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Crime organizado

Racha na facção criminosa PCC desperta temores de violência nas ruas e no sistema prisional

Briga interna no PCC gera risco de violência fora dos presídios (Foto: Valter Campanato / Agência Brasil / Arquivo)

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A liderança que Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, exerce no PCC (Primeiro Comando da Capital) está sendo contestada por alguns membros da cúpula da facção criminosa. A profundidade do racha na organização ainda não está clara, mas já está motivando assassinatos de criminosos leais a diferentes líderes do grupo fora dos presídios. Ao menos dois casos foram registrados e autoridades de segurança de todo o país estão em alerta para uma possível escalada da violência entre criminosos dentro e fora das prisões.

Policiais que integram o serviço de inteligência do Departamento Penitenciário Nacional, subordinado ao Ministério da Justiça, e fontes do Judiciário confirmaram à reportagem a disputa pelo poder na facção.

Segundo eles, tudo começou após o vazamento de uma gravação de áudio em que Marcola debocha de um de seus principais "generais" - Roberto Soriano, o "Tiriça", número dois na hierarquia da facção. A conversa teria sido gravada com autorização judicial, mas, sem o conhecimento de Marcola, e repassada amplamente dentro do primeiro escalão da organização criminosa.

Soriano teria acusado Marcola de traição, por ferir as regras do grupo, e tentou tomar o poder para si. Ele teria inclusive arquitetado um plano para tentar matar o agora rival. O plano só não deu certo porque a "rua", como são chamados os faccionados que estão em liberdade, não concordou com a troca de comando.

O criminoso era um dos principais parceiros de Marcola. Responsável por algumas das ações mais violentas da facção, teria partido dele a ordem para executar três policiais penais entre os anos de 2016 e 2017.

Alex Belarmino de Souza foi executado com 23 tiros, em setembro de 2016, em Catanduvas, no Paraná. No ano seguinte, em abril, foi a vez de Henri Charle Gama e Silva, assassinado em Mossoró, no Rio Grande do Norte. A terceira morte foi a de Melissa de Almeida Araújo, psicóloga do presídio de segurança máxima de Catanduvas e morava em Cascavel (PR). Ela foi executada em maio de 2017, na frente da filha recém-nascida.

Outra versão para o racha é que Soriano e ao menos outros três membros da cúpula do PCC teriam acusado Marcola de ser um "delator", decidido expulsá-lo da facção e decretar sua morte. Em resposta, Marcola teria acusado os quatro de traição e ordenado que fossem mortos.

Marcola, Soriano e outros membros da cúpula do PCC estão presos na Penitenciária Federal de Brasília, mas, em tese, não seriam capazes de manter contato uns com os outros por causa do regime de isolamento que vigora na unidade prisional. As lideranças do PCC foram enviadas para presídios federais em 2019.

O promotor Lincoln Gakiya, que atua no caso, disse à TV Bandeirantes no dia 19 que a política de isolar as lideranças tinha como um dos objetivos cortar a cadeia de comando e eventualmente provocar uma divisão interna na facção. Segundo ele, além de Marcola e Soriano, ao menos outros três criminosos estariam envolvidos na disputa de poder, que começou a resultar em violência nas ruas.

Um dos criminosos assassinados é um homem apontado pela polícia como um dos chefes do tráfico de drogas no Guarujá, litoral paulista. Ele foi executado em uma lanchonete, no bairro de Vicente Carvalho, em 17 de março. Segundo testemunhas, um homem em uma moto seria o autor dos disparos. Não está claro a quem ele era ligado na cúpula da facção.

O outro crime ocorreu no dia 24 de fevereiro, na Grande São Paulo. A vítima do ataque seria um dos chefes de uma célula do PCC responsável pelo tráfico de drogas, maior fonte de receitas da facção. Ele foi morto enquanto caminhava pela calçada, acompanhado da esposa e da enteada. Ambas ficaram feridas no ataque. O criminoso assassinado seria um dos homens leais a Marcola.

Agentes federais e membros do Judiciário tentam agora monitorar os desdobramentos da disputa de poder para tentar conter uma eventual onda de violência.

Analistas divergem sobre a possibilidade de "guerra interna" no PCC

Para o especialista em Ciências Criminais e diretor da Comissão de Segurança Pública da OAB-DF, Marco Costa, esse racha na cúpula do PCC pode ser um dos motivos para que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (PL), tenha estendido por tanto tempo a operação “Verão” na Baixada Santista, que já deixou ao menos 47 suspeitos mortos. Todos com ligações com o crime organizado, segundo a Secretaria de Segurança de São Paulo.

"É possível, sim, que esses confrontos tomem conta de outras regiões do país, já que existem membros do PCC em todos os estados brasileiros. A principal vítima dessa guerra, com certeza, é a população de bem, que é maioria nas regiões mais carentes do país, sendo utilizada como escudo para a ação dos bandidos”, destacou Costa.

Já o procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo Márcio Sergio Christino, autor do livro “Laços de sangue: A história secreta do PCC(Ed. Matrix, 2017), acredita que ainda é cedo para falar em guerra interna na facção. Segundo ele, ainda não existe uma sinalização da expansão de conflitos, uma vez que o isolamento das lideranças em presídios federais tem dificultado a articulação do grupo. “Pode ser que ocorra [a guerra interna no PCC], mas, até o momento, essas ações estão sendo muito pontuais. Também não foi detectado nenhuma grande movimentação dentro do sistema prisional que indique esse acirramento”, explicou Christino, que foi um dos primeiros membros do Ministério Público a investigar a facção.

“O PCC é essencialmente tráfico. A repressão se confunde com o combate ao tráfico. Reprimir o PCC é combater o tráfico de drogas, e o Brasil precisa decidir o que realmente pretende nesse sentido”, acrescentou o procurador.

Considerado pelas autoridades a maior facção criminosa em atividade no país, o PCC tem aproximadamente 40 mil integrantes espalhados por quase todos os estados brasileiros. Segundo a Interpol, o grupo já é a oitava maior organização criminosa do mundo, com um faturamento médio anual de cerca de US$ 1,2 bilhão.

A desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, acompanha o crescimento do grupo desde a sua criação. Hoje, a maioria dos processos relacionados aos 22 líderes da facção que cumprem penas em presídios federais passam por sua mesa. Ela confirma a existência de uma disputa por poder na cúpula, que se arrasta há mais de uma década e foi marcada por execuções dos dois lados da guerra.

Mas, segundo a jurista, essa fissura não seria suficiente, por exemplo, para dividir a organização e criar uma facção dissidente. “Eu duvido que os perdedores dessa disputa pensem em criar uma nova facção. O PCC não permitiria. Hoje, a força da organização é muito grande. Qualquer um que tentasse desafiá-los seria sentenciado à morte. São Paulo é diferente do restante do país, onde encontramos às vezes três, quatro facções dividindo territórios. Como no Rio de Janeiro, por exemplo, onde as milícias se uniram a traficantes. Um grupo é o dono do dia, o outro é o dono da noite. Aqui em São Paulo isso não existe”, afirmou a desembargadora.

O Ministério da Justiça afirmou à reportagem que mapeia e acompanha as organizações criminosas no Brasil com um largo trabalho de combate ao crescimento das mesmas. "Por questões de segurança, o MJSP não divulga dados do mapeamento que é realizado pela pasta", afirmou a assessoria de imprensa do ministério.

Maio de 2006: guerra fora dos muros dos presídios

Ivana David fez questão de relembrar a onda de ataques coordenada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) em maio de 2006, logo após a decisão do governo paulista de transferir 763 detentos ligados ao PCC para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, unidade de segurança máxima. A Sintonia Fina, grupo que reúne os principais líderes da facção, ordenou atentados contra alvos civis e de segurança pública, que logo se espalharam pelo país. Em menos de dez dias, o “salve” já havia deixado um saldo de 564 mortes (505 civis e 59 agentes públicos).

“Naquele tempo, a facção não tinha o tamanho, a força e as armas que possui hoje. Eles contavam com a metade dos integrantes que possuem atualmente. Uma nova onda de ataques seria algo terrível. Muito pior do que vimos em 2006”, alertou a desembargadora.

“Por outro lado, uma guerra contra o Estado seria péssima para os negócios da organização criminosa. Eles sabem disso. Um ataque ao povo seria um ataque ao Estado, que seria obrigado a revidar. E isso o PCC não iria querer”, disse Ivana David.

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