Para atravessar a fronteira ilegalmente, qualquer produto passa pelas mãos de dezenas de pessoas. Na região de Foz do Iguaçu, por exemplo, caixas e pacotes são carregados de galpões para caminhões e caminhonetes. Dali seguem para as margens do Rio Paraná e do Lago de Itaipu, onde são levados para barcos. Essas embarcações é que atravessam a linha de divisa com o Brasil, de preferência durante a noite, para dificultar a fiscalização. Muitas dessas lanchas chegam a ultrapassar a velocidade de 90 quilômetros por hora.
Na outra margem, é preciso, mais uma vez, carregar o material para veículos de diferentes tamanhos – é comum que as autoridades apreendam carros de passeio lotados com pacotes de cigarros, por exemplo. São esses automóveis que distribuem o contrabando por todo o país.
Em outros pontos da fronteira, como entre a Bolívia e o Mato Grosso do Sul, é comum também que aviões atravessem a divisa e deixem cargas com armas e drogas no meio da mata. Como a área é monitorada por satélites, os aviões precisam ser pequenos. Devem ainda fazer percursos curtos, abandonar as caixas e retornar rapidamente, antes que sejam interceptados. Do lado de cá, os grupos criminosos utilizam rastreadores para localizar as cargas.
Transporte armado
Ao longo de toda essa cadeia, a mão de obra utilizada consiste basicamente em pessoas posicionadas para carregar caixas e em motoristas e pilotos de barcos e aviões. Tudo, é claro, monitorado de perto por seguranças fortemente armados e por olheiros, que se posicionam em locais de onde é possível antecipar a chegada de fiscais. Quando identificam a presença de agentes da lei, eles avisam os colegas por rádio. O grupo é orientado a abandonar a carga e fugir pela mata – afinal, é mais importante que eles escapem sem serem presos ou fornecer informações para a polícia.
Nas estradas, o crime ainda conta com batedores, carros que seguem na frente para alertar a respeito de blitzes e ações de fiscalização. Todos ganham por empreitada. Os carregadores e os olheiros, obviamente, recebem muito menos do que os seguranças, que por sua vez são menos valorizados do que motoristas e pilotos. Estes precisam ser extremamente habilidosos para, em casos extremos, dirigir fora da pista e escapar de viaturas policiais.
Mesmo com a profissionalização do contrabando e a ascensão do crime organizado na faixa de fronteira, essa ainda é uma atividade que emprega famílias inteiras. Em geral, são pessoas pobres, que vivem em regiões de condições educacionais e socioeconômicas piores do que a média do Brasil. Muitas delas não participam ativamente do transporte, mas permitem que as organizações criminosas construam casas e galpões dentro de suas propriedades, em troca do pagamento de um aluguel. É o trabalho dessas pessoas comuns que faz o contrabando acontecer, na prática, todos os dias.
Estímulos ao crime
“Você pode atacar os chefes dos grupos criminosos, mas o contrabando formiguinha continuaria existindo. Essas pessoas vivem disso e não conhecem outras fontes de renda”, afirma Luciano Godoy, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e coordenador do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes). Para o especialista, momentos de crise econômica estimulam a atividade ilegal nas duas pontas. “Nas cidades, a população passa a optar por produtos contrabandeados, mais baratos. Nas fronteiras, a falta de perspectivas arrasta mais pessoas para a ação criminosa”.
Luciano Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), aponta para outro problema: a corrupção. “Muitos fiscais e policiais participam ativamente do processo. Alguns se justificam alegando que o contrabando é só uma forma de ganhar a vida”, diz ele. “Quando não é, trata-se de uma atividade que sustenta outros crimes, incluindo homicídio e roubo”. Em geral, os automóveis utilizados para transportar as cargas são roubados, e os motoristas carregam documentos de identidade e notas fiscais falsos.
A corrupção assume diferentes formas. Acordos prévios podem garantir que cargas inteiras passem ilesas por postos policiais, que recebem o pagamento de mensalidades. Ou então, no caso de um veículo ser apreendido, o contrabandista pode oferecer altos valores em dinheiro para escapar. “A corrupção é um dos problemas mais difíceis de combater”, afirma Luciano Barros. “Ela garante segurança ao negócio, que assim aumenta seus lucros e, por consequência, a capacidade de continuar pagando propinas”.
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