Em 28 de junho o governo brasileiro anunciou com pompa e circunstância o acordo de livre comércio firmado entre Mercosul e União Europeia após 20 anos de negociações. Do outro lado do oceano também houve comemoração. Dois meses depois, porém, o clima de festa parece ter arrefecido. Sinais vindos das duas costas do Atlântico lançam dúvidas sobre o futuro do acordo: há chance de algumas das partes desistir ou mesmo impor barreiras ao fluxo comercial?
As negociações terminaram com sucesso, mas o acordo ainda demora para entrar em vigor. O texto está sendo revisado pela equipe jurídica dos dois blocos num processo que leva de seis a sete meses, segundo o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo. Em seguida, o documento deverá ser submetido à aprovação dos parlamentos de todos os países signatários dos dois blocos para ratificação, incluindo o Parlamento Europeu. O trâmite deve levar cerca de dois anos.
As resistências partem de todos os lados. A França ameaça boicotar o acordo por causa dos incêndios na Amazônia e da crise diplomática aberta com o Brasil após a troca de farpas entre Emanuel Macron e Jair Bolsonaro. Na Argentina, Alberto Fernández, candidato peronista que lidera com folga a corrida presidencial, já falou publicamente em rever os termos do acordo com a UE. Já o presidente brasileiro, que nunca foi muito fã do Mercosul, é assediado pelos Estados Unidos a fechar um acordo comercial que lhes garantam uma reserva de mercado no Brasil.
“O acordo (com os europeus) foi visto como uma festa, como uma vitória, mas Bolsonaro não percebeu que isso iria contradizer suas ideias de relacionamento com os Estados Unidos”, afirma Vinicius Rodrigues Vieira, professor de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo) e da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
De fato, logo após o fim das negociações com a Europa, houve uma aceleração na discussão das relações comerciais entre Brasil e EUA. “Os Estados Unidos vieram correr atrás do prejuízo”, avalia Vieira. A simpatia entre Donald Trump e Jair Bolsonaro é só um ingrediente a mais nessa alquimia. “Historicamente, sempre que houve uma aproximação entre União Europeia e Mercosul, os Estados Unidos reagiram proporcionalmente. Nada mais natural que agora, finalizadas as negociações [com a UE], você tenha esse tipo de reação”, explica o especialista.
Aproximação com os EUA
Nas últimas semanas Bolsonaro fez vários acenos à Casa Branca. A começar pelos navios iranianos retidos no porto de Paranaguá, no Paraná, sem esquecer a intenção de indicar o filho 03, Eduardo, como embaixador em Washington para estreitar ainda mais as relações pessoais com Trump. Além disso, o Planalto não decidiu ainda se o Brasil vai adotar a tecnologia 5G da China ou vai banir a empresa chinesa Huawei, como pede o governo americano.
Enquanto Bolsonaro enviava sinais de aproximação aos EUA, intensificaram-se ataques e trocas de farpas entre o presidente brasileiro e vários líderes europeus. O estopim foi a crise ambiental que se instaurou na Amazônia e que causou duras reações do francês Emmanuel Macron e da alemã Angela Merkel. Alemanha e Noruega inclusive suspenderam os repasses ao Fundo Amazônia. O jornal alemão Süddeutschen Zeitung publicou no começo de agosto um artigo pedindo que o acordo comercial não seja fechado até o Brasil mudar sua postura sobre o meio ambiente. Na contramão, Trump defendeu o presidente brasileiro e sua atuação para combater os incêndios.
Interesses contrários ao acordo buscam pretextos
A questão ambiental pode ser apenas um pretexto de setores contrários para que o acordo comercial naufrague. Nas previsões do Ministério da Economia, o tratado vai gerar um aumento do PIB brasileiro de U$ 87,5 bilhões (cerca de R$ 360 bilhões) em 15 anos, podendo chegar até a U$ 125 bilhões (cerca de R$ 516 bilhões). E as exportações brasileiras também devem crescer em U$ 100 bilhões (cerca de R$ 413 bilhões) até 2035.
A invasão de carne brasileira na mesa dos europeus preocupa o lobby do boi do Velho Continente. As associações de produtores de carne de Espanha, França, Irlanda, Itália e Polônia definiram o tratado como um "perigo" econômico e para a saúde dos consumidores. O agronegócio brasileiro é acusado de usar substância proibidas e de desmatar a Amazônia para pecuária e agricultura. “Tem muita gente contrária ao acordo de ambos os lados”, pondera Vieira.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, acredita que por trás da preocupação ambiental, há uma tentativa dos países europeus de boicotar produtos brasileiros. "Se você coloca uma barreira a algum produto brasileiro, a alternativa é comprar dos Estados Unidos, que são nosso concorrente direto. Chego até a imaginar, mas não posso afirmar, que por trás de muita coisa que está acontecendo agora estejam os Estados Unidos", disse Castro à BBC Brasil, na semana passada.
A senadora e ex-ministra da Agricultura, Kátia Abreu (PDT-TO), também alertou sobre um possível atraso na implementação do acordo com a Europa. “Tenho muito medo de que percamos mercado. Estamos no auge de um acordo delicado, que é União Europeia e Mercosul. Os agricultores na Europa são fortíssimos e altamente subsidiados, não conseguem competir conosco. Então, qualquer coisa vai ser desculpa para atrasar a implementação desse acordo por três, quatro, cinco anos. É do que precisam para arrumarem barreiras técnicas aos nossos produtos. Imaginem os comerciais que essas associações poderosas da Europa podem fazer contra nós lá, na TV e internet? E farão: ‘o Brasil aumenta o desmatamento e acaba com a Amazônia’”, afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, no dia 13.
Já o embaixador do Brasil na Espanha, Pompeu Andreucci Neto, disse à revista Época que nem a pressão da França nem a dos pecuaristas europeus são fatores suficientes para frear a ratificação do acordo. Bem no meio da crise diplomática com alguns países da União Europeia, o Mercosul fechou na semana passada mais um acordo de livre comércio com quatro países da Europa: Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. O restrito grupo, que integra o bloco do EFTA, tem PIB de US$ 1,1 trilhão e é o 9° maior ator comercial do mundo.
Bolsonaro arrependido?
No mesmo dia em que terminaram as negociações entre o Mercosul e o bloco europeu, Bolsonaro já explicava que o acordo fazia parte de uma operação dominó: “com toda certeza, outros países terão interesse em negociar conosco”. No dia 31 de julho, um mês depois, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciava o início dos diálogos com a Casa Branca para um acordo comercial.
O professor de Relações Internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, postou no Twitter os bastidores de uma conversa que teve com um analista político de Bruxelas. “Ele me disse que ‘parece que Bolsonaro está implorando para que a Europa adie ou cancele o inteiro acordo comercial. Ele está dando a quem se opõe ao acordo mais munições de quantas eles sonharam’”, escreveu no dia 12 de agosto. Poucos dias depois estourou a crise ambiental.
“Bolsonaro deve pensar: vale a pena se submeter aos europeus e suas cláusulas ambientais e trabalhistas? Talvez ele pense que os europeus não sejam tão confiáveis assim”, afirma Vieira. Segundo o especialista, o presidente percebeu tarde demais. "Faltou orientação prévia, já que a preferência do presidente é buscar a aproximação com os Estados Unidos”, completa.
A repentina mudança de atitude em relação à UE, porém, pode ser uma trama para conseguir melhores condições na negociação com os Estados Unidos. “Embora o caminho me pareça equivocado, uma estratégia seria adiar a ratificação [no Congresso] do acordo com a Europa”, explica Vieira. Enquanto isso, o governo brasileiro pode tentar "extrair concessões aos americanos" para um futuro acordo comercial.
Um eventual acordo, porém, não poderia ser bilateral, tendo que contemplar também o Mercosul. Por ser uma união aduaneira, o bloco sul-americano tem uma tarifa externa comum e os países não podem negociar individualmente esse tipo de acordo. A possível vitória nas eleições presidenciais da Argentina da chapa comandada pelo peronista Alberto Fernandez, que diferentemente de Mauricio Macri não é visto com bons olhos pelos americanos, pode ser mais um obstáculo para o avanço do acordo comercial com os europeus.
Fernández acusa o governo Macri de fechar as negociações às vésperas das eleições argentinas para se beneficiar eleitoralmente. "O que acontece é que não se conhece detalhadamente, mas se o acordo é o que supomos, que é mais uma vez que nós vendamos produtos primários e eles nos vendam produtos industriais, teremos que revisar isso sem dúvida alguma”, disse Fernandez no começo de julho.
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