabatina na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, o que nem chegou a acontecer.
Marcelo Queiroga é casado com uma médica pediatra e tem três filhos: uma é médica, outro está a caminho da mesma formação e o terceiro filho é advogado.
O cardiologista será o quarto nome a assumir o Ministério da Saúde no governo Bolsonaro. Antes, ocuparam o posto Luiz Henrique Mandetta; depois Nelson Teich; e agora, por último, Eduardo Pazuello.
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