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O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não receberá a faixa presidencial das mãos do presidente Jair Bolsonaro (PL) ou mesmo do vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), senador eleito pelo Rio Grande do Sul. A provável recusa de ambos repete o gesto do ex-presidente João Figueiredo, o último ditador do regime militar, que não transmitiu a indumentária para o então presidente José Sarney, em março de 1985.
Bolsonaro já disse em outras ocasiões, inclusive durante a campanha eleitoral, que faria a transferência da faixa apenas em caso de "eleições limpas". O Partido Liberal, com o aval do chefe do Executivo, contestou o resultado das urnas, mas o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, rejeitou a representação.
Segundo afirmam interlocutores do governo, Bolsonaro nem sequer estará no Brasil em 1º de janeiro, data da posse do novo presidente. Nos bastidores, é dito que ele embarca para a Itália em 30 de dezembro. Caso isso se confirme, por lei, a Presidência da República estará sob o comando de Mourão, que não tem previsão de viajar para o exterior.
O vice, porém, já sinalizou que não fará a entrega da faixa presidencial, ao manifestar em mais de uma oportunidade que essa é uma responsabilidade de Bolsonaro. "Na minha visão, o presidente deveria passar a faixa porque é uma questão de presidente para presidente. Independente do processo, independente de gostar ou não da pessoa. É uma questão institucional", disse após participar de evento na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Lisboa, em 23 de novembro.
Anteriormente, ele também afastou a possibilidade de assumir o gesto. "Não adianta dizer que eu vou passar. Eu não sou o presidente. Eu não posso botar aquela faixa, tirar e entregar. Então, se é para dobrar, bonitinho, e entregar para o Lula, qualquer um pode ir ali e entregar", disse Mourão em entrevista ao jornal Valor Econômico, em 16 de novembro.
Sem Bolsonaro e Mourão, quem pode entregar a faixa a Lula
A rejeição de Bolsonaro e Mourão a entregar a faixa tem motivado o gabinete de transição de Lula a planejar alternativas. Uma ideia analisada é fazer com que a transmissão da indumentária seja feita por um conjunto de pessoas que representem a diversidade do povo brasileiro, não uma única pessoa, informa o jornal O Globo.
Segundo a reportagem, a transmissão poderia ser feita por um grupo composto por um índio, um negro, uma mulher, um trabalhador urbano e outro rural, além de um estudante. A coordenação da posse está sob a responsabilidade e articulação da futura primeira-dama, Rosângela da Silva, a "Janja".
Entre os representantes sondados para a entrega da faixa está a enfermeira Mônica Calazans, a primeira pessoa a receber a vacina contra a Covid-19. Outros nomes discutidos são o de Arielle Franco, irmã da vereadora assassinada Marielle Franco, e a antropóloga Beatriz de Almeida Matos, mulher do indigenista assassinado Bruno Pereira.
A Gazeta do Povo procurou o gabinete de transição de Lula por um posicionamento sobre a transmissão da faixa presidencial, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Obrigação? Punição? O que diz o decreto que regula a entrega da faixa
Não há obrigatoriedade do presidente da República entregar a faixa com o brasão da República ao presidente eleito, nem punição, esclarece a professora de direito eleitoral e consultora jurídica Amanda Cunha, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
"[A recusa na transmissão da faixa] gera só um constrangimento público. É uma questão mais de aparência, de boa fé, de espírito democrático e republicano, mas, realmente, o compromisso formal para efetivar a posse é o compromisso feito diante do Congresso Nacional e da Constituição com a assinatura do termo de posse, não é obrigado ao presidente eleito estar também", diz Amanda.
A entrega da faixa está prevista no Decreto 70.274/72, que apenas estabelece os ritos da cerimônia de posse. "A entrega da faixa pode ser determinada por um chefe de cerimônia ou alguém a ser designado", esclarece Amanda. "Mas não há obrigatoriedade por lei de estarem presentes, é mais um ato de respeito e de transferência pacífica de poder", reforça.
Uma vez diplomados pelo TSE, o presidente eleito e o vice Geraldo Alckmin (PSB) ficam aptos a tomar posse. A diplomação ainda não foi marcada e deve ocorrer até 19 de dezembro. Uma vez concluída, Lula estará apto a tomar posse no Congresso, onde fará a leitura do termo e será empossado pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
"A partir da diplomação, a Justiça Eleitoral constitui o direito subjetivo líquido e certo ao exercício do mandato para a chapa Lula e Alckmin. Feito isso, a cerimônia de posse é a mera formalidade", diz o advogado Guilherme Gonçalves, sócio da GSG Advocacia e membro fundador Abradep.
Já na condição de presidente, Lula fará o primeiro discurso à nação diante dos parlamentares. Na sequência, ele deixa o Congresso e segue ao Palácio do Planalto, onde subirá a rampa de entrada e será recepcionado pelo comitê cerimonial articulado por seu gabinete de transição. Na sequência, é feita a entrega da faixa presidencial.
Após a transmissão da faixa, Lula pronuncia um segundo discurso à população no parlatório do Planalto. É lá que a nova equipe do governo – seus ministros de Estado – é empossada. O evento da posse termina com uma recepção no Palácio Itamaraty, onde são recepcionados os chefes de Estado e as altas autoridades da República.