Documentos encontrados no e-mail de ex-diretor da Abin apontam estratégias que deveriam ser seguidas por Bolsonaro.| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
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A Polícia Federal afirma ter encontrado documentos no e-mail do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) que teriam orientado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a questionar as urnas eletrônicas e a lisura do sistema eleitoral brasileiro, de quando ele ocupava o cargo de diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

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A revelação de trechos dos documentos que fazem parte da investigação da chamada “Abin paralela” foi feita nesta sexta (26) pelo jornal O Globo e confirmada à Gazeta do Povo por fontes na PF.

De acordo com a apuração, os documentos eram costumeiramente escritos por Ramagem para “comunicação de fatos de possível interesse” de Bolsonaro, segundo disse em depoimento à autoridade quando questionado sobre os conteúdos encontrados. Ele afirmou, no entanto, que não lembrava se as mensagens foram passadas adiante.

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Alexandre Ramagem é investigado pelo suposto esquema de espionagem ilegal de autoridades e magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) sem autorização judicial para atender a interesses de Bolsonaro, segundo a PF. De acordo com o inquérito tornado público no último dia 11, entre os monitorados estavam os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, além de deputados, senadores, auditores da Receita Federal e jornalistas.

Entre as mensagens supostamente escritas por ele a Bolsonaro estão a alegação de que a eleição de 2018 foi fraudada e que ele teria vencido ainda no primeiro turno (o pleito foi decidido no segundo turno, com 55,13% a 44,87% de Fernando Haddad, PT), que ele seria o único candidato forte para vencer em 2022 e que havia um movimento de “golpe” no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra ele.

Ramagem afirmou à PF, segundo a apuração, que costumava escrever “textos de fontes abertas”.

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Suposta fraude em 2018

De acordo com um dos textos encontrados pela PF com trechos reproduzidos pela apuração, intitulado “Presidente TSE informa.docx”, Alexandre Ramagem aconselhava Bolsonaro a reforçar a percepção de “vulnerabilidade” das urnas eletrônicas.

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“Por tudo que tenho pesquisado, mantenho total certeza de que houve fraude nas eleições de 2018, com vitória do sr. [presidente Bolsonaro] no primeiro turno. Todavia, ocorrida na alteração de votos”, dizia o documento.

Ramagem, no entanto, afirmou a Bolsonaro que não deveria pedir a anulação dos votos da eleição, que “não teria esse alcance todo”. “Entendo que argumento de anulação de votos não seja uma boa linha de ataque às urnas. Na realidade, a urna já se encontra em total descrédito perante a população. Deve-se enaltecer essa questão já consolidada subjetivamente. [...] A prova da vulnerabilidade já foi feita em 2018, antes das eleições. Resta somente trazê-la novamente e constantemente”, orienta o texto.

O documento descreve, ainda, a formação de um grupo de confiança para aprofundar questões sobre as urnas eletrônicas, supostamente com a ajuda do major da reserva do Exército Angelo Martins Denicoli, investigado por participação no suposto plano que culminou com os atos de vandalismo contra as sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

Ramagem, no entanto, afirmou não se lembrar desse fato nem de ter trabalhado com o militar.

Após a eleição de 2018 e as sucessivas críticas de Bolsonaro, o TSE tomou medidas para aumentar a confiança da população nas urnas eletrônicas, como a inclusão das Forças Armadas entre as entidades fiscalizadoras do processo, junto de partidos, Polícia Federal, Ministério Público, Tribunal de Contas da União (TCU), universidades e outras instituições que já inspecionavam o sistema.

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Tambem permitiu a inspeção do código-fonte das urnas com um ano de antecedência da eleição e ampliou o teste de integridade dos equipamentos no dia da votação.

“Atitude belicosa”

Segundo a apuração, outro arquivo encontrado no e-mail de Ramagem, intitulado “Presidente.docx”, sugere que Bolsonaro adotasse uma postura hostil e que não haveria nenhum candidato forte o suficiente para derrotá-lo em 2022.

“Bom dia, presidente. O Sr. mais do que ninguém conhece o sistema e sabe que não houve apenas quebra de paradigma na sua eleição, mas ruptura com esquema dos poderes [...] nenhuma crise conseguiu enfraquecer sua base e não aparenta haver políticos à altura de vencê-lo em 2022. Portanto, parece que a batalha maior será agora, requerendo atitude belicosa com estratégia”, relata o documento.

O texto também menciona, sem provas, um movimento de “golpe” no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra Bolsonaro. Ramagem afirmou que "“"há armadilhas sendo colocadas". "O inquérito do Celso de Mello possui relação com o inquérito das fake news do Alexandre de Moraes com intuito de fundamentarem o golpe no TSE"”", referindo-se a procedimentos judiciais envolvendo Bolsonaro.

Os documentos revelaram ainda, após uma quebra de sigilo autorizada judicialmente, que Ramagem fornecia a Bolsonaro relatos supostamente difamatórios e sem comprovação sobre o ministro Alexandre de Moraes, alvo frequente dos ataques do ex-presidente e seus aliados. A apuração, no entanto, não indica trechos sobre isso.

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