Encampado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o semipresidencialismo conta com o apoio de outros nomes do Congresso Nacional e até de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nos últimos dias, o tema voltou a ser discutido por políticos e membros do Judiciário durante o 9º Fórum Jurídico de Lisboa, em Portugal, organizado pelo ministro do STF Gilmar Mendes.
No semipresidencialismo, além do presidente da República, que na maioria dos países que adotam esse modelo são eleitos pela população, existe a figura do primeiro-ministro, que é escolhido pelo Congresso Nacional. Ambas as figuras dividem as funções do poder Executivo. Países como Portugal e França adotam modelos parecidos.
Pressionado a abrir um dos processos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro desde que assumiu o comando da Câmara no começo deste ano, Lira defende que um dos piores problemas do Brasil é o multipartidarismo. De acordo com ele, hoje o país vive um “presidencialismo de coalizão” e esse “arranjo” não tem se mostrado à altura dos desafios.
“Talvez esta seja a hora de mobilizar forças para discussão mais ampla e transparente do nosso futuro político. E o sistema de governo semipresidencialista se sobressai”, disse.
Para Lira, a vantagem do semipresidencialismo é a preservação da eleição do presidente. “A previsão de uma dupla responsabilidade do governo, ou de uma responsabilidade compartilhada do governo, que responderia tanto ao presidente da República quanto ao Parlamento, pode ser a engrenagem institucional que tanto nos faz falta nos momentos de crises políticas mais agudas”, completou Lira.
Presidente do Senado apoia discussão no Congresso
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também apoia o semipresidencialismo encampado por Arthur Lira. No mesmo evento, em Lisboa, Pacheco declarou que considera o modelo "interessante".
“O [semipresidencialismo] é o sistema político mais estável entre todos os existentes no mundo. Há um excesso de partidos políticos no Brasil e é preciso haver um enxugamento visando a 2026 e 2030, próximos períodos de eleições gerais no país”, disse.
Ministros do STF também defendem o modelo
Além dos presidentes da Câmara e do Senado, ministros do STF também se posicionam a favor de uma mudança no modelo político do Brasil. No mesmo fórum, o ministro Dias Toffoli afirmou que hoje o Brasil já vive um semipresidencialismo com a Suprema Corte exercendo o papel de “moderador de crises”.
"Nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia", disse. Toffoli completou dizendo que "presidir o Brasil não é fácil" e a discussão sobre o tema é complexa.
Anfitrião do evento, o ministro Gilmar Mendes afirmou que, desde a redemocratização, apenas os presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terminaram seus mandatos. Por isso, defendeu que uma mudança no sistema precisa ser discutida para que não haja uma “banalização” do impeachment.
“Dos quatro presidentes eleitos desde então, apenas dois concluíram seus mandatos. Os outros dois sofreram impeachment. Isso é um sinal de que precisávamos discutir o sistema político”, defendeu.
Durante a tramitação da reforma eleitoral deste ano, Mendes já havia entregue ao presidente da Câmara uma proposta de semipresidencialismo para ser discutido pelo Congresso. O modelo proposto pelo ministro é o mesmo adotado em Portugal. A proposta chegou a ser discutida na comissão da reforma, mas acabou não avançando por conta de divergências entre os parlamentares.
Integrante da Corte e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso também já defendeu as mudanças publicamente. “Essa [modelo de semipresidencialismo] é a inovação que eu acho que nós devemos implementar no Brasil para 2026. Para que não haja mais nenhum interesse posto sob a mesa”, disse em outra ocasião.
Temer e FHC também defendem a mudança
No mesmo Fórum de Lisboa, o ex-presidente Michel Temer (MDB), que assumiu o Palácio do Planalto após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), afirmou ser um defensor do semipresidencialismo. “No Brasil, há muito tempo se fala em fazer uma grande reforma política, mas jamais se conseguiu levar adiante”, disse.
Para ele, seu mandato só teve “êxito” porque o Congresso Nacional governou junto. “Eu trouxe o Congresso para governar comigo não apenas porque era da nossa formação democrática […], mas o fato é que no presidencialismo você também não pode governar sem o Congresso Nacional”, completou.
De acordo com o emedebista, “a maioria parlamentar é sempre instável no presidencialismo”. “Você tem partidos que apoiam o seu governo. Mas, na hora da votação, metade vota a favor e metade vota contra. É uma luta constante”, disse.
O ex-presidente FHC também já defendeu uma mudança no sistema político brasileiro em outras ocasiões. O PSDB, partido do ex-presidente, já encampou diversas vezes a discussão dentro do Congresso. Tucanos, no entanto, costumam defender o parlamentarismo, modelo semelhante ao semipresidencialismo, mas onde o Legislativo é quem escolhe o chefe do Executivo. Nesse caso, o presidente da República não é o chefe de governo e é eleito indiretamente, a partir dos votos dos parlamentares.
PEC do semipresidencialismo está parada no Congresso
Autor de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para discutir o sempresidencialismo, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) protocolou o texto há cerca de um ano. Ele diz que tem buscado Lira para tratar do assunto e tentar, ao menos, abrir a discussão na Casa.
Pela proposta de Moreira, o presidente da República mantém parte dos poderes e indica um primeiro-ministro, que precisará do aval do Congresso para assumir. Os ministros de Estado também seriam subordinados ao primeiro-ministro.
"O semipresidencialismo é uma evolução do presidencialismo. Não é um novo regime, é um novo modelo de governança”, defende o deputado tucano.
De acordo com aliados de Lira, o objetivo é colocar o assunto em pauta na próxima legislatura. Segundo parlamentares do Centrão, é inviável conseguir avançar com a PEC no próximo ano, por causa das eleições.
Mudanças no modelo presidencialista do Brasil já foram tentadas outras vezes, como entre os anos de 1995 e 2002. As discussões, no entanto, nunca avançaram no Congresso Nacional. “Esse debate nesse momento, em função da proximidade das eleições, é inoportuna. Acredito que qualquer proposta para mudar o sistema de governo do país terá que passar por plebiscito”, defende o deputado Paulo Azi (BA), vice-líder do DEM na Câmara.
Especialistas criticam “semipresidencialismo no varejo”
Para Carlos Monteiro, professor de Ciência Política e mestre em Direito Político pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Brasil vive hoje um “semipresidencialismo no varejo”, pois a permanência do presidente da República no cargo está ligada ao Congresso.
“A gente só não viu o impeachment do presidente Bolsonaro avançar porque ele abriu o governo para o Congresso e o Centrão. Em momentos de crise, ele se viu extremamente ameaçado pelos congressistas e acabou aderindo ao presidencialismo de coalizão, tão criticado por ele na campanha”, afirma.
De acordo com Monteiro, hoje o Congresso tem controle do Orçamento e a figura do presidente da Câmara, Arthur Lira, determina o tamanho do apoio ao Palácio do Planalto através das emendas de relator. “A gente viu que o Lira exerce a figura de primeiro-ministro do modelo semipresidencialismo, pois é ele quem consegue controlar tudo o que a Câmara aprova, por exemplo. O presidente da Câmara é quem tem controlado o tamanho da base do governo no Congresso”, completa.
Já a professora e advogada Luciana Marques afirma que o presidente da República sempre será “refém”, quando não tiver maioria no Congresso. “A alta fragmentação partidária no Brasil é problema urgente, que precisa ser resolvido antes de as lideranças do Congresso projetarem a reforma política. Dificilmente um presidente será eleito e terá em seu partido a maioria na Câmara e no Senado. Ou seja, ele sempre vai estar ameaçado pelos congressistas”, afirma.
Para a jurista, as ameaças de impeachment afastam a “estabilidade” de qualquer governo eleito majoritariamente. “Sem que haja uma adesão do Congresso, qualquer presidente que for eleito terá a sombra do impeachment. A gente vê que toda crise se abre a discussão de um processo de impedimento, e cada vez mais o presidente é obrigado a se render aos congressistas, caso queira ficar no poder”, completa.
Marques afirma ainda que "o simples fato de mudar o sistema não necessariamente garante um governo mais estável".
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