O presidente Jair Bolsonaro suspendeu o uso de radares estáticos, móveis e portáteis em rodovias federais. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União, nesta quinta (15), e deve valer até que o Ministério Infraestrutura revise equipamentos. A nova determinação não muda o funcionamento de radares fixos.
Bolsonaro cita no texto que quer evitar a “utilização meramente arrecadatória dos instrumentos e equipamentos medidores de velocidade". Também foi determinado que o Ministério da Justiça suspenda a fiscalização eletrônica realizada pela Polícia Rodoviária Federal, até que o Ministério da Infraestrutura conclua a revisão dos procedimentos e equipamentos.
A briga do presidente contra os radares não é novidade. Alegando haver uma "indústria da multa" que precisa ser combatida, o presidente Jair Bolsonaro cancelou no fim de março a instalação de 8 mil radares em rodovias federais e disse que poderá determinar a retirada de equipamentos já instalados em trechos em que eles não sejam necessários.
Na quarta-feira (10), a Justiça proibiu o governo de remover os radares sem um estudo que comprove que o equipamento não é necessário; e obrigou o Planalto a prorrogar os contratos de radares que vão vencer por 60 dias. No embate entre Bolsonaro e o Judiciário, fica a questão: afinal, os radares são necessários para evitar acidentes ou há uma indústria de multas?
O professor Jorge Tiago Bastos, do Departamento de Transportes da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirma que o excesso de velocidade é um dos principais fatores de risco para acidentes de trânsito. “A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) sempre traz que os principais fatores de risco são: excesso de velocidade, falta de uso de equipamentos de proteção, álcool, drogas e mais recentemente o uso do celular”, diz.
Estudos internacionais atestam que os radares são eficientes para evitar acidentes, mortes e feridos. Segundo o estudo The handbook of road safety measures, do pesquisador norueguês Rune Elvik, os equipamentos de controle da velocidade reduzem o número de feridos em até 20% e de mortes em até 50%.
Estatísticas da PRF indicam eficiência dos radares
As estatísticas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) também indicam o mesmo que os estudos internacionais. Segundo a PRF, os acidentes vêm caindo nos últimos dez anos. O período coincide com o aumento do número de radares nas estradas, embora haja outros fatores que explicam essa queda – tais como o aumento da fiscalização e a lei seca. Em 2009 foram 158.647 acidentes nas rodoviais federais, segundo a PRF. Já em 2018 foram registrados 69.207, uma redução de cerca de 57%.
Ainda assim, os números de acidentes são elevados: em 2017, foram 89.318, segundo a PRF. Desse total, 10.420 foram causados por “velocidade incompatível”. Eles deixaram 9.658 feridos e 1.007 mortos.
No ranking de infrações desse mesmo levantamento, a mais flagrada pela PRF foi “transitar em velocidade superior à máxima permitida em até 20%”, com 2,3 milhões de casos. A terceira foi “transitar em velocidade superior à máxima permitida em mais de 20% e até 50%”, com 499,5 mil ocorrências.
Redução da velocidade é política de Estado há vários governos
Por esses motivos, a redução da velocidade tem sido um objetivo de Estado há vários governos. O Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans) – elaborado pelo extinto Ministério das Cidades e assinado pelo ex-presidente Michel Temer em janeiro do ano passado – apostava nos radares como medida para diminuir os acidentes rodoviários. Dentre a metas do plano estava a ampliação de 20% dos equipamentos de fiscalização eletrônica do limite de velocidade.
Antes mesmo do Pnatrans, o governo federal já via nos radares um importante instrumento para reduzir acidentes nas estradas. O Programa Nacional de Controle Eletrônico de Velocidade (PNCV), instituído por edital de 2009 e que começou a valer em 2010 (no governo Lula), previa a instalação de 2.696 radares num prazo de cinco anos.
OPINIÃO: Bolsonaro ataca radares para se esconder de problemas reais
Na apresentação do programa, no site oficial, é citada uma pesquisa da Conferência Global sobre o Uso da Tecnologia para Aumentar a Segurança nas Rodovias, realizada em Moscou (Rússia) em 2009: “reduzir a velocidade em 1% leva a uma diminuição de 2% no número de feridos leves, 3% menos feridos graves e 4% menos mortos”.
Apesar disso, levantamento feito pelo jornal O Globo mostrou que já está ocorrendo uma diminuição no número de radares nas rodovias federais. Segundo o jornal, eram 5,5 mil aparelhos em funcionamento em julho de 2018 e agora, em março deste ano, são apenas 440.
Procurado, o Ministério da Infraestrutura, atual responsável pelas funções que eram da pasta das Cidades, não deu retorno à reportagem para informar se as metas do Pnatrans continuariam ou não valendo após a decisão de Bolsonaro. Órgão do Ministério dos Transportes responsável por 55 mil quilômetros das rodovias federais, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) também não deu retorno até o fechamento desta reportagem.o
Mas há uma indústria da multa como diz Bolsonaro?
Apesar das evidências de que os radares são úteis para reduzir acidentes e mortes no trânsito, há quem argumente que essa é a "desculpa" para tirar dinheiro dos motoristas. E que muitos dos equipamentos são "armadilhas" com esse objetivo, que não obedecem a critérios técnicos para a sua instalação.
O próprio presidente Jair Bolsonaro reforça essa percepção. Ao anunciar a revisão dos radares já instalados, disse que faria isso "para que não sobrem dúvidas do enriquecimento de poucos em detrimento da paz do motorista”.
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O professor Jorge Tiago Bastos, o Departamento de Transportes da UFPR, diz que é importante diferenciar indústria da multa e fiscalização ostensiva. "São duas coisas bem diferentes. O que seria a indústria da multa? Seria você induzir um condutor a um erro e esse erro vai gerar uma multa, por exemplo um semáforo que não tem tempo de amarelo suficiente para você cruzar (…) É você colocar o condutor numa armadilha para ser multado, isso tecnicamente é indústria da multa.”
Bastos afirma que a instalação dos equipamentos de fiscalização eletrônica segue resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), segundo a qual os radares só podem ser instalados após estudos técnicos. “Se há um grande número de dispositivos, isso também é consequência de um grande número de situações de risco.”
Outra suspeita lançada por Bolsonaro, de que haveria pessoas "enriquecendo" com a arrecadação das multas não faz sentido. O dinheiro obtido com as infrações de trânsito vai integralmente para os cofres públicos.
O Contran também estabelece que o dinheiro das multas deve ser investido “exclusivamente em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”. Do total arrecadado, 5% deve ser depositado, mensalmente, “na conta de fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação de trânsito”.
No caso das rodovias pedagiadas, nem uma única parcela das multas entra nos cofres das concessionárias. "Não há arrecadação de multas pelas concessionárias em qualquer dispositivo eletrônico de monitoramento de velocidade", diz em nota a Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR), que defende que os radares são responsáveis pela redução de graves acidentes. "A fiscalização, emissão, cobrança e destinação da receita com multas de trânsito é responsabilidade dos órgãos fiscalizadores federal, estaduais e municipais."
Restaria ainda supor que o presidente Bolsonaro denunciou um suposto "enriquecimento" das empresas que fornecem ou operam os radares para o governo. A reportagem procurou o Dnit para saber sobre os valores dos contratos desses equipamentos estão muito elevados. Mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.
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