Lula protege ministros acusados de corrupção por governabilidade, mas denúncias de assédio resultaram em demissão.| Foto: André Borges/EFE
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A demissão de Silvio Almeida após um ano e oito meses à frente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania expôs a forma diferente com que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trata denúncias contra seus ministros de governo.

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Almeida acabou sendo demitido menos de 24 horas depois de virem a público denúncias de assédio sexual e moral contra ele, feitas por integrantes do governo à ONG Me Too Brasil. Um complicador da crise, que acabou acelerando a saída dele, foi a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, aparecer como uma das supostas vítimas.

Por outro lado, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, envolvido em denúncias de corrupção, teve o apoio de Lula e continua no governo. Ele chegou a ser submetido a investigações na Comissão de Ética da Presidência, mas o caso acabou arquivado. Juscelino não foi afastado sequer durante essa investigação. Analistas políticos apontam que seu vínculo com o Centrão contribuiu para sua permanência no cargo.

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A demissão de Sílvio Almeida ocorreu na sexta-feira (6) e já nesta segunda (9) Lula nomeou uma mulher negra para comandar o Ministério dos Direitos Humanos: a deputada estadual pelo PT de Minas Gerais, Macaé Evaristo.

Apesar de atender aos anseios de movimentos identitários, a escolha da nova ministra reforçou que Lula não demonstra preocupação com acusações de improbidade administrativa contra os membros de seu gabinete, já que Evaristo é ré, na Justiça de Minas Gerais, em um processo de superfaturamento milionário na compra de uniformes escolares em Belo Horizonte, quando era secretária da Educação da capital mineira.

A nova ministra negou qualquer irregularidade durante sua gestão na secretaria de Educação de Belo Horizonte e disse que segue “tranquila e consciente do compromisso com a transparência e correta gestão dos recursos públicos”.

Preocupação com eleitorado feminino pautou decisão

A reação de Lula diante das denúncias contra Silvio Almeida demonstra a preocupação do governo com o eleitorado feminino. A popularidade do presidente, segundo pesquisa de opinião da AtlasIntel realizada entre 24 e 27 de agosto, é maior entre as mulheres: 54,5% das entrevistadas disseram que aprovavam o trabalho de Lula. Entre os homens a aprovação é oito pontos menor. A margem de erro é de 1 ponto percentual e o nível de confiança é de 95%. A AtlasIntel ouviu 5.813 pessoas nas cinco regiões do país por meio do recrutamento digital aleatório.

Para Gilmar Arruda, estrategista com formação em Ciências Sociais, Lula foi sagaz ao demitir Silvio Almeida. “A situação do ministro Silvio foi muito complicada. Nesse sentido, como um político sagaz, optou por ser rápido para afastar as denúncias contra o governo e abafar a notícia negativa na imprensa”, avaliou

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Cristiane Britto, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, avalia que a pauta atingiu em cheio o governo. “A pauta da proteção da mulher para a esquerda é muito importante, tanto que foi sequestrada por eles. Tacharam o Bolsonaro de misógino e Lula como grande defensor das mulheres. Não teria uma pauta pior que fosse escancarar um escândalo que não fosse essa, da mulher”, disse ela.

A nomeação de uma mulher negra para substituir o ministro demitido também reforça a preocupação de Lula com as demandas deste eleitorado. 

Hoje, o governo Lula tem 10 dos seus 39 ministérios chefiado por mulheres. Além de Macaé Evaristo, são ministras Simone Tebet (Planejamento), Marina Silva (Meio Ambiente), Nísia Trindade (Saúde), Cida Gonçalves (Mulheres), Anielle Franco (Igualdade Racial), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Margareth Menezes (Cultura), Esther Dweck (Gestão e Inovação) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas).

Declarações de Lula sobre mulheres

Por outro lado, Lula já deixou de atender demandas identitárias de gênero, como quando não indicou uma mulher negra ao Supremo Tribunal Federal (STF) nas duas oportunidades que teve, e fez comentários ofensivos às mulheres ao longo do atual mandato. Em junho, durante entrevista ao portal UOL, Lula afirmou que não coloca mais negros e mulheres em cargos no seu governo por "falta de oferta" de profissionais com essas características.

"Como a mulher não teve participação ativa durante muito tempo, fica mais difícil encontrar mulher para determinados cargos, e fica mais difícil encontrar negros para determinados cargos. Não é que não tenha, é que a oferta é menor, na medida em que, embora seja a maioria da população, não tiveram uma participação política histórica mais contundente", afirmou Lula. 

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Além disso, em julho, ao comentar uma pesquisa que apontou o aumento da violência contra a mulher após jogos de futebol, o presidente Lula disse que “se o cara é corintiano, tudo bem”. Logo após, o petista disse “lamentar profundamente” o resultado apontado pela pesquisa.

Lula prioriza governabilidade ao manter ministros 

A estrutura do governo Lula 3 mostra que o petista tem optado por uma composição que garanta a governabilidade. "O seu grupo de ministros representa todo o esforço que está fazendo para ter uma governabilidade. Apesar de ter vencido a eleição, nós temos um Congresso Nacional muito mais inclinado à direita do que ao campo progressista, que representa o lulismo", disse o estrategista Gilmar Arruda. 

Esse fator é o que teria feito Lula manter o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, no cargo mesmo após uma série de denúncias que motivaram investigações por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O ministro é filiado ao União Brasil, partido que faz parte da base governista.

No caso mais recente, Juscelino é suspeito de desvios de emendas parlamentares para beneficiar áreas onde possui propriedades no Maranhão. Ao se defender e pedir o encerramento das investigações, o ministro afirmou que a investigação “concentrou-se em criar uma narrativa de culpabilidade perante a opinião pública, com vazamentos seletivos, sem considerar os fatos objetivos”. Ele considerou o indiciamento uma “ação política e previsível”, e alegou que a apuração distorceu premissas e ignorou fatos, sem ouvir sua defesa adequadamente.

A nomeação da nova ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, por sua vez, amplia o número de petistas a frente de ministérios.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Silvio Almeida é o quarto ministro demitido no governo Lula 3; duas eram mulheres

Desde o início do mandato de Lula, quatro ministros já foram demitidos: duas mulheres e dois homens. O primeiro foi o general Gonçalves Dias, envolvido em polêmicas relacionadas ao ato de 8 de janeiro de 2023. G. Dias foi filmado durante a invasão do Palácio do Planalto pelas câmeras de segurança do circuito interno. Ele foi substituído por Marcos A. Amaro dos Santos.

Depois, Daniele Carneiro e Ana Moser deixaram os ministérios do Turismo e do Esporte. Elas foram substituídas respectivamente por Celso Sabino e André Fufuca, políticos de partidos do Centrão. As trocas ocorreram em meio à pressão dos partidos por cargos no governo em troca de apoio no Congresso.

Da mesma forma, a ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano, foi substituída por um indicado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), Antônio Vieira Fernandes.

Já no caso de Silvio Almeida, Lula optou por indicar uma mulher negra para substituí-lo. Diferente das demais demissões, neste caso a demissão e o anúncio da nova titular do Ministério dos Direitos Humanos foram considerados rápidos e atenderam novamente a pautas defendidas pela esquerda.

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