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Quatro magistrados estão na lista de sorteio para herdar os processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na Justiça Federal do Distrito Federal (DF). As ações penais afetadas pela decisão do ministro Edson Fachin de anular todos os atos processuais que corriam contra Lula na 13ª Vara Federal de Curitiba são a do Tríplex do Guarujá, do Sítio de Atibaia, da sede do Instituto Lula e outra referente a doações ao Instituto Lula. Como os processos voltam à estaca zero, haverá a possibilidade de oferecimento da denúncia pelo Ministério Público Federal, o recebimento da denúncia pelo juiz e a oportunidade de defesa. O sorteio eletrônico deve acontecer nesta terça-feira (9).
A responsabilidade pela análise dos processos ficará na 10ª ou na 12ª Vara Federal do Distrito Federal, especializadas em casos de crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Os processos podem cair nas mãos de Vallisney de Sousa Oliveira, titular da 10ª Vara; seu substituto, Ricardo Augusto Soares Leite; Marcus Vinícius Reis Bastos, titular da 12ª Vara ou sua substituta, Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves.
Entre os possíveis escolhidos, Vallisney de Souza Oliveira é considerado como linha-dura por criminalistas e responsável por julgar quatro ações penais movidas contra Lula. Em uma delas, o magistrado absolveu o ex-presidente. Já Marcus Vinícius Reis Bastos absolveu os dois ex-presidentes petistas, Lula e Dilma Rousseff (PT), e mais três acusados no processo que ficou conhecido como "quadrilhão do PT", que apurava suposta organização criminosa para desviar dinheiro público da Petrobras, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Ministério do Planejamento. Além disso, Bastos já anulou provas colhidas pela Lava Jato.
Responsável por 4 ações penais contra Lula, titular da 10ª Vara já absolveu ex-presidente
Titular da 10ª Vara da Justiça Federal no DF, Souza Oliveira é doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, já deu aula na Universidade Federal do Amazonas e hoje é professor da Faculdade de Direito da UnB. Esteve à frente das operações Lava Jato, Zelotes e Spoofing no DF. É responsável por quatro ações penais movidas contra o ex-presidente Lula e, em 2019, o absolveu de parte das acusações de organização criminosa e lavagem de dinheiro no processo que apura suposto favorecimento à empreiteira Odebrecht em contratos em Angola. Ele também absolveu Taiguara Rodrigues dos Santos, um dos sobrinhos do ex-presidente, de parte das acusações.
Por outro lado, na Operação Zelotes, que apontou indícios de irregularidades na compra de 36 caças Grippen de uma empresa sueca, e que tem Lula e seu filho entre os réus - acusados de suposto tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa -, o titular rejeitou pedido de absolvição sumária do ex-presidente.
No âmbito da operação conhecida como Métis, autorizada pelo magistrado, foi determinada a prisão de um grupo de policiais legislativos e a apreensão de equipamentos de varredura do Senado Federal usados em uma suposta operação de inteligência para burlar a Operação Lava Jato. Na época, Oliveira considerou os fatos como "gravíssimos", e acabou sendo chamado de "juizeco" pelo então presidente do Senado Renan Calheiros, que ficou extremamente irritado com as apreensões.
Em 2021, o juiz condenou a mãe do ex-ministro Geddel Vieira Lima no caso do "bunker" de R$ 51 milhões. "Não tenho dúvidas de que Marluce Vieira Lima também teve participação nos mesmos delitos de lavagem, associando-se aos filhos, e com atuação pró-ativa e efetiva no recebimento, movimentação e depósito de dinheiro, com a finalidade de ocultar e reintroduzir no mercado o dinheiro obtido de modo ilícito pelos filhos na qualidade de agentes públicos", disse Oliveira, na sentença.
Ricardo Augusto Soares Leite, substituto de Oliveira na 10ª Vara Federal do DF, também já absolveu Lula de uma acusação de obstrução de Justiça no caso da compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró - primeiro processo em que o petista se tornou réu na Lava Jato. O magistrado entendeu que as provas eram "insuficientes e baseadas apenas em delações". Por outro lado, no âmbito do mesmo processo, chegou a suspender as atividades do Instituto Lula.
Leite autorizou, ainda, a Operação Spoofing, que investiga os hackers que invadiram aparelhos celulares de integrantes da Lava Jato. No início deste ano, o juiz rejeitou pedido do MPF para decretar a prisão preventiva de Walter Delgatti Neto, tido como líder do grupo de hackers.
Titular da 12ª Vara já absolveu Temer e acusados no processo "quadrilhão do PT"
À frente da 12ª Vara Federal do DF, o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, mestre em Direito Penal pela Universidade de Brasília (UnB), é conhecido por ser da linha "garantista" e tomar decisões favoráveis ao réu. Já anulou provas obtidas pela Operação Lava Jato, em sua 63ª fase.
Outra decisão do magistrado que teve ampla repercussão foi a absolvição dos dois ex-presidentes petistas, Lula e Dilma Rousseff (PT), os ex-ministros Antonio Palocci Filho e Guido Mantega, e o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, no processo apelidado de "quadrilhão do PT".
Iniciada após denúncia do então procurador-geral da República Rodrigo Janot, em 2017, a investigação apurava a suposta existência de uma organização criminosa para desviar dinheiro público da Petrobras, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Ministério do Planejamento. Havia a suspeita de coleta de propinas de até R$ 1,48 bilhão entre 2002 e 2016.
O juiz acolheu pedido do MPF de absolvição sumária dos acusados. O órgão, na época, afirmou que as acusações contra os petistas não foram provadas por Janot. O juiz, dessa forma, entendeu que a denúncia não continha "elementos constitutivos do delito previsto no art. 2º, da Lei nº 12.850/2013", que trata da organização criminosa.
"A narrativa que encerra não permite concluir, sequer em tese, pela existência de uma associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada, com divisão de tarefas, alguma forma de hierarquia e estabilidade", decidiu. "[...] a denúncia apresentada, em verdade, traduz tentativa de criminalizar a atividade política. Adota determinada suposição – a da instalação de 'organização criminosa' que perdurou até o final do mandato da ex-presidente Dilma Rousseff – apresentando-a como sendo a 'verdade dos fatos', sequer se dando ao trabalho de apontar os elementos essenciais à caracterização do crime de organização criminosa".
Bastos também absolveu, em 2019, o ex-presidente Michel Temer de acusação de obstrução de Justiça. Temer foi denunciado em 2017, pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em razão de uma conversa gravada pelo empresário Joesley Batista, do grupo J&F. Para Janot, a fala de Temer "tem que manter isso, viu?" era uma tentativa de silenciar o operador Lúcio Funaro e o ex-deputado Eduardo Cunha, presos na Lava Jato.
Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, substituta de Bastos, e que também pode vir a ser responsável pelos processos, arquivou, em 2021, um inquérito contra o advogado Marcelo Feller por críticas ao presidente Jair Bolsonaro. Entrevistado em programa do canal CNN Brasil, Feller se dirigiu a Bolsonaro com expressões como "genocida, politicamente falando", "criminoso" e "omisso". A magistrada entendeu "direito à livre manifestação do pensamento, expressão e informação".
Pollyana também assinou o manifesto em defesa de Sergio Moro, no qual quase 300 magistrados saíram em defesa do então ministro e contra sua exclusão da Justiça da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), após os diálogos entre Moro e integrantes da operação Lava Jato terem sido vazados.