Ao criticar adversários políticos quase diariamente nas últimas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indica que necessita de mais antagonistas além do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Seja na política nacional ou internacional, o petista culpa atores do mercado financeiro e agentes políticos pelo mau andamento de pautas de interesse do governo ou de aliados em outros poderes.
A leitura feita por analistas é que, com Bolsonaro inelegível, Lula deverá escolher outros alvos para antagonizar e reforçar a polarização política e a narrativa do “nós contra eles”. O objetivo seria duplo: dar uma resposta à base eleitoral e manter os aliados políticos unidos em torno de um “inimigo comum”.
Os ataques constantes feitos ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pela manutenção da taxa básica de juros, seguem o script que Lula tem adotado para achar um responsável pela situação fiscal do país. O presidente da República estaria buscando justificar cortes de gastos de seu governo ao colocar a culpa no Banco Central.
"Eu nunca vi esse rapaz. Eu sei que ele é filho de um grande amigo meu, mas eu nunca vi esse rapaz. E o Brasil não pode ser governado pelos interesses de meia dúzia de banqueiros”, disse Lula no dia 20 de junho, após a decisão unânime do Comitê de Política Monetária (Copom) em manter os juros a 10,5%. Atualmente, quatro dos nove integrantes do Copom foram indicados pelo próprio Lula.
Desde o início do mandato, o presidente reclama dos níveis elevados da taxa de juros. Na prática, quanto maior a taxa, maiores serão as despesas do governo com juros, forçando-o a manter o orçamento e o compromisso com o arcabouço fiscal, e a não se endividar mais, sob o risco de aumentar cada vez mais a dívida pública. É a mesma lógica que funciona para dívidas no cartão de crédito das pessoas físicas.
Por essa razão, as declarações de Lula contra Campos Neto e o Banco Central são vistas por analistas como uma forma do Executivo justificar para sua base eleitoral os motivos pelos quais o governo está gastando menos. Ou seja, não foi a ineficiência do governo, mas os juros altos que levaram ao déficit fiscal e ao corte de gastos. Em abril, o Planalto chegou a cortar R$ 4 bilhões de bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular como forma de contingenciar o orçamento.
Para o cientista político Arthur Leandro, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Lula busca compartilhar sua responsabilidade sobre o desempenho da economia com outros atores políticos.
"Quando critica adversários, como é o caso do presidente do Banco Central, que tem sido tratado e percebido pelo presidente Lula como adversário, o presidente da República compartilha a responsabilidade pelas decisões e pelos resultados da condição da política econômica. É uma forma de diluir a pressão contra o próprio governo, fazendo aquilo que a teoria política chama de blame shifting, ou seja, transferência de responsabilidade", disse Leandro.
Críticas de Lula a Campos Neto também visam futuro político do economista
Além da questão econômica, as declarações do ex-presidente seguem na esteira de rumores sobre uma possível ida de Campos Neto para o Ministério da Fazenda em uma eventual eleição de Tarcísio Gomes de Freitas, governador de São Paulo pelo Republicanos, para o Palácio do Planalto em 2026.
O principal indício para a base petista foi o jantar dado pelo gestor paulista para o presidente do BC, ocorrido em 10 de junho. "Como é que ele (Campos Neto) vai a uma festa em SP quase que assumindo um cargo no governo? Cadê a autonomia dele?", disse Lula em entrevista à CBN.
Após Lula criticar Campos Neto pelo comparecimento ao evento, o presidente da autoridade monetária negou qualquer conversa sobre ser ministro de Tarcísio. “É importante dizer que eu nunca tive nenhuma conversa com o Tarcísio sobre ser ministro de nada. Eu nunca disse isso, nem o Tarcísio”, disse Campos Neto durante a divulgação do Relatório de Política Monetária, em São Paulo, na quinta-feira (27).
De olho em 2026, Lula chamou Tarcísio para o embate
As críticas ao presidente do BC também respingaram no governador de São Paulo. Visto como potencial candidato para 2026, Lula culpou o gestor paulista de pautar a política econômica do país, dizendo que Campos Neto escuta mais Tarcísio do que o presidente da República.
“Eu não tenho influência nenhuma no Banco Central, quem tem é o Tarcísio. O Tarcísio foi ministro da Infraestrutura do governo anterior, e ele é muito próximo de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central”, disse Lula no dia 18 de junho. Ele também afirmou que Tarcísio deve estar achando “maravilhosa” a atual taxa de juros brasileira.
Por outro lado, o governador se absteve de comentar, publicamente, as declarações do petista. Lula acabou por recuar dos ataques contra Tarcísio, alegando que, apesar da “pouca relação” com o governador, ele seria convidado para agendas das quais o presidente participou em São Paulo.
Durante um evento realizado no dia 29 de junho na zona sul da capital, Lula afirmou que não assinaria o contrato de expansão de uma linha do metrô paulistano porque Tarcísio e o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB-SP), não estavam presentes.
Como resposta ao presidente, em suas redes sociais, o governador publicou que estava seguro de que o "aditivo do contrato que vai levar a Linha 5 do Metrô até o Jardim Ângela já está assinado”.
Na avaliação do cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a estratégia de Tarcísio em relação a Lula é não se desgastar em meio à polarização entre o presidente e Bolsonaro.
“Sabemos que Tarcísio faz parte de uma direita mais moderada, uma direita mais centro-direita. Ele não ganha indo para um confronto direto com os principais nomes do messianismo político brasileiro: Lula e Bolsonaro. Ele vai procurar fazer uma boa administração em São Paulo e evitar se colocar no fogo cruzado”, disse Elton.
Ele também afirmou que, por ser governador do estado mais rico do país, Tarcísio “não pode tomar o lado de Bolsonaro a todo custo, nem antagonizar diretamente com Lula”.
Protagonismo internacional de Milei faz Lula retomar antagonismo
O antagonismo com atores internacionais também é visto como uma forma de Lula se manter relevante nas discussões e no cenário internacional, além de ter um “bode expiatório” para eventuais crises da política externa. Com manifestantes do 8 de janeiro foragidos na Argentina, o petista aproveitou a situação para cobrar “desculpas” do presidente Javier Milei pelas declarações dadas durante a campanha presidencial argentina, no ano passado.
Em entrevista ao UOL, na quarta-feira, 26 de junho, o chefe do Executivo disse que não conversou com Milei sobre os foragidos, mas que o governo estuda uma forma de prendê-los no país vizinho.
“Nós estamos tratando da forma mais diplomática possível. Eu não conversei com o presidente da Argentina, porque eu acho que ele tem que pedir desculpas ao Brasil e a mim. Ele falou muita bobagem. Eu só quero que ele, sabe, peça desculpas”, disse Lula.
No dia seguinte, questionado sobre o tema durante entrevista ao canal LN+, o argentino perguntou “desde quando você tem que se desculpar por dizer a verdade? Ou estamos tão cansados do politicamente correto que nada pode ser dito à esquerda, mesmo que seja verdade?” Durante a campanha eleitoral na Argentina, Milei disse que Lula é "corrupto e comunista".
Logo após a resposta, Milei cancelou sua ida à reunião de Cúpula do Mercosul, onde possivelmente se encontraria com Lula. O líder argentino ainda confirmou que participará, neste fim de semana, da edição brasileira da Conservative Political Action Conference (Conferência de Ação Política Conservadora, em português), considerado o maior evento conservador nos EUA.
O evento será realizado em Balneário Camboriú, Santa Catarina, neste fim de semana. Milei, que chega ao Brasil no sábado (6), também já confirmou que, durante sua estada na cidade, irá jantar com Bolsonaro.
Na avaliação de Cerqueira, Lula quer a polarização com Milei para manter a influência que possui dentro da América do Sul. Dos 12 países da região, oito possuem governos de esquerda. São eles: Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Guiana, Peru, Suriname, e Venezuela. Apenas quatro são de direita: Argentina, Equador, Paraguai e Uruguai.
“Lula está tentando criar uma espécie de polarização com Milei. Talvez esteja enciumado pela projeção internacional do presidente argentino. Temos que lembrar que o Lula não é mais o grande nome da política sul-americana e o Milei está ocupando esse espaço. Também existe nesse comportamento uma lógica eleitoreira, de manter a base unida e aguerrida para 2026”, disse o cientista político.
A avaliação de Cerqueira segue na esteira do noticiário econômico. Milei anunciou no mês passado que a Argentina registrou inflação de 0% nos alimentos na terceira semana de junho de 2024. É a primeira semana sem aumento de preços em 30 anos.
Para atender STF, Lula antagonizou com Musk
O confronto de Lula com eventuais nomes ligados à direita também ocorre para atender interesses de terceiros. Com as revelações do Twitter Files Brasil em abril - que expôs pressões feitas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, para censurar perfis no “X” - o Palácio do Planalto foi cobrado por ministros do Supremo, nos bastidores, a se posicionar contra críticas do empresário Elon Musk a Moraes.
Sem citar Musk, na época, Lula relacionou o empresário ao crescimento da “extrema-direita” no país. "O crescimento do extremismo de extrema direita se dá ao luxo de permitir que um empresário americano, que nunca produziu um pé de capim nesse país, ouse falar mal da Corte brasileira e dos ministros brasileiros”, disse Lula.
Ao rejeitar a Starlink, de Musk, Lula dobrou a aposta contra o magnata ao defender um sistema de internet por satélite próprio do Brasil: a InternetBras. Para Elton Gomes, o presidente buscou intensificar o debate sobre regulação das redes - o que também é defendido por ministros do STF.
“Elon Musk é a figura tecnológica mais importante do nosso tempo. Antagonizar com ele não deu a Lula aumento de popularidade ou capacidade de articulação no Congresso. Antagonizar com Musk é querer utilizá-lo como bode expiatório para essa vontade do governo em querer regular as redes sociais no Legislativo”, disse Elton.
Ele acrescentou: “Lula precisa manter inimigos externos. Faz parte da retórica e do imaginário esquerdista, brasileiro e mundial, em especial sul-americano, essa dinâmica que divide o mundo entre países industrializados com democracias estáveis e a periferia, que é composta pelos países não industrializados ou semi-industrializados, com democracias de baixa performance”.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF